Wolfgang Tillmans: a história é o hoje

“Nada poderia ter nos preparado, tudo poderia ter nos preparado”. O título da nova exposição do alemão Wolfgang Tillmans em cartaz em Paris gera um desconforto imediato. Como deixamos tudo isso acontecer? O que nos formou e por onde passamos? Tillmans se mostra um agudo artífice e tradutor de seu tempo, nesta retrospectiva que reúne todos os aspectos de sua produção. Presente na fotografia, na mídia, na arte, na música, em muros e na internet, seu trabalho narra uma contemporaneidade política de muitas formas, em sua poética e em sua sempre questionadora visão de mundo. Diante do passado, finca os pés no presente e na pulsão da vida. A história é o hoje. Devemos ter esperança — e agir.
A arquitetura desempenha papel crucial na definição do fluxo da exposição, em formato de site-specific, organizada e desdobrada não de modo cronológico, mas com sua fruição determinada pelas características da Bibliothèque publique d’information [Biblioteca pública de informação], a Bpi, onde ela acontece, no segundo andar do prédio do Centre George Pompidou. Um espaço que era frequentado diariamente por 2 mil pessoas, mas que a maioria do público, sobretudo quem não mora na cidade, passa batido (o mais comum é subir para as exposições temporárias, e o próprio artista chegou a declarar isso). A mostra é a última realizada na instituição, que fecha em setembro para uma reforma prevista para durar cinco anos.

Em tempos digitais, uma biblioteca física é um chamado à produção de memória e de cultura, e segue como um espaço da maior importância, principalmente para quem é mais jovem, e ainda em fase de formação. Quem convive com bibliotecas conhece os ritmos e a dinâmica. Daí todo o sentido que faz essa retrospectiva de Wolfgang Tillmans, de mais de 40 anos de trabalho, e que propõe uma nova forma de se ver e de expor fotografia.
No projeto expográfico (genial), foram mantidas as divisórias de assuntos, peculiares dos ambientes de pesquisa, e até o carpete conta uma história. Durante uma reforma da Bpi em 2000, as seções do carpete antigo que ficavam sob os móveis não puderam ser substituídas, e o novo carpete foi instalado ao redor dessas áreas. Com a Bpi desocupada, o antigo material roxo ressurgiu sobre o cinza predominante do piso, formando desenhos e composições que, na mostra, nos conduzem a inesperadas reflexões, aguçando (ainda mais) os sentidos do público. Tillmans compara esses sinais de ausência à estética dos fotogramas, semelhantes a áreas não expostas em papéis fotográficos revelados.
A lida com escalas e proporções faz parte do modus operandi das exposições de Tillmans, e seu trabalho é reconhecido imediatamente, seja pela maneira (aparentemente aleatória) de espalhar as fotos pelas paredes, e pela disposição de suas mesas, um tipo de expografia que ele inaugurou em 2005. Na Bpi isso vai ainda mais longe.

O espaço é generoso, e cada tipo de material ganha comportamentos distintos e novos, sobretudo no diálogo com o mobiliário original do lugar e com o exterior, estabelecendo relações dentro/fora como só as instituições com paredes de vidro podem proporcionar. Wolfgang Tillmans se apaixonou pelo prédio – criado pelo italiano Renzo Piano e pelo britânico Richard Rogers, aberto em 1977, marcando uma era com suas tubulações coloridas aparentes. Esse respeito e a veneração pela ideia de compartilhamento, de conhecimento e comunidade aparecem em cada canto.
“Houve uma energia particularmente boa em jogo. Nunca antes encontrei um artista que se identificasse tão fortemente com uma exposição e trabalhasse nela por três anos, até os menores detalhes, até o ponto da exaustão (ainda que eu conheça Wolfgang desde 2013)”, diz o curador da mostra, Florian Ebner, em entrevista para este artigo. “Acho que ele entendeu que este convite para a última exposição do Pompidou neste lugar específico tem um grande potencial”, reflete o curador.


Fãs de Wolfgang Tillmans vão reconhecer características de suas exposições, como a forma constelada em que ele apresenta as imagens na paredes — ora coladas, penduradas, ou super ampliadas — , e as mesas em que ele dispõe objetos, revistas, recortes, catálogos, seus comentários visuais e políticos. Estão lá: as naturezas-mortas, os eclipses, as clubbers, os amigos, as celebridades; as flores, em muitas versões (e em uma mesa enorme, convidando ao toque) e as abstrações alcançada com jogos de cor, de textura e de pegada metalinguística: a fotografia como a escrita feita com a luz.
São as séries Greifbare Freischwimmer (nadador livre, em alemão): desenhos que Tillmans cria na câmara escura, manipulando manualmente fontes de luz (ele desenvolve a paleta dessas obras aguardando quatro minutos para que o papel fotográfico seja revelado). Depois, são ampliadas de seus originais menores em impressões em grande formato, em jato de tinta. Nosso cérebro reconhece as imagens como “fotográficas” e ativa o que Tillmans chama de “máquina de associação”, conectando-as à algo que poderia se assemelhar a cenas subaquáticas, à pele humana ou a ambientes microscópicos.
Um autorretrato que mostra sua imagem pequenina, na tela de um celular encostado em uma garrafa plástica de água, ilustra a relação estabelecida hoje com a representação. No mundo de hoje, em que qualquer ser humano “produz conteúdo” e, muitas vezes, se considera artista, o registro de Tillmans sobre as realidades a seu redor emociona. Seu trabalho é o documento de uma geração.
Nascido em Remscheid, Alemanha, em 1968, ao longo de sua trajetória estabeleceu um vocabulário visual marcante e inconfundível, desde suas observações astrológicas iniciais e o registro das subculturas características do início da década de 1990, com o ambiente de festas, raves e clubes de techno, marcadamente em Berlim. Lacanau (self), de 1986, marca o momento em que ele próprio se reconhece como artista, e também sua primeira produção abstrata. Feita numa praia do sul da França, traz a imagem de sua perna, do short Adidas e da t-shirt rosa, seu corpo visto de cima, de seu ângulo, como fotógrafo.

No Pompidou, pela primeira vez ele utiliza uma tela de LED de grande porte, outro momento poético da mostra, em que o público é convidado a se recostar em cadeiras ao nível do chão para assistir a uma seleção de vídeos também curada para a exposição, Em um deles, as imagens em movimento são produzidas pela fusão de luz emitida por milhares de pixels individuais em vermelho, azul e verde, de forma semelhante ao processo de impressão em quatro cores mostrado no vídeo. Nas caixas de som, Life Guarding, faixa de 2020 também produzida e cantada pelo artista. Impossível não se emocionar. Ao olhar para o trabalho de Tillmans, olhamos também para nós, para nossos passados e nossas agências. Em silenciosa meditação, nos conectamos com a sublimidade das fotos, e a mostra ganha por vezes uma dimensão quase espiritual.

Para nos conduzir a essa verdadeira transcendência, são dez os eixos da mostra, estabelecidos pela curadoria: History Now; The State We’re In; Dissemination of Information; Autopoiesis of Photographic Materiality and Processes; Book for Architects; Shelves; Tables e Metamorphosis of Space e Autoformation (Self-Education). Nesta última está uma das mais instigantes áreas da mostra: as cabines. Em novembro de 2024 o artista convidou o público da Bpi para participar de um projeto, para serem filmados em suas atividades comuns na biblioteca, por meio de uma open call, que sugeria que as pessoas agissem como habitualmente no local. O resultado tem um recorte de homenagem, por meio da imagem em vídeo das pessoas em 60 telas, em suas cabines originais de pesquisa, e nos lembra da missão da biblioteca como equipamento cultural vivo, em uso. Como uma extensão, o público também pode selecionar, em formato on demand, imagens em vídeo do acervo do artista, disponíveis na seção logo ao lado.


Tillmans é testemunha da passagem do mundo analógico para o digital, tema que emerge com frequência, de muitas formas, em sua produção. Ele comprou sua primeira câmera digital em 2009, o que chamou de “uma total revolução”: “De repente precisei lidar com a alta definição, no sentido que cada foto traz mais do que meu olho consegue ver.“ Nessa área da mostra, imagens arrebatadoras como o close nos cogumelos que, na proporção da imagem ampliada em grandes dimensões, parece saltar do papel — e da parede.
Nothing could have prepared us Everyting could have prepared us é um trabalho monumental. Segundo Florian Ebner, a mostra representa “uma grande conquista” das equipes envolvidas, mencionando especificamente Anders Clausen, Michael Amstad e Mark Barker, três artistas e companheiros de longa data, a equipe do projeto no Centre Pompidou, ao lado da equipe curatorial e da cenógrafa Jasmin Oezcebi, com Mathilde Tissot e Claire Gerlach, gestoras do projeto, e Pierre Dusaussoy e Alexandre Lebugle, coordenadores de montagem. “Em outras palavras, para usar a linguagem da astronomia — uma disciplina que teve uma profunda influência em Wolfgang Tillmans — foi uma constelação muito favorável de estrelas”, ele resume. A seguir, os principais trechos da entrevista com o curador.

Eu gostaria que você comentasse o processo de concepção da mostra, da curadoria e da sua relação com o artista. Posso imaginar o desafio de navegar por um corpo tão vasto de trabalho. Como foi conduzida a seleção das obras?
Florian Ebner: No verão de 2022, nosso presidente, Laurent Le Bon, convidou Wolfgang Tillmans. Ele recebeu carte blanche e, desde o início, ficou claro que esta exposição não seria uma retrospectiva clássica, como a vista no MoMA (Museum of Modern Art, em 2022) em Nova York. Ao invés disso, dada a localização da exposição, ela deveria e haveria de ser uma instalação experimental. A ideia era que a seleção das obras reagisse ao local. Seu trabalho de mais de 40 anos, seu arquivo, deveria ser ativado pela biblioteca, por assim dizer. A seleção das obras inicialmente estava nas mãos do artista, e fizemos pedidos e sugestões com base nessa seleção inicial. Nossas discussões se concentraram principalmente na estrutura e na orientação da exposição. Desde o começo, ficou evidente que deveria ser uma exposição com uma abordagem enciclopédica, jogando com a função e a ideia de uma biblioteca, sem que isso acontecesse de maneira excessivamente óbvia.
Vários eixos temáticos perpassam a mostra — este foi um ponto importante da discussão. Um exemplo é o tema da arquitetura, visível na grande instalação Book for Architects, que adquirimos para a coleção do Pompidou. Mas a situação política atual e suas raízes históricas também são um fio comum. Não menos importante, também por meio do título da exposição. Pedimos a Tillmans, por exemplo, para incluir na seleção Army (Moscow 2005), 2008 e Empire (US/Mexico border), 2005. Temas globais, como centros de dados e IA também são destacados. O Memorial para as Vítimas das Religiões Organizadas (2006) também foi incluído desde o início na seleção de Wolfgang, uma interface importante para os trabalhos experimentais, que também representam um eixo importante: os Freischwimmer ocupam uma sala inteira, assim como Silver e Lighter.
Outro tema central que atravessa a exposição, seja nas paredes, nas mesas ou nos vídeos, é a questão da percepção: “Como percebo e o que meus dispositivos veem?” Por último, mas não menos importante, a reprodução por meio de fotocópias. Afinal, foi o ponto de partida de sua produção. Wolfgang teve a maravilhosa ideia de manter a sala de fotocópias aberta e funcionando, como parte da exposição. Uma ideia que nós, a equipe curatorial (composta pelos dois curadores associados, Olga Frydryszak-Rétat, Matthias Pfaller e eu) defendemos até o fim, mesmo diante de resistências.

Você poderia comentar especificamente sobre as prateleiras, sua relação com os tapetes, e o conceito geral da Bpi como um espaço de lazer, observação e reflexão? É fascinante ver como o público se envolve com esses elementos.
FE: Desde o início, a arquitetura do local desempenhou um papel central. Durante nossa primeira visita conjunta, em 2022, já ficou evidente que o artista estava fascinado por este lugar de conhecimento e por sua função social. Ao mesmo tempo, havia essa incerteza: seria possível criar uma exposição elegante neste ambiente bastante empoeirado de biblioteca, com seu carpete industrial e iluminação quente? Um momento decisivo foi a descoberta do antigo tapete roxo sob as pesadas prateleiras, sob as mesas e o balcão de informações. Baseada nessas diferentes gerações de carpetes, uma composição abstrata pôde ser concebida, o que para Tillmans fazia-o lembrar um fotograma. Para ele, foi uma espécie de libertação que o permitiu manter este tapete. Tivemos sorte em ter Jasmin Oezcebi, uma cenógrafa excepcional que implementou todas as nossas ideias com grande comprometimento e compreendeu como o artista queria se apropriar do espaço. Ela percebeu que a composição dos diferentes tapetes realmente funcionava e substituiu os tubos quentes de neon por tubos de neon frios, reciclados do andar superior [do prédio], criando um espaço muito elegante.
Para Tillmans, a biblioteca também ofereceu uma oportunidade especial para desenvolver ainda mais seus pensamentos sobre verticalidade e horizontalidade — temas que o preocupam desde o início dos anos 1990. As prateleiras se tornaram exibições verticais em constante mudança, e ele explorou todas as possibilidades das mesas, criando uma ampla variedade de vitrines.
Muitas intervenções no espaço visavam chamar a atenção para a arquitetura em si. Por exemplo, um balcão de informações convertido que aqui funciona como plataforma de observação; uma mesa com um espelho que reflete o teto, e uma grande viga de aço, que aparece de repente como uma escultura, e um laser (o trabalho Ceiling Scan 2025), que mais uma vez chama a atenção para a estrutura de nosso teto.
Assim, a exposição (assim como o catálogo, publicado em francês e inglês) não apenas oferece um vislumbre do universo do artista, mas também se torna um diálogo com esta arquitetura icônica e com o funcionamento de uma biblioteca. Se quisermos encontrar uma metáfora para o desafio conceitual, poderíamos compará-lo à escala do Photoshop: à extrema direita está a transformação do lugar em um cubo branco e à extrema esquerda está a preservação da estrutura espacial da antiga biblioteca. Acredito que o meio-termo que encontramos é muito bom, e o espírito do lugar pode ser sentido em toda parte.


Comente a atuação de Wolfgang Tillmans como um ser político, desde o início de sua trajetória, com a documentação da cena noturna.
FE: Wolfgang Tillmans é uma pessoa com interesses políticos diversos. Em algumas áreas, ele é muito politicamente ativo, enquanto em outras apenas observa, em suas imagens. Alguns campos políticos estão em exibição na exposição: uma parede é dedicada à vida noturna, não apenas à cultura queer, reunindo trabalhos de agora e de mais de 40 anos — as imagens que o tornaram famoso. O foco delas não está apenas no prazer e na emancipação sexual, mas também em mostrar estes espaços como lugares de liberdade vivida, liberdades que hoje estão cada vez mais sendo questionadas.
Desde 2005, Tillmans trabalha com dispositivos especiais de madeira, as chamadas mesas, do Truth Study Center. Elas também desempenham um papel central nesta exposição, logo no início da mostra, evidenciando que as mesas eram seu meio legítimo desde o início e levando às outras mesas da biblioteca. Elas são provas concretas de seu interesse político, que é cada vez mais articulado no mundo pós 11 de setembro.
Há também uma prateleira dedicada exclusivamente a fronteiras, migração e manifestações pela liberdade, enquanto o verso da prateleira exibe seu interesse em medicina, como a luta contra a Aids, um tema central para ele. Um elemento inteiro da parede, que está no espaço de uma antiga estante de livros, é dedicado ao seu ativismo político desde 2016 — primeiro seu compromisso contra o Brexit, mais tarde seu compromisso com a Europa e seu apelo para votar a fim de não deixar o campo aberto para partidos de extrema direita. Essas campanhas importantes também fazem parte da exposição.

A instalação envolvendo o público do Bpi é um dos aspectos mais intrigantes da exposição. Poderia comentar os trabalhos em vídeo da mostra?
FE: Sim, os elementos audiovisuais desempenham um papel importante. Três pequenas salas de oficina da antiga biblioteca foram convertidas em caixas pretas para projeções e instalações sonoras, enquanto apenas a sala para a projeção de Book for Architects foi construída especificamente para esse fim. A exposição começa no Atelier 1 com obras que nunca foram exibidas em um contexto museológico antes. Em Instrument, ele transforma seu próprio corpo dançante em um instrumento de percussão. Na obra Traveling Camera, criada para esta exposição, se vê um voo com a câmera sobre um projetor 4K desmontado, acompanhado pelo som de cordas batendo contra mastros de bandeira. Também está em exibição a instalação sonora I Want to Make a Film, na qual ele reflete sobre o incrível potencial técnico de gravação do celular. De qualquer forma, “gravação” é uma palavra importante para ele, que não trabalha apenas com imagens geradas. Outra instalação sonora no meio da sala, Source (BPI), apresenta várias gravações de campo, instrumentos e sua voz.
Um destaque especial é a grande parede de LED na parte de trás da exposição, perto da frente da janela voltada para a fonte Stravinsky, do lado de fora. Ela mostra uma seleção de suas músicas e vídeos em uma montagem criada por ele para o Centre Pompidou e, em particular, para a Bpi. Algumas das peças, como Language is what it is, também lidam com comunicação e percepção — fenômenos que estão intimamente ligados ao meio da biblioteca. E, claro, há outras músicas, porque o lugar também é pensado como um espaço para relaxar e descontrair. Nesse sentido, este lugar também é uma espécie de espaço de construção comunitária.


Eu gostaria de ouvir você sobre o título da exposição, que entendi que Tillmans já havia concebido previamente.
FE: O título em inglês, Nothing Could Have Prepared Us, Everything Could Have Prepared Us [Nada poderia ter nos preparado, tudo poderia ter nos preparado] acompanha o artista há algum tempo… e debatemos muito para chegar na melhor tradução em francês (Rien ne nous y préparait Tout nous y préparait). É uma construção de título típica de Tillmans — pense em If One Thing Matters, Everything Matters (2003) [Se uma coisa importa, tudo importa]. Para ele, a frase [que batiza a exibição] é verdadeira tanto na esfera privada da vida e nas dificuldades de tomar decisões quanto na esfera pública. Mas, para muitos visitantes da exposição, é imediatamente política. Olhando para trás, o título da exposição de Wolfgang no MoMA, To Look Without Fear, parece quase impossível hoje: olhar sem medo. Nesse sentido, a reflexão e o ceticismo estão em sintonia com o nosso tempo. A dialética do título finalmente se encaixa bem com um local de exposição que é um lugar de conhecimento, um lugar que poderia oferecer conselhos, e ainda assim vivemos em um mundo onde tudo gira em torno do poder da informação barulhenta, e não mais sobre o conhecimento.
Você poderia comentar sobre a dimensão espiritual do trabalho de Tillmans e desta exposição em particular? É impossível não considerar uma ideia de transcendência engajada.
FE: Essa é uma pergunta muito boa e uma observação muito interessante. Acho que seu termo “transcendência engajada” se encaixa realmente muito bem. Quando jovem, Wolfgang Tillmans foi ativo na igreja juvenil luterana e envolvido no movimento de paz protestante. Vestígios disso também podem ser encontrados na exposição (assim como tantas outras fontes para sua vida e obra). No entanto, desde muito cedo ele rejeitou a pretensão das religiões à verdade absoluta — um tema que perpassa toda a sua obra, as paredes e o Truth Study Center. E ainda assim, ele acredita na importância da espiritualidade e da transcendência, mas não de uma maneira esotérica e introvertida — antes, acima de tudo, no sentido de comunidade vivenciada e de solidariedade. Nesse aspecto, ele até dedicou um número inteiro da revista de fotografia americana Aperture a esse tema. E é justamente isso que esta exposição mostra: ela cria momentos de comunidade — em um lugar onde os estudantes normalmente se sentam e leem, agora as pessoas passeiam pelos grandes espaços como em uma pintura de paisagem, se inclinam juntas sobre mesas, olham para as imagens e sentam-se juntas em frente à parede de LED. São esses momentos de experiência compartilhada que tornam a exposição tão especial e lhe conferem, como muitos descrevem, um poder tocante, que tem a ver com a utopia original do Centre Pompidou. ///
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Fotos gentilmente cedidas pelo Centro George Pompidou e Wofgang Tillmans
Erika Palomino (Rio de Janeiro, RJ, 1967) é jornalista, curadora e diretora criativa. Assinou a coluna semanal Noite Ilustrada na Folha de S.Paulo. Foi gestora no Centro Cultural São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Autora de Babado Forte: 35 anos de cultura jovem no Brasil, (Ubu, 2024), sobre moda, música e comportamento entre 1989 e 2024.