Exposições

Entre a fotografia e o cinema: David Claerbout e as imagens do imaginário

Patrícia Mourão & David Claerbout

A pura necessidade, de David Claerbout, 2016. Projeção em canal único, animação em 2D, som estéreo, 50 min. Cortesia do artista e das galerias Sean Kelly, Nova York, e Esther Schipper, Berlim.

O retrato de um jovem Giotto a desenhar uma ovelha no instante que antecede sua descoberta por Cimabue. Um menino de perfil, barriga ligeiramente pronunciada, esboçado com uma fragilidade que parece mimetizar a de seu corpo ainda em formação. Paisagens compostas por córregos e cachoeiras margeadas por matas fechadas e tropicais. Estamos na Pinacoteca do Estado de São Paulo, nas salas dedicadas à pintura de gênero da academia brasileira. É preciso passar por elas para chegar às duas instalações do artista belga David Claerbout (1969): REI (a partir da fotografia ‘Um jovem chamado Elvis Presley’, de Alfred Wertheimer,1956) e A Pura necessidade.

Não é a primeira vez que Claerbout expõe no Brasil. Em 2010, ele apresentou dois trabalhos na 29º Bienal de São Paulo, uma edição que trouxe ao país um número significativo de grandes nomes da arte contemporânea explorando as possibilidades da imagem em movimento no campo da arte. Se naquele momento o panorama representativo da produção em vídeo convidava então a uma leitura dos trabalhos a partir de questões ligadas aos usos e possibilidades das mídias, agora, a vizinhança com a pintura abre-nos uma outra porta de entrada para o trabalho do artista belga.

Em suas instalações, Claerbout transita entre a fotografia e o cinema, tecnologias analógicas de reprodução e formas digitais de manipulação de imagem, de forma a explorar e tensionar a nossa percepção desses meios. Mas, ainda que sua prática esteja fundada em uma combinação radical de técnicas, suas preocupações parecem muito mais próximas às das tradições pictóricas, em especial do neoclassicismo, do que às de outros artistas trabalhando na fronteira entre arte, cinema e fotografia. Assim como as academias de pintura, Claerbout entende que a imagem não é nem reprodução invisível e transparente do mundo – uma janela para o real – nem uma fabulação pessoal descolada de qualquer modelo, mas sim uma construção que deve ser julgada e contemplada enquanto tal. E quanto mais ela agenciar um repertório comum de citações e modelos, mais fácil é esse julgamento.

A imitação e citação de obras do passado, bem como a repetição de temas, são procedimentos centrais no ensino das academias. Assim como os pintores acadêmicos, Claerbout também baseia sua prática na cópia, citação e, principalmente, na reconstrução de um repertório visual comum que demanda, tal como na pintura, o mesmo labor e a mesma artesania.

De alguma maneira, é como se, apesar e talvez por causa de seu uso das formas de reprodução fotográfica e direta do mundo, Claerbout insistisse na imagem como ícone mais do que como índice. Ou seja, como uma realidade própria e construída (ainda que semelhante ao mundo real), mais do que como um vestígio e prova desse real. Pode-se dizer que há um investimento na ilusão com um aceno para a construção.

A Pura necessidade reconstitui a clássica animação da Disney, Mogli, o menino lobo. Para essa empreitada, Claerbout montou o seu próprio estúdio de animação, no qual dezenas de animadores redesenharam, quadro a quadro, todas as cenas do filme, à exceção daquilo que era central à sua narrativa: Mogli e todos os gestos dos animais que fizessem com que eles se parecessem com seres humanos. O resultado é um filme com cerca de vinte minutos a menos que o original, em tudo parecido e em tudo diferente. Não há uma história. Mas, tirando Mogli, os bichos estão todos lá. Só que agora não são simpáticos nem antipáticos, bons ou maus. São simplesmente bichos, fazendo o que bichos fazem: comem, dormem, bebem água, lambem-se, vagueiam pela selva sem finalidade aparente.

De certo modo, Claerbout devolve os animais selvagens à vida selvagem antes de sua domesticação e humanização pelos animadores da Disney. Mas é claro que nunca estivemos tão distantes de uma selva quanto em uma animação com seus contornos definidos e cores artificiais. Na verdade, esta é a primeira vez que Claerbout não lida com uma reprodução fotográfica do mundo. Mas talvez a escolha pela animação ajude a lançar luz sobre sua obra como um todo.

Para o artista, trata-se de agenciar a nossa memória e os nossos modos de percepção culturalmente e historicamente definidos pelas imagens técnicas. E então promover pequenos estranhamentos e deslocamentos na nossa experiência. Mas para isso é necessário partir do familiar. E se esse contingente familiar vem, muitas vezes, da confiança quase cega que depositamos nas reproduções técnicas do mundo, ele não vem menos do encontro com um imaginário comum, estabelecido, no século 20, por essas mesmas técnicas.

Ao contrário de outros artistas contemporâneos trabalhando na chave da citação ou da apropriação em um exercício hermenêutico, revisionista, crítico ou iconoclasta, Claerbout tem uma relação libidinal com as imagens com que irá trabalhar, como se um movimento amoroso e afetivo o conduzisse até elas. Não que essas imagens tenham um significado pessoal para ele, mas elas precisam invocar algum tipo familiaridade que ele sabe que também poderá ser invocada, pelo trabalho, no espectador: seja uma memória infantil de enamoramento por um urso trapalhão, seja algo ainda mais nebuloso, como uma ideia de felicidade meio genérica e plástica invocada por fotografias de crianças a correr ao redor de uma árvore, a brincar em uma praia ou a soltar balões, como já visto em outros trabalhos do artista.

Ora, ainda que  A pura necessidade não parta de uma imagem do real, Mogli funda a realidade do imaginário da vida selvagem do século 20, assim como fotografias de crianças constituem, ao menos para alguns, um modelo da felicidade. Se a pintura de paisagem foi, em um primeiro momento, central para a imaginação da natureza por uma crescente população urbana, a Disney talvez tenha sido sua herdeira no século passado. Começando com Branca de Neve, passando por Bambi e ao longo dos anos 1940 pela série documental Aventuras da vida real, um número enorme de crianças teve seu primeiro contato com a natureza desconhecida a partir dos filmes da Disney. Nessa lista de filmes, Mogli tem um lugar de destaque como a primeira imersão, em animação, na vida selvagem.

Qual adulto ocidental urbano (e que frequenta museus) não assistiu, na infância, a Mogli? Quem, mesmo não se lembrando bem de sua história, não reconhece, em algum recôndito de sua memória, a trilha sonora ou o urso Balu? É mesmo possível que tenha vindo do filme a primeira imagem que muitos de nós guardamos de um elefante ou uma pantera. E não surpreende que, diante de uma fotografia de animais, sejamos capazes de atribuir a eles as mesmas qualidades dos personagens de Mogli: orangotangos são engraçados; ursos, fofos e amigáveis.

Em A pura necessidade, Claerbout conta com essa lembrança do filme para nos lançar em um jogo com uma imagem da memória que não encontra em nenhuma experiência passada um equivalente exato capaz de autenticá-la: É Mogli, mas Mogli falta; são os bichos, mas não exatamente. Uma vez jogados entre uma memória genérica e familiar e uma imagem específica, mas não pessoal, instaura-se em nós uma tensão entre reconhecer e estranhar, encontrar e perder. Nesse jogo, Claerbout encena a transformação de uma imagem qualquer em uma imagem pregnante, capaz de se projetar sobre a memória e contaminá-la. É como se estivéssemos a experimentar, em ato, a passagem de uma imagem comum a uma imagem do imaginário.

REI (a partir da fotografia ‘Um jovem chamado Elvis Presley’, de Alfred Wertheimer,1956), 2015-2016. Projeção de vídeo em canal único, preto e branco, sem áudio, animação em HD, 10 min. Cortesia do artista e das galerias Sean Kelly, Nova York, e Esther Schipper, Berlim.

REI é sobre a construção de um ícone, uma passagem à imagem na imagem. Claerbout parte de uma fotografia de Elvis Presley anterior ao seu estrelato. Vemos Elvis em trajes de banho, tomando uma Pepsi Cola na sala de estar de uma casa onde ainda estão mais algumas pessoas, talvez de sua família. É uma cena casual, não posada. Uma imagem cuja banalidade em tudo difere daquelas que contribuíram para imortalizar a lenda de Elvis. No lugar do inconfundível quadril requebrado e projetado para frente, apertado em uma calça prenhe de energia viril e sexual, há um corpo relaxado: ombros delgados e inclinados para trás, barriga ligeiramente pronunciada, mão casualmente pousada sobre a barriga.

Na instalação, uma animação, reconstituindo em 3D essa fotografia, permite que penetremos lentamente na imagem. Identificado com uma câmera que em realidade nunca existiu, nosso olhar aproxima-se de Elvis, circunda o seu corpo, começando pelo pé, subindo até a cabeça e então descendo novamente.  Para essa reconstrução de uma cena que não foi filmada, de um corpo cuja totalidade de ângulos não foi registrada e de um espaço que não foi percorrido, Claerbout recorre a centenas de outras fotografias de Elvis das quais retira fragmentos da textura de sua pele para então reaplicá-las em um modelo 3D do corpo do artista, constituído, ele também, a partir do estudo de outras fotografias do cantor.

Essa não é a primeira vez que a imagem de Elvis é manipulada. Alguns devem se lembrar de seu dueto com Celine Dion, que foi ao ar em um programa de televisão americano em 2007. E no Youtube é possível ver inúmeros shows de hologramas do ídolo “que não morreu”. Embora acenando para todas as manipulações às quais a imagem de Elvis foi submetida, REI insere-se em outro registro. Não se trata aqui de refundar a idolatria, tampouco de oferecer o prazer de uma ilusão de proximidade, mas de reconstituir o processo pelo qual um ser é transformado em imagem.

Há uma assombrosa sensação tátil nesse percurso. Nosso olhar parece tocar, beijar a superfície da pele de Elvis. Mas não apenas sua pele, também a aspereza do tapete, a limpidez do vidro da Pepsi; há uma erótica da imagem e da superfície aqui, um desejo que se expande em direção ao inorgânico, como que a nos lembrar que se trata, na pele ou no carpete, de um prazer na imagem, pela imagem. Mas fiquemos em Elvis. O movimento de câmera ao redor de seu corpo e os planos aproximados de algumas partes produzem ainda um outro efeito: o corpo frágil e natural é esculpido em um corpo apolíneo, quase divino, semelhante a uma estátua clássica. Uma passagem pelos ombros ligeiramente inclinados de Elvis nos faz pensar no David de Michelangelo e, de modo mais imediato e metafórico, na Hebe, a deusa da mocidade, escultura de Giulio Starace, exposta junto às pinturas de gênero na Pinacoteca.

Na mitologia, Hebe é a deusa responsável por conceder a força para que os deuses não envelheçam e permaneçam, para sempre, jovens. Na “era da reprodutibilidade técnica”, ela se metamorfoseou em uma tecnologia da reprodução e continua a exercer o seu trabalho transformando humanos em imortais. Se Elvis é um de seus produtos, REI, talvez possa ser visto como um falso documentário imersivo na operação dessa nova Hebe tecnológica. Indo mais longe, não só REI, mas talvez toda a obra de Claerbout seja uma imersão, tão documental quanto construída, nas ações dessa nova Hebe, travestida em tecnologia da imagem, a criar imagens da memória a partir de imagens quaisquer.///

+

A exposição David Claerbout: KING e The pure necessity fica em cartaz na Pinacoteca de SP até 5 de março. Mais informações aqui.

 

David Claerbout (1969) tem exibido seus vídeos, filmes e fotografias em galerias e museus na Europa, EUA e Ásia. No Brasil, apresentou na Bienal de São Paulo de 2010 os trabalhos The Algier’s Sections of a happy moment (2008) e Sunrise (2009).

Patrícia Mourão é doutora em cinema pela Universidade de São Paulo, com bolsa sanduíche na Columbia University. Programou mostras dedicadas ao cinema estrutural e organizou, entre outros, os livros Cinema Estrutural (coorganização de Theo Duarte, Caixa Cultural, 2015); Jonas Mekas (Cinusp, 2013), David Perlov: epifanias do cotidiano (coorganização de Ilana Feldman, CCJ, 2011) e Harun Farocki: por uma politização do olhar (Cinemateca Brasileira, 2010).

 

Exposições

Uma seleção de exposições pelo mundo para quem gosta de fotografia

Veja uma seleção de exposições no mundo (e, aqui, no Brasil) para quem gosta de fotografia:

Walker Evans

A exposição em cartaz no MoMA de São Francisco apresenta a obra do fotógrafo Walker Evans pelo filtro de uma de suas obsessões: a cultura popular norte-americana do século 20 e seus cartões-postais, fotografias vernaculares, cartazes e placas, tudo parte de sua coleção particular. Além destes objetos, a retrospectiva mostra mais de 300 fotografias de Evans, várias delas nunca exibidas anteriormente.

MoMA, São Francisco, até 4 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Histórias instantâneas – As polaróides de Wim Wenders

 

A Photographers’ Gallery expõe mais de 200 fotografias polaróides feitas pelo cineasta alemão Wim Wenders ao longo das décadas de 70 e 80. As imagens vão de retratos de amigos, atores e familiares até paisagens e bastidores das filmagens de alguns de seus filmes, como O amigo americano, Paris, Texas e Alices nas cidades.

Photographers’ Gallery, Londres, até 11 de fevereiro.

Mais informações aqui.

 


Ponto/Contraponto: fotografia contemporânea mexicana

A mostra Ponto/Contraponto: fotografia contemporânea mexicana, apresenta um recorte da produção atual de 19 artistas mexicanos que exploram as visões políticas, sociais e econômicas de um país arraigado em tradições, mas que busca um novo futuro. Destaque para os trabalhos de Iñaki Bonillas, Guillermo Arias [imagem], Patricia Martín, José Luis Cuevas, Maya Goded e Dr. Lakra.

Museu de Artes Fotográficas, San Diego, até 11 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Ai Weiwei – Espelho

A fotografia ocupa uma espaço importante e relevante na obra do artista chinês Ai Weiwei. A exposição em cartaz no museu belga apresenta desde trabalhos bastante politizados dos anos 90, como a série Estudo de perspectiva, até seu feed diário de selfies e fotografias postadas em grande volume em redes sociais como o Instagram e o Twitter.

Museu Fomu de Antuérpia, Bélgica, até 18 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Nino Migliori

 

A Casa Europeia da Fotografia apresenta uma retrospectiva do fotógrafo italiano Nino Migliori (1926), desde os primeiros trabalhos feitos em Bolonha, sua cidade natal, até sua fase mais experimental, com processos inovadores como os “hidrogramas”, inspirados no trabalho do artista Jackson Pollock.

Casa Europeia de Fotografia, Paris, até 25 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Projeto Polaróide

 

Em cartaz no museu Westlicht, em Viena, a exposição Projeto Polaróide apresenta cerca de 200 polaróides de aproximadamente 100 fotógrafos, desde os primórdios da empresa até os dias de hoje. São trabalhos em diferentes formatos (do tamanho clássico até as detalhadas imagens em 50×60 cm) de fotógrafos como Nobuyoshi Araki, Sibylle Bergemann, Anna & Bernhard Blume, Guy Bourdin, Chuck Close, Barbara Crane, Philip-Lorca diCorcia, Joan Fontcuberta, Luigi Ghirri, David Hockney, Robert Mapplethorpe e Robert Rauschenberg, entre outros.

Museu Westlicht, Viena, até 25 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Malick Sidibé – Mali Twist

A fundação francesa apresenta uma abrangente retrospectiva de Malick Sidibé e suas fotografias cheias de vitalidade da juventude de Bamako, capital do Mali, nos anos 60. Apelidado de “o olho de Bamako”, Sidibé é hoje reconhecido e exibido nos principais museus e instituições culturais do mundo.

Fundação Cartier, Paris, até 28 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Los Caprichos –Instagraphy– 2017

 

A Photo Gallery International, de Tóquio, apresenta a mostra Los Caprichos –Instagraphy– 2017, do grande fotógrafo Kikuji Kawada, autor de trabalhos mundialmente reconhecidos, como O Mapa (1965), sobre os rescaldos da Segunda Guerra Mundial no Japão, e Última cosmologia (1996). A exposição Los Caprichos é uma seleção feita pelo artista de diversas fotografias feitas entre os anos de 1960 e 1980 e nunca apresentadas como um projeto específico.

PGI, Tóquio, até 3 de março

Mais informações aqui.

 


Espelhos de prata – Harry Grant Olds e Alfredo Srur

A exposição organizada pela Fototeca Latinoamericana, de Buenos Aires, apresenta a obra do fotógrafo americano Harry Grant Olds, que no último ano do século 19 decide se mudar de sua cidade natal no estado de Ohio para explorar a América do Sul com um câmera 4 x 5. Vivendo em Valparaíso, no Chile, e depois em Buenos Aires, o fotógrafo registrou várias localidades da região durante a primeira metade do século passado. A mostra em cartaz apresenta o trabalho de busca e restauração realizado pelo fotógrafo Alfredo Srur, que recupera as placas originais de Olds e também vai a lugares visitados pelo americano para realizar novas imagens.

FoLa, Buenos Aires, até 4 de março

Mais informações aqui.

 


Joel Meyerowitz.  Por que cor?

Um dos pioneiros no uso da fotografia colorida como forma de expressão de artística, o norte-americano Joel Meyerowitz (1938) tem uma retrospectiva de sua obra na fundação C/O Berlin. Intitulada Joel Meyerowitz.  Por que cor?, a exposição apresenta trabalhos a partir da década de 1960 até os dias atuais. Além das fotografias coloridas, a mostra traz também alguns trabalhos em preto e branco do artista.

C/O Berlin, até 11 de março

Mais informações aqui.

 


Retrospectiva: Sergio Larrain

A exposição Retrospectiva apresenta um panorama da obra do fotógrafo chileno Sergio Larrain. São cerca de 160 imagens de diferentes fases da carreira de Larrain, o primeiro latino-americano e fazer parte da agência Magnum.

Centro Cultural Borges, Buenos Aires

Mais informações aqui.

 


Dedicada às vítimas da repressão política

 

A exposição Dedicada às vítimas da repressão política, em cartaz no Museu de Arte e Multimídia de Moscou reúne um grande conjunto de fotografias, documentos e recortes de jornais que mostram o cotidiano dos presos políticos que viviam nos Gulags, campos de trabalhos forçados, assim como de outros momentos na história soviética.

Museu de Arte e Multimídia de Moscou, até 18 de março

Mais informações aqui.

 


Clube 57: Filme, performance e arte no East Village, 1978–1983

O Clube 57, localizado no East Village, em Nova York, foi um local de intensa produção cultural nas décadas de 1970 e 1980. A exposição do MoMA examina a cena local e mostra filmes, fotografias e registros de performances que aconteceram no local, que teve como curadores nomes como  Keith Haring, Susan Hannaford e Tom Scully, entre outros.

MoMA, Nova York, até 1 de abril

Mais informações aqui.

 


O eu experimental: A fotografia de Edvard Munch

A Casa da Escandinávia, em Nova York, apresenta a exposição O eu experimental: A fotografia de Edvard Munch. Celebrado mundialmente por suas pinturas, esta mostra apresenta uma faceta pouco conhecida do artista norueguês: suas fotografias. Munch explorou ao máximo os limites técnicos das câmeras e materiais disponíveis na época, trabalhando com vários “erros”, como fotos fora de foco, tremidas ou distorcidas.

Casa da Escandinávia, Nova York, até 4 de abril

Mais informações aqui.

 


Nos seus sonhos

 

O Centro Australiano de Fotografia, em Sidney, apresenta a mostra coletiva Nos seus sonhos, sobre a crescente divisão entre povos ricos e pobres e a imigração forçada de pessoas por conta das mudanças climáticas e conflitos armados. A exposição conta com fotógrafos de 14 países, com nomes como Alejandro Cartagena, Tanya Habjouqa, Taloi Havini, Maria Kourkouta, Johnny Miller, Raphaella Rosella, Andres Serrano, Sim Chi Yin, Zhao Liang e Mary Zournazi, entre outros.

Centro Australiano de Fotografia, Sidney, até 7 de abril

Mais informações aqui.

 


Andreas Gursky

A Galeria Hayward reabre com a exposição Andreas Gursky, dedicada ao trabalho do fotógrafo alemão, com trabalhos dos anos 1980 até alguns mais recentes, incluindo obras famosas como Paris, Montparnasse (1993) e Rhine II (1999, remastered 2015).

Galeria Hayward, Londres, até 22 de abril

Mais informações aqui.

 


Zbigniew Dłubak – Herdeiro das vanguardas

 

A exposição Zbigniew Dłubak – Herdeiro das vanguardas, na Fundação Henri Cartier-Bresson apresenta os experimentos fotográficos do artistas polonês Zbigniew Dłubak (1921-2005), um dos principais nomes da cena artística polonesa na segunda metade do século 20.

Fundação Henri-Cartier Bresson, Paris, até 29 de abril

Mais informações aqui.

 


Música dos balcões: Ed Ruscha

Esta exposição mostra de maneira abrangente o trabalho do artista norte-americano Ed Ruscha (1937), incluindo séries fotográficas, pinturas e desenhos dos anos 60 até os 2000. Ruscha desenvolveu sua obra tendo como referência as paisagens urbanas do oeste americano, principalmente em torno do imaginário ligado a Los Angeles e Hollywood.

Galeria Nacional da Escócia, Edimburgo, até 29 de abril

Mais informações aqui.

 


Ed van der Elsken

O fotógrafo holandês Ed van der Elsken percorreu as ruas das grandes cidades do mundo: Paris, Amsterdã, Tóquio, Hong Kong e tantas outras. Em busca de personagens característicos, principalmente jovens marginalizados, o fotógrafo desenvolveu um estilo de próprio de ver as cidades e suas mudanças no pós-guerra.

Fundação Mapfre, Madri, até 20 de maio

Mais informações aqui.

 


Stephen Shore

A retrospectiva Stephen Shore engloba os últimos 50 anos de carreira do fotógrafo norte-americano. Conhecido por capturar com maestria os aspectos mais mundanos da cultura americana, esta exposição em cartaz no MoMA traz também diferentes formatos explorados por Shore, como câmeras descartáveis, de grande formato, digitais e até mesmo mídias sociais.

MoMA, Nova York, até 28 de maio

Mais informações aqui.

 


No começo: As fotografias de Minor White no Oregon

Dividida em duas fases, a exposição No começo: As fotografias de Minor White no Oregon, em cartaz no Museu de Arte de Portland, apresenta trabalhos importantes do fotógrafo. A primeira fase, que vai até o dia 6 de maio, apresenta cerca de 60 fotografias de paisagens industriais, cenas noturnas e imagens de Minor White conduzindo workshops no Oregon no final dos anos 1950. A segunda fase, entre 12 de maio e 21 de outubro, mostrará cenas de rua em Portland, imagens do interior do Oregon e fotografias de duas casas históricas fotografadas por White para o museu de Portland em 1942.

Museu de Arte de Portland, Oregon, até 21 de outubro

Mais informações aqui.

 

 

Exposições

A política das imagens na exposição Levantes

Márcio Seligmann-Silva

Foto de Ken Hamblin, Rua Beaubien, 1971, Coleção Joseph A. Labadie, Coleções especiais da Universidade de Michigan. ©Ken Hamblin

A exposição Levantes, com curadoria de Georges Didi-Huberman e em cartaz no Sesc Pinheiros (SP), parte de uma série de pressupostos teóricos que podemos encontrar na vasta obra desse historiador e teórico da arte francês. Um deles tem um forte teor psicanalítico: as configurações artísticas devem ser consideradas em grande parte enquanto elaborações de um passado traumático. A arte seria uma inscrição mnemônica, que ao transpor o vivido para o âmbito do jogo de apresentação, tenta dominar o passado. Dessa forma as obras de arte se transformam também em arcas, em receptáculos que transportam diferentes momentos que aportam e penetram em outros presentes e que, por sua vez, os ressignificam. Sendo assim, toda arte é arte da memória e da recordação.

Freud, em seu ensaio “O Homem Moisés e a Religião Monoteísta” (1939), formulou que toda a riqueza das epopeias homéricas e das tragédias áticas só pode ser compreendida se tivermos em mente que os núcleos dessas obras foram alimentados e energizados por terríveis catástrofes históricas que se cristalizaram sob a forma de mitos. Creio que essa concepção permite entender que Levantes faz uma arqueologia dos nossos mitos, traça um corte transversal na nossa memória cultural, visando despertar no nosso presente as centelhas de sonhos massacrados pela máquina mortífera da modernidade – ou do capitalismo, para irmos direto ao ponto.

No belo ensaio da historiadora e teórica do cinema Nicole Brenez que consta do livro-catálogo da exposição, a autora cita a frase chave do cineasta norte-americano John Gianvito: “Falar de política, para mim, pressupõe falar de política das imagens.” Trata-se então, nessa exposição, de pensar tanto o tema da representação (política e artística) como estando no âmago das artes, como também se voltar, dentro de um programa político, para a construção de uma contemplação produtiva, fazer das obras de arte uma máquina de guerra da memória que se alimenta com essas imagens, que portam em si as energias revolucionárias do passado, as lutas do presente.

Tanto as artes não são inofensivas e seus objetos não geram um “prazer sem interesse”, como queria o filósofo Immanuel Kant no final do século 18, que a história das artes, sobretudo desde a Revolução Francesa, é uma história da censura e da luta entre os artistas e os representantes do poder. E o fato de existirem artistas que serviram ao poder, como Leni Riefenstahl, Albert Speer e Josef Thorak, apenas comprova a potência política das artes. Não podemos esquecer que a exposição nazista Arte degenerada deve ser compreendida com o seu contrapeso, a exposição A grande exposição de arte alemã (1937-1944), aberta um dia antes daquela. Os fascismos foram um triunfo da estetização da política. Didi-Huberman, inspirado em Walter Benjamin, volta-se para a resposta a esse movimento: a politização crítica e emancipadora das artes. Ele mostra essa verdadeira guerra (ou luta) de classes através das obras de arte de modo preciso, por exemplo, ao incluir em sua curadoria a fotografia Budapeste (1956), de Arpad Hazafi, que mostra a derrubada de uma gigantesca estátua de Stalin. Na exposição Levantes, realizada em Paris no museu Jeu de Paume, também podia-se ver a pintura de Jules Girardet A coluna Vendôme após a sua queda, que retrata a derrubada da coluna (que tinha em seu cume uma estátua de Napoleão), durante a Comuna de 1871, talvez o maior levante do século 19.

E o que vemos em Levantes? Mais do que uma curadoria, temos aqui um verdadeiro programa estético-político traduzido em termos da escolha e da cuidadosa ordenação das obras no espaço de exposição. Como lemos no ensaio de Didi-Huberman sobre os diários de guerra de Bertolt Brecht (Quando as imagens tomam posição – O olho da história, I), partindo de Walter Benjamin o autor nota que o teatro épico brechtiano visava a uma tomada de posição. Seu princípio da interrupção, da quebra na continuidade, cria situações nas quais o espectador deve se posicionar. Nele ocorre uma paralisação da ação que produz um olhar crítico, rompe a cadeia da narrativa para gerar (auto)consciência. O teatro brechtiano é calcado no choque, explica Benjamin. O intervalo produz a tomada de posição e esta permite conhecer. A arte torna-se, assim, agente do pensamento crítico. O efeito de estranhamento ou de distanciamento permite o acesso à alteridade, ao jogo das diferenças. À ruptura do jogo clássico da ilusão produzida pelo distanciamento corresponde uma crise da representação: ela permite a tomada crítica de posição. Ou seja: o abalo da representação estética se desdobra em um abalo da representação política. Estamos também diante do procedimento nietzschiano da transformação e reversão crítica dos valores, ou da máxima romântica de Novalis: “Na medida em que eu atribuo ao comum um sentido mais elevado, ao usual uma aparência misteriosa, ao conhecido a dignidade do desconhecido, ao finito uma aparência de infinito eu o romantizo. Para o mais elevado, desconhecido, místico, infinito a operação é o contrário. Eles são logaritmizados via conexão, recebem uma expressão corriqueira.”

Chieh-Jen Chen, A estrada, 2006, filme 35 mm film transferido para DVD: colorido e preto e branco, mudo, 16:45 min. © Chieh-Jen Chen, cortesia da Galeria Lily Robert.© Chieh-Jen Chen, cortesia da galeria Lily Robert.

Trabalho dialético da imagem

Nessa operação brechtiana de produzir posicionamento é fundamental para Didi-Huberman o recurso à montagem, tema central para os cineastas  Sergei Eisenstein e Jean-Luc Godard e também para Walter Benjamin e Bertold Brecht, sem esquecer da obra Atlas Mnemosine, de Aby Warburg, toda calcada no princípio da montagem e que se tornou um farol para o pensamento de Didi-Huberman. Como ele escreveu sobre  montagem em Brecht, ela permite o reenquadramento, a interrupção, a decalagem, o retardamento que produzem o que ele denomina (com Benjamin) de um “trabalho dialético da imagem”. E Benjamin justamente descreve o teatro de seu amigo Brecht como aquele que produz uma “dialética paralisada”. Esse conceito é fundamental para a sua filosofia da história que, como vemos na conhecida tese de número nove de seu texto “Sobre o conceito da história”, descreve a história da humanidade a partir da figura do Angelus Novus. Este anjo da história seria arrastado violentamente de costas pela tempestade do progresso e contemplaria uma montanha de escombros, as ruínas do processo histórico, acumularem-se incessantemente diante de seus olhos. A interrupção, o momento da dialética paralisada, seria justamente para Benjamin o momento em que essa tempestade pararia e o sol da liberdade surgiria no céu. Nesse momento também a humanidade teria um acesso integral a sua história.

Para Benjamin, Didi-Huberman, Ernst Bloch, Brecht, Godard e toda uma linhagem que pode ser facilmente identificada em Levantes, gerar essa ruptura histórica depende em grande parte de nossa capacidade de fazer justamente uma curadoria correta das imagens, dos mitos (nos termos de Freud), construindo uma história que alimente nossos ímpetos para o levante. Na tese de número doze sobre a história, Benjamin esclarece não só que “o sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida” mas também que na apresentação da história é fundamental que essa classe apareça “como a última classe escravizada, como a classe vingadora que consuma a tarefa de libertação em nome das gerações de derrotados.” Na tradição social-democrata e populista apresenta-se o futuro redimido como compensação às carências presentes, mas Benjamin arremata: “A classe operária desaprendeu nessa escola tanto o ódio como o espírito de sacrifício. Porque ambos se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, e não do ideal dos descendentes liberados.”

São essas imagens “dos antepassados escravizados” que Didi-Huberman nos apresenta seguindo a seguinte ordem na exposição: 1) imagens de ruptura, de revolta; 2) os gestos do levante; 3) as palavras rebeldes exclamadas e inscritas em muros e livros; 4) imagens das lutas e conflitos; 5) imagens de lutas pela justiça, memória e verdade.

Eduardo Gil, Crianças desaparecidas. Segunda Marcha da Resistência, dezembro de 1982. Coleção Eduardo Gil © Eduardo Gil

O levante emancipador das massas

O parti pris evidente da exposição, assim como dos ensaios que estão no livro-catálogo (que, diga-se de passagem, com raras exceções, não fazem menção às obras da exposição) é pelo levante emancipador. Essa exposição recebeu críticas que me parecem superficiais e pouco fundadas, como a da estetização da dor e apouca representatividade de artistas mulheres. Toda arte, sobretudo desde o romantismo e de Goya, deve enfrentar esse dilema da inscrição da dor e já estamos cansados de saber que arte e prazer não são a mesma coisa. A arte tem tanto o papel de luto quanto o de memória do mal, como vimos com Freud. Mas um tema escapou à crítica: o estatuto das massas nessas imagens e nos textos do livro-catálogo. E é essa questão que me parece a mais delicada.

Marta Gili, curadora do Jeu de Paume, defende de modo impecável na abertura do catálogo a linha da instituição a favor de obras e exposições  que atuem no sentido de “explorar de maneira crítica os modelos de governança e as práticas de poder que condicionam grande parte da nossa experiência perceptiva e afetiva”. Já Didi-Huberman escreve de modo momentoso: “Tempos sombrios: o que fazer quando reina a obscuridade? Pode-se simplesmente esperar, dobrar-se, aceitar.” Isso significa sucumbir à pulsão de morte. Mas podemos também resistir, levantar os fardos, gritar basta, colecionar modelos críticos, “imagens-desejo” (Ernst Bloch) para atravessar fronteiras. Romper os grilhões, como Prometeu rompendo suas correntes, ou o deus Atlas se revoltando contra o castigo olímpico que o condenou a carregar a abóbada celeste sobre nossas cabeças. A imaginação nos guia nesse levante, com o lema dadaísta “Dadá levanta tudo” ou com o slogan de 1968 “A imaginação no poder”.

Não é uma coincidência essa exposição ter sido inaugurada na véspera do cinquentenário das revoltas de 1968 e ter na capa de seu catálogo uma foto icônica de Gilles Caron, fotógrafo por antonomásia daquela revolta. Mas, justamente: o que foi 1968? Os levantes são sempre emancipatórios? O recente filme de João Moreira Salles, No intenso agora, mostra justamente o movimento de 1968 como eivado de ambiguidades.

A filósofa Judith Butler em seu ensaio presente no catálogo com razão recorda que também “há levantes contra regimes democráticos”, mas logo acrescenta que “aqui nos interessaremos principalmente por levantes de cunho democrático”. Pergunto-me se esse tipo de isolamento artificial não prejudica a teoria e a representação dos levantes. Ela lembra também que o levante em seu confronto com as forças do poder pode escalar em uma revolução. Fora isso, todo levante é marcado pelo fracasso e o dia seguinte do fracasso é o início das narrativas sobre o levante. Essas narrativas, como vimos com Benjamin, são os alicerces dos futuros levantes. Mas Butler retorna em seu texto ao tema do levante antidemocrático de um modo que, evidentemente, ela não poderia imaginar quando escreveu esse texto, que praticamente descreve o contexto que ela mesma viria a viver ao fazer sua fala no Sesc Pompeia em São Paulo em novembro de 2017, quando sofreu o ataque de grupos neofascistas. Ela escreve: “Se um grupo de pessoas se sente assujeitada pela democracia,  igualdade,  direitos das mulheres, casamento homossexual ou pelo conceito de ‘gênero’, o que pensar do levante desse grupo? Eles são ‘o povo’?” Mas em seguida ela se limita a dizer que levantes não representam “o povo inteiro, a essência do povo”, noção para lá de complicada. Mas esses levantes conservadores estão agora por toda parte e Levantes deve ser entendido nesse contexto de confrontos e resistências. Daí ser lamentável que os textos do catálogo ou a exposição não reflitam mais sobre esse fato. Tanto a revolução como esses levantes antidemocráticos ficam de fora.

O “povo”, ou a “massa”, como diriam Freud e Benjamin, não são contemplados com uma reflexão mais dialética. Ou quando Didi-Huberman o faz, no seu longo ensaio no final do catálogo, é para descartar as teorias da massa de dois de seus maiores pensadores: Elias Canetti e Freud. Ora, a passagem de Freud que ele cita para descartar deve ser, antes, vista como uma descrição precisa da massa que atacou Butler e que pulula nas redes sociais e nas nossas ruas: “Nada nela [na massa] é premeditado. Mesmo que ela deseje as coisas apaixonadamente, embora jamais por muito tempo, ela é incapaz de uma vontade durável. Ela não suporta nenhum adiamento entre seu desejo e a realização efetiva do desejado. Ela tem o sentimento da onipotência total: para o indivíduo na massa, toda a noção do impossível desaparece” (Freud, em Psicologia das massas e análise do eu). Nessa frase final de Freud deve-se ver justamente uma possibilidade de dialetização do conceito de massa.

Esse tipo de ideia também foi desenvolvida em Benjamin, que considerou essencial se voltar para uma teoria das massas e mesmo para o conservador Gustave Le Bon para entender a gênese da consciência de classes. Em um fragmento com variantes de seu ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica ele afirma que “o pensamento dialético não pode […] de modo algum se abster do conceito de massa, deixando-o ser substituído por aquele de classe. Furtar-se-ia com isso a um dos instrumentos para a apresentação do vir a ser das classes e dos acontecimentos nestas. […] a formação de classes no seio de uma massa é um evento concreto e importantíssimo quanto ao conteúdo.” E mais, Benjamin vai nesse fragmento justamente pensar essa passagem da massa para a classe a partir da frequentação do cinema. No cinema encontramos a massa, “isso, porém, não exclui a possibilidade de uma certa prontidão à mobilização política ser elevada ou reduzida nela por meio de filmes determinados.” Aqui encontramos toda uma base para a exposição Levantes, o que não justifica, portanto, não levar em conta a noção de “massa” na sua construção e na sua leitura proposta por seu curador.

Foto de Agustí Centelles, Crianças brincando, Montjuic, Barcelona, 1936.
© Ministério da Educação, Cultura e Deportos, Espanha. Centro Documental da Memória Histórica, Salamanca, Espanha.

O jogo e as imagens políticas

E as imagens? As imagens e sua montagem respondem a essa constelação teórica acima exposta. Vemos um conjunto impressionante e extremamente forte de obras que visam, nessa curadoria, nossa mobilização política. Didi-Huberman está consciente dos limites do cubo branco e do sistema da arte no qual essa exposição se insere. Mas aposta, com razão, em uma curadoria voltada para despertar nas obras seu momento político, que é detonado pela montagem, pelo jogo das diferenças. Nesse sentido pode-se dizer que nada é mais bem-vindo do que uma exposição como essa em nossos tempos sombrios. A exposição é também uma homenagem à agência Magnum, com a presença de fotos históricas como de Henri Cartier-Bresson, Hiroji Kubota, Leonard Freed, David Seymour (o Chim), mas também com a ausência de seu fundador Robert Capa, autor da talvez mais icônica (e polêmica) fotografia de guerra do século 20: O soldado caído, de 1936. Essa ausência talvez possa ser explicada justamente pelo renome dessa fotografia: Didi-Huberman aparentemente quis evitar fazer uma mostra do tipo “as imagens mais influentes de todos os tempos”.

Aliás, uma das fotos de Cartier-Bresson, Escola de Belas-artes, Paris, França, ironicamente foi posta pelo curador no item da exposição “Fazer greve não é não fazer nada”. Nela vemos uma sala da Escola de Belas Artes de Paris com cartazes sobre a greve dos operários que acompanhou os movimentos estudantis de 1968. Mas uma mulher, provavelmente uma estudante, dorme profundamente em uma poltrona sob os cartazes. É quase uma reversão da famosa gravura de Goya de seus Caprichos, autor central na tradição da inscrição da violência que essa exposição quer enfatizar, intitulada O sonho da razão produz monstros.

Também as escolas latino-americanas de fotografia estão bem representadas, afinal as resistências às ditaduras neste continente foram um grande reduto do pensamento de esquerda do século 20, onde se desenvolveu também todo um pensamento e uma prática em torno da resistência. Depois da memorialização da Shoah (representada na exposição por uma única sequência de fotos, as quatro imagens anônimas captadas em Auschwitz-Birkenau pela resistência polonesa em 1944), foi a memorialização das ditaduras da América Latina um dos mais importantes momentos na construção dessa ética e estética da memória do mal à qual essa exposição também se volta. Assim temos fotógrafos chilenos (Álvaro Sarmiento, Héctor López), várias fotos do argentino Eduardo Gil, mas também mexicanos (Tina Modotti, Casasola, Manuel Álvarez Bravo, Ernesto Molina) e um cubano (Alberto Korda). Também temos artistas que focam na memória/esquecimento, como o argentino Hugo Aveta (Ritmos primários, a subversão da alma) e a equatoriana Estefania Peñafiel Loaliza (E eles vão no espaço que abraça teu olhar). Rosangela Rennó faltou neste contexto, mas o argentino Marcelo Brodsky, outro importante artista latino-americano da memória/esquecimento, esteve na versão portenha dessa exposição.

Georges Didi-Huberman dedicou o livro Imagens apesar de tudo às únicas quatro fotografias que documentam o processo de extermínio em massa conduzido nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas. As fotos mostram a queima de corpos e a entrada de mulheres na câmara do crematório 5 de Auschwitz. Tiradas às escondidas por um prisioneiro judeu forçado a participar das atrocidades, estas imagens são um ato de resistência, argumenta Didi-Huberman. Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau, Polônia, 1944.

Georges Didi-Huberman dedicou o livro Imagens apesar de tudo às únicas quatro fotografias que documentam o processo de extermínio em massa conduzido nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas. As fotos mostram a queima de corpos e a entrada de mulheres na câmara do crematório 5 de Auschwitz. Tiradas às escondidas por um prisioneiro judeu forçado a participar das atrocidades, estas imagens são um ato de resistência, argumenta Didi-Huberman. Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau, Polônia, 1944.

É interessante observar na exposição a convivência entre fotografias de certo modo documentais e jornalísticas, outras de cunho programaticamente artístico, panfletos (tracts), livros, artigos de jornal e obras de arte não fotográficas. Essa convivência é essencial para gerar uma espécie de hieróglifo mnemônico a que Levantes se propõe. Com isso se rompe também com a falsa barreira entre fotojornalismo e arte. A fotografia tem um lugar essencial em Levantes, de seus pioneiros do século 19, passando por vanguardistas como Man Ray, até jovens artistas que também usam a fotografia, como a chilena Francisca Benitez. Isso se dá também graças ao caráter de índice, de ruína, de destroço das catástrofes que as fotografias assumiram. Se a fotografia das barricadas do século 19 em Paris, ou as fortíssimas fotos dos latino-americanos possuem esse aspecto, isso também se dá nas inesquecíveis imagens de Augustí Centelles da guerra civil espanhola. Mas dele é também uma fotografia que me parece chave na exposição: Brincadeira de crianças em Montjuïc, Barcelona, 1936. Um grupo de crianças encena um fuzilamento. Goya, que esteva representado na exposição original em Paris, tem suas representações icônicas dos fuzilamentos de 3 de maio de 1808 tanto em seu famoso quadro como em gravuras. O que se passa em Goya e nessa brincadeira dessas crianças em 1936, assim como na própria fotografia de Centelles, é o que podemos chamar de momento de distanciamento que a obra de arte e a brincadeira permitem. Trata-se do elemento do jogo: uma modalidade sui generis de lidar com o real na qual ao mesmo tempo nos distanciamos e nos aproximamos dele. Dar forma ao real exige esse desvio: as crianças nos ensinam isso (e Freud o descreveu a partir do famoso jogo de seu neto de jogar e puxar um carretel: “fort – da” desaparecer e aparecer).

O jogo nos mostra como (con)viver com a dor e a nos apoderarmos dela, dar uma forma à violência, ao indizível, que é também o “in-visível”, o “não-vivível” como o apresenta muito bem Ismaïl Bahri em seu trabalho Filme em branco, na mostra. Essa obra tem todos os frames do filme, que apresenta o cortejo fúnebre de um opositor em Túnis, praticamente cobertos pelo retângulo branco de uma folha de papel. Estamos aqui em plena estética do sublime, termo da teoria estética que em alemão se diz “das Erhabene”: o que (nos) eleva. Se Siegfried Kracauer descreveu nos anos 1920 a fotografia como um invólucro que nos protege da realidade, é verdade também que ela, assim com as artes de um modo geral, permitem refletir sobre o real, como no escudo de Perseu: no qual a Medusa do real é refletida e pode ser mirada sem nos cegar/matar. É justamente o olhar gorgóneo da fotografia que permite esse surpreender do real.

O jogo aparece, de resto, nessa exposição em muitos momentos, sobretudo na figura da ironia. São impressionantes, por exemplo, os cartuns do francês Jean Veber que retratam os campos de concentração que os britânicos fizeram durante a segunda guerra dos Bôeres (1899-1902), na África do Sul. Ele fez imagens extremamente fortes da violência (como em Os campos de reconcentração de Transvaal n. 19) a que esses prisioneiros eram submetidos e, como Goya em seus Desastres da Guerra com suas legendas irônicas, acrescentou a essas imagens legendas que descrevem esses campos como locais quase idílicos. Detalhe: esses textos são extraídos de relatórios britânicos oficiais. Aqui a ironia permite uma inscrição crítica de um dispositivo biopolítico que infelizmente se tornaria cada vez mais comum no século20. Também a obra de Robert Filliou Optimistic Box n. 1, de 1968 (presente na versão de Paris da mostra), que consiste em uma caixa com uma típica pedra das utilizadas pelos rebeldes de 1968, tem um caráter marcadamente irônico radicalizado pela etiqueta na caixa: “we don’t throw stones at each other any more” [nós não jogamos mais pedras uns nos outros].

Também a fotografia de Dennis Adams de um saco vermelho voando sob um céu azul (Patriota) representa uma aproximação em forma de jogo, lúdica, com um real catastrófico. Nesse caso, trata-se da apresentação do ataque às torres gêmeas em Nova York em 2001. O estúdio de Adams fica a poucas quadras daqueles prédios atacados. Sua proposta de aproximação desse evento foi a de fotografar, ao longo de três meses após o ataque, aquilo que ficou flutuando no ar. Ou seja, o levante é também um levante de fragmentos da catástrofe e não apenas um levante do “povo” revoltado. Nessa linha, na série de fotos de Agnès Geoffray reencontramos em suspensão Laura Nelson, a vítima de um linchamento em 25/10/1911 em Oklahoma, EUA. Geoffray recicla essa imagem icônica da violência racial para reinscrever hoje essa história que não se encerrou, como a violência policial contra negros o mostra hoje nos Estados Unidos e em tantos outros países. Na mostra, as obras de Jaime Lauriano, como Vocês nunca terão direitos sobre seus corpos, tratam de modo original o tema do genocídio de afrodescendentes no Brasil a partir de entalhes em madeira de passagens de boletins de ocorrência. Essa obra tem imagens apenas escritas, como se as imagens visuais fossem recalcadas em nossa cultura da violência, cegadas.

A violência é um tema que também atravessa o livro-catálogo, sendo defendida mais do que criticada enquanto violência revolucionária. Mas é digno de nota que o curador fez questão de destacar o descontrole dessa violência, que muitas vezes se volta contra os próprios insurgentes. Esse é o caso da cena fotografada por Casasola em Fusilados por tropas zapatistas em Ayotzingo-1913-1917.

Estefanía Peñafiel Loaiza, E eles vão no espaço que abraça teu olhar, 2016. 2 HD vídeo © Estefania Peñafiel. Producão: Jeu de Paume, Paris

No levante, também palavras estão no ar: gritos, como vemos na obra do coletivo Art & Language, nos murmúrios do vídeo de Lorna Simpson, na fotografia do grande artista da memória da Shoah Jochen Gerz, Gritar até a exaustão, e nas bocas abertas dos cartazes de Graciella Sacco. Aliás, essa artista argentina se notabilizou por suas ações artísticas em espaço público: o dilema dessa exposição (assumido como tal, de resto) é revelado por trazê-la de volta ao cubo branco.

Mas o vermelho do saco plástico da foto de Adams como que se espalha por toda a exposição: como no filme-arquivo de Chris Marker de 1977 (outra importante inspiração para o curador): O fundo do ar é vermelho. Os levantes são vermelhos, pois são guiados, como dizia Benjamin, pelo espírito de vingança, como libertação da escravidão, como embate contra as forças do poder: o sangue corre nas veias e no chão, tinge as bandeiras, como nos parangolés de Oiticica representados na exposição, na obra de Roman Signer Red Tape, no encarnado do Livro de Carne de Artur Barrio, nas letras da obra de Sigmar Polke Contra as duas superpotências. Por uma Suíça vermelha (presente na exposição em Paris apenas), no maço de cigarro vermelho Gauloises (da série 39 objetos de greve de Jean-Luc Moulène), mas também no sangue em preto e branco da fotografia de Manuel Álvarez Bravo Trabalhador em greve, assassinado, de 1934. Ver essa foto nos revolta e sem dúvida ativa o sangue em nossas veias nos enchendo de ímpeto. Se no Brasil estamos sob a ameaça de ter nossa política dominada pelo verdeamarelismo, Levantes resiste com a força do vermelho que se espalha e tinge nossas almas.

Das obras que foram selecionadas especificamente para a exposição no Brasil, vale destacar os artistas da mais jovem geração, como Jaime Lauriano, Clara Ianni e Rafael RG, grandes artistas da resistência armada local. Sebastião Salgado, aliás, outro fotógrafo Magnum (assim como Miguel Rio Branco, que poderia estar muito bem nesse contexto), é representado por uma fotografia do MST, um movimento que é talvez o maior levante que existe hoje no mundo.

John Heartfield, o fotógrafo dadá que esteve presente na versão parisiense dessa exposição com seu Use a obra como arma, traduz essa mencionada cultura encarnada em um jogo artístico em suas fotomontagens. E foi nesse jogo que Benjamin apostou ao escrever em seu mencionado ensaio sobre a obra de arte: “as manifestações dadaístas garantiam uma distração veemente, na medida em que tornavam a obra de arte o centro de um escândalo. Era preciso satisfazer, acima de tudo, uma reivindicação: incitar a irritação pública. Com os dadaístas, em vez de uma aparência atraente ou de uma construção tonal convincente, a obra de arte tornou-se um projétil. Ela golpeia o observador.” Portanto, se hoje exposições e obras de arte provocam essa irritação, é porque o campo artístico vai de encontro e resiste ao establishment. Pese as restrições que fiz acima a partir do tratamento que me parece pouco aprofundado do tema da massa como fenômeno estético-político, a exposição Levantes responde a essa exigência de resistência. Afinal, as obras devem sim se manter no âmbito do escândalo, contra o que queria Kant. Sem ele, elas se tornam “um prazer sem interesse”.///

 

Márcio Seligmann-Silva é doutor pela Universidade Livre de Berlim, pós-doutor por Yale e professor titular de Teoria Literária na Unicamp. É autor de Ler o Livro do Mundo (1999), O Local da Diferença (2005)  e A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno (2009); organizou o volume História, Memória, Literatura: o Testemunho na Era das Catástrofes (2003) e Palavra e Imagem, Memória e Escritura (2006). Foi professor visitante em Universidades no Brasil, Argentina, Alemanha e México.

 

Exposições

Gestos e rostos no Congresso Nacional em obra da artista Sofia Borges

Jacques Leenhardt & Sofia Borges

Fotografia da série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista.

A máscara, o gesto, o papel, da artista Sofia Borges, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo em cartaz no IMS Paulista, constitui-se de duas séries de imagens feitas no Congresso Nacional, em Brasília. Realizada em fevereiro de 2017, a obra surge em um Brasil agitado pelas tensões políticas que o atravessam desde a destituição da Presidenta Dilma Roussef. O clima deletério é apenas um dos aspectos da crise institucional extremamente profunda, da qual as investigações e delações da Operação Lava Jato oferecem um testemunho infinitamente repetido. No turbilhão desses dois dramas da vida democrática brasileira, o Congresso tornou-se foco de uma atenção inquieta. É sob esse clima de suspeita generalizada que Sofia Borges realiza seu trabalho na capital federal, no momento preciso em que o Senado escolhia um novo presidente.

A artista se posicionou no alto, longe da cena, nas tribunas reservadas aos jornalistas, cujo dispositivo arquitetônico do edifício os mantém distante do lugar dos debates. A presença desses representantes do público na sede do parlamento é, em qualquer lugar, um dos símbolos da ordem democrática. No entanto, a barreira arquitetônica faz com que o olho vigilante do povo se encontre a uma distância de onde só se pode ter uma visão global do que se trama nesse lugar emblemático do poder. A percepção que o espectador tem do jogo político revela-se, portanto, incompleta, quase abstrata.

É a partir dessa realidade que Sofia Borges constrói sua instalação, em que os atos da decisão política se encontram reduzidos a uma série de imagens fragmentadas, arrancadas da cenografia parlamentar pela teleobjetiva. A solenidade da ação política fica assim diluída em uma multiplicidade de gestos que representam somente o que há de mais banal no cotidiano dos profissionais da coisa política. A potência da dramaturgia democrática se perde.

A dupla escolha feita por Sofia Borges, de se posicionar a uma grande distância do evento e de dele se aproximar por meio da teleobjetiva, produz, assim, um efeito crítico potente com relação ao funcionamento da instituição. Esse aspecto técnico não tem nada de anódino. O recurso de ampliação ótica, teoricamente destinado a tornar a cena política mais próxima, reforça o sentimento de que o debate democrático tem lugar em um universo outro, em um mundo de regras próprias, que fogem à compreensão do cidadão. Nas fotografias, o grão da imagem dá prova disso. Ele é a marca de um esforço de aproximação que paradoxalmente torna perceptível de imediato a distância que afasta o cidadão.

Fotografia da série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista.

Um dispositivo no espaço

O trabalho de Sofia Borges se distancia do que seria uma reportagem sobre aquilo que ela assistiu no Senado. Ao contrário, trata-se de uma exposição, em todos os sentidos da palavra. O mundo político, seus gestos e seus rostos são aqui expostos, submetidos a nossos olhares. De maneira geral, a exposição enquanto dispositivo de conhecimento é perfeitamente caracterizada pela vitrine tal como a conhecemos nos museus ou nas lojas. A vitrine dá a ver os documentos ou os objetos a um espectador que deles está apartado por um vidro. Aqui, é a lente fotográfica que funciona como vidro separador. Há também a maneira como as imagens são apresentadas no espaço. As fotografias de Sofia Borges não estão dispostas nas paredes como seria de praxe em uma exposição de fotografias. Elas flutuam no espaço, de modo que o espectador se encontra envolto em um ambiente de imagens. Assim se cria uma promiscuidade inabitual com as figuras da política que ele reconhece sem havê-las conhecido.

Série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista. Crédito da foto: Pedro Vannucchi

Série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista. Crédito da foto: Pedro Vannucchi

Sofia Borges reúne, em duplas dispostas na frente e no verso de caixas suspensas, imagens de rostos e imagens de mãos. Trata-se de dois registros icônicos do universo político, em que se articulam gesto e palavra, seu fundamento. Tal estrutura de dupla face, bastante incomum, reforça por sua vez a ambivalência do que ela expõe. Além disso, presas ao teto por um jogo de cordas e polias, essas imagens transformam os sujeitos políticos que elas mostram em marionetes aparentemente animadas por um misterioso manipulador escondido. Suspensas por seus fios, elas formam um desfile de imagens de festa forense, violentamente presentes e ao mesmo tempo irreais.

Através desse jogo complexo de distância e de proximidade, A máscara, o gesto, o papel chama atenção para o abismo que separa os gestos graves da democracia – o debate e o voto de que o Senado e a Câmara dos Deputados são guardiões – e o mundo da troca de favores e da conivência, no espetáculo ambíguo que as fotografias evocam. A artista insiste nesse hiato, nessa discordância entre a solenidade do lugar e a banalidade das coisas que o olhar envolve.

Fotografia da série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista.

Bocas sem rosto

As fotografias de rostos realizadas por Sofia Borges reproduzem quadros que o pintor Urbano Villela dedicou aos diferentes presidentes do Senado. Ela os fotografou no Museu Histórico, em que essas pinturas “imortalizam” – a palavra talvez soe exagerada para políticos que em geral são rapidamente esquecidos – os ex-presidentes do Senado. É preciso lembrar que tais galerias de retratos políticos constituem frequentemente um objeto polêmico. A obra de Sofia Borges não escapa a esse contexto. Para a artista, trata-se de trabalhar essas imagens políticas com os meios da arte, de conferir-lhes uma significação ao deslocá-las de seu contexto original.

Assim, Sofia Borges selecionou alguns desses retratos pintados e arrancou-lhes da aura tradicional, própria ao medium pictural. Ela então impôs a esses rostos um enquadramento tão fechado que seus olhos foram eliminados, concentrando-se apenas em suas bocas. Privados dos olhos que confeririam alguma humanidade a tais caras, os órgãos da palavra tornam-se mudos. Atrás de seus sorrisos congelados, a linguagem permanece retida por trás de lábios cerrados ou de dentes rígidos como grades de uma prisão. Toda palavra está presa e o voo da volúpia típica das tribunas já não é ouvido, tampouco a eloquência do famoso Demóstenes. Tal é o paradoxo que produzem essas imagens: o órgão da palavra através do qual a democracia se constrói está mudo. A palavra e seu poder de convicção estão ausentes dessas fotografias. Rostos parcialmente ocultos aparecem como meias verdades e seus lábios cerrados sinalizam um adormecimento da palavra pública.

Fotografia da série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista.

Mãos

No verso dessas bocas silenciosas, a artista apresenta uma sequência de closes-up de mãos que se saúdam, se cumprimentam, trocam coisas. Simbolizam todo o comércio de que o Congresso é a um só tempo o teatro, aberto aos olhos de todos, e a coxia, secreta e enigmática. As mãos oferecem um tipo de semiótica da conivência, o deciframento de uma linguagem codificada a que Sofia Borges confere lugar central. Tudo se passa nesse templo do poder, como se a política se resumisse a esses intercâmbios mudos, de proximidade calorosa e tátil que liga parceiros em acordos tácitos. Longe de serem expressão de um corpo humano identificado, essas mãos aparecem apenas como órgãos de uma linguagem gestual, de uma ciência dos signos reservada aos iniciados. Olhem para aqueles que saem da obscuridade e se aproximam: Quais contratos estão selando? Quem sustenta quem? Esses abraços trocados na fricção de tecidos preciosos solidarizam os corpos e constrangem os espíritos.

Essas mãos, sobre as quais recai a luz da fotógrafa, também falam do pertencimento social de um regimento político que embranquece sob as cúpulas do Congresso. Poucas mulheres aparecem, como se nos encontrássemos em um velho club londrino, cercados de velhacos em matéria de eleição. Como nos romances de Balzac, a prega impecável de um terno e a seda da gravata se constituem uma verdadeira carteira de identidade para seus proprietários. Esses detalhes das vestimentas dizem muito sobre o fechamento de uma pequena casta sobre seus rituais e privilégios.

Fotografia da série A máscara, o gesto, o papel, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista.

O lugar do poder?

Colocando em cena a “representação nacional” em sua arte tão peculiar de fazer gestos e emitir palavras mudas no Congresso de Brasília, o dispositivo de dupla face escolhido pela artista fala da ambivalência das significações. Como uma gangrena, ela corrói as imagens e as palavras, tornando problemática qualquer tentativa de falar verdadeiramente daquilo que é representado.

As teorias sobre a fotografia são claras nesse aspecto: toda fotografia, em sua mais forte presença, na evidência de seu hic et nunc (aqui e agora), fala da ausência do que ela mostra. O povo e sua vontade que, teoricamente, deveriam ali estar representados, nem está presente, nem é representado no espaço sagrado do parlamento onde as imagens foram tomadas. Elas falam da democracia, mas sob o ângulo de sua presença/ausência.

Afinal, o que se vê nessas fotografias? Primeira evidência: não se vê nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado. Nem mesmo os homens políticos. Apenas signos que simbolizam seu mundo: signos do poder.

As fotografias de Sofia Borges, ao produzirem uma variação da escala a que a televisão nos habitou a ver o mundo político, ao conferirem, pelo zoom e pelo detalhe ampliado, uma presença mais forte, pervertem os códigos da representação política. Ao despertar o olhar do espectador para a qualidade de um tecido, para o segredo indecifrável de uma anotação manuscrita ou para a pilosidade de uma mão, Sofia Borges convida o espectador a multiplicar as interpretações transgressivas de um espetáculo tradicionalmente recebido com indiferença. Suas ampliações hiperbólicas reduzem toda figura sagrada ao profano. Os signos se tornam obscenos. Propulsados para o proscênio, eles se transformam em sintomas e, em seguida, em estigmas. É assim que a câmara fotográfica, considerada objetiva, incapaz por natureza de mostrar algo diferente daquilo que de fato posou diante de seu olho de vidro, torna-se uma máquina crítica, próxima do lápis do caricaturista.

Como a imagem passa de representação fotográfica anódina à potência caricatural, sem que nada seja acrescentado? É exatamente isso que distingue o olhar cotidiano da obra de arte. É com esse o trabalho da forma que Sofia Borges conquista o estatuto de mestre.///

 

Sofia Borges (1984) expôs seus trabalhos no Museu Coleção Berardo, de Lisboa (2013), Foam, Amsterdã (2016), 30ª Bienal de São Paulo (2012), entre outros. Em 2016 lançou o livro The Swamp [O pântano], vencedor do First Book Award da editora inglesa Mack.

Jacques Leenhardt (1942) é filósofo e sociólogo suíço, diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e presidente de honra da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA). Foi membro do conselho curatorial da Fundação Iberê Camargo entre 2010 e 2014.

 

Mais informações sobre a exposição Corpo a corpo em: corpoacorpo.ims.com.br

Exposições

Uma seleção de exposições no Brasil para quem gosta de fotografia

Veja uma seleção de exposições no Brasil (e, aqui, no exterior) para quem gosta de fotografia:

 São Paulo

 

Cumbica: Tuca Vieira

Cumbica, do fotógrafo Tuca Vieira, mostra seis fotografias panorâmicas realizadas durante expedição que circundou a fronteira entre o Aeroporto de Guarulhos e os bairros do entorno. O trajeto de mais de 20 quilômetros foi percorrido de bicicleta a convite dos editores do projeto Contracondutas. O trabalho se insere na programação da 11ª Bienal de Arquitetura de São Paulo e propõe uma reflexão sobre os espaços desconhecidos, anônimos, inóspitos e descontinuados dos limites entre essa grande obra de infraestrutura, erguida na década de 1980, e seu entorno imediato.

Casa do Povo, até 27 de janeiro

Mais informações aqui.

 


Levantes

Com curadoria do filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman, a exposição Levantes apresenta, sob a perspectiva das emoções coletivas, as diferentes formas de representação dos levantes, atos populares, políticos, engajados nas transformações sociais, nas revoltas e/ou revoluções. A partir de fotografias, vídeos e a poesia dos Manifestos Pau-Brasil e Antropofágico de Oswald de Andrade e do movimento dos parangolés de Hélio Oiticica, dentre outras obras, a exposição demonstra as múltiplas maneiras de transformar quietude em movimento, submissão em revolta, renúncia em alegria expansiva. Leia aqui entrevista com Didi-Huberman sobre a exposição em cartaz em São Paulo.

Sesc Pinheiros, até 28 de janeiro de 2018

Mais informações aqui.

 


Históricas da sexualidade

Histórias da sexualidade apresenta mais de 300 obras e cerca de 130 artistas, tanto do acervo do Masp, quanto de coleções brasileiras e internacionais, incluindo desenhos, pinturas, esculturas, filmes, vídeos e fotografias, além de documentos e publicações, de arte pré-colombiana, asiática, africana, europeia, latino-americana, entre outras. Entre os fotógrafos, destaque para Robert Mapplethorpe, Vania Toledo, Gaciela Iturbide, Miguel Angel Rojas, Paz Errázuriz e Philip-Lorca diCorcia, entre outros.

Masp, até 14 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Altamira, de Caio Reisewitz

A Pinacoteca expõe a série fotográfica Altamira, de Caio Reisewitz, em que o artista documenta a região da floresta de Belo Monte, delimitada pelo rio Xingú, que desaparecerá ao término da construção da terceira maior hidrelétrica do mundo na região. O trabalho de Reisewitz é mostrado ao lado da sala de pinturas de paisagem da mostra de longa duração da Pina, permitindo a reflexão sobre a representação da natureza no século 19 e na contemporaneidade.

Pinacoteca, até 5 de março de 2018

Mais informações aqui.

 


David Claerbout

A Pinacoteca também exibe duas videoinstalações do artista belga David Claerbout, cujo trabalho se baseia na manipulação digital de imagens fotográficas, permitindo o surgimento de movimentos muito sutis. O vídeo King é construído a partir de uma antiga fotografia do jovem Elvis Presley e a obra Pura necessidade é uma intervenção no desenho animado The Jungle Book, conhecido no Brasil por Mogli, o Menino Lobo.

Pinacoteca, até 5 de março de 2018

Mais informações aqui.

 


Rio de Janeiro

 

Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964

A exposição Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964, em exibição no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, apresenta um panorama da fotografia de guerras civis e outros conflitos armados envolvendo o Estado brasileiro, entre a Proclamação da República e o golpe de 1964. A mostra conta com 338 imagens pertencentes a 30 coleções particulares e públicas de todo Brasil, além de fotografias do acervo do IMS. Conflitos contradiz a imagem de país pacífico que costuma ser associada ao Brasil e oferece um olhar retrospectivo sobre a história do país, trazendo à tona assuntos fundamentais para a compreensão da atual crise política. Alguns dos episódios abordados são a Revolução Federalista (1893-1894), a Revolta da Armada (1894-1895), a Guerra de Canudos (1896-1897), a Guerra do Contestado (1912-1916), a Coluna Miguel Costa-Prestes (1924-1927), a Revolução de 1930, motins populares na ocasião do suicídio de Getúlio Vargas e episódios violentos que ocorreram durante os primeiros dias do golpe de 1964.

Instituto Moreira Salles, até o dia 25 de fevereiro de 2018

Mais informações aqui.

 


Wishful Thinking – Miguel Rio Branco

A exposição Wishful Thinking, em cartaz no Oi Futuro, é composta de fotografias e instalações audiovisuais e imersivas, em que o artista expressa suas inquietações sobre os limites do ideal de civilização que ainda norteia a vida nas grandes cidades. Nos seus trabalhos mais recentes, Rio Branco tem se questionado sobre os sinais de falência da vida contemporânea e as possíveis alternativas para a vida do planeta.

Oi Futuro, até 28 de janeiro

Mais informações aqui.

 


Raymond Depardon: Un moment si doux

 

O artista francês Raymond Depardon é tema de uma ampla retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, com 165 fotografias e 28 filmes.  A exposição Un moment si doux traz fotografias foram tiradas em vários países da Europa, África e América Latina, incluindo Brasil. Produzidas entre 1950 e 2013, sendo a maior parte inédita, as imagens foram expostas entre 2014 e 2015 em Paris, Marselha, e, recentemente na Argentina.

CCBB, até 22 de janeiro

Mais informações aqui.

 


Feito poeira ao vento

A exposição mostra parte do acervo de fotografia do Museu de Arte do Rio – MAR, com cerca de 250 imagens de 112 artistas, que vão desde o século 19 até os dias de hoje. Feito poeira ao vento apresenta trabalhos de nomes como Marc Ferrez, Kurt Klagsbrunn, Pierre Verger, Walter Firmo, Evandro Teixeira, Guy Veloso [imagem], Rodrigo Braga, Marcos Bonisson e Rogério Reis, entre outros.

Museu de Arte do Rio, até 1 de julho de 2018

Mais informações aqui.

 


 

Belo Horizonte

 

Diego e Frida: um sorriso no meio do caminho

A exposição Diego e Frida: um sorriso no meio do caminho apresenta cerca de 40 fotos de acervos pessoais de amigos e familiares dos artistas mexicanos Diego Rivera e Frida Kahlo, coletadas ao longo de 25 anos, desde o casamento, em 1929, até a morte de Frida, em 1954.  O casal mantinha grande amizade com personalidades da época, entre eles fotógrafos como Manuel Alvarez Bravo, Nicolás Murray e Edward Weston, que testemunharam fases diferentes da vida dos dois, incluindo os encontros e desencontros, as controvérsias e os problemas médicos de Frida.

Câmera Sete – Casa da Fotografia de Minas Gerais, até 18 de fevereiro

Mais informações aqui.

 

 

 

Exposições

Jonathas de Andrade e Charles Wagley: “Nós, mestiços”

Lilia Schwarcz & Jonathas de Andrade

Série Eu, mestiço, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista. Crédito da foto: Pedro Vannucchi

Em 1949, a Unesco, com sede em Paris, organizou uma missão para estudar um país em que as relações raciais seriam, reconhecidamente, harmoniosas. Os nomes nunca são inocentes e o termo adotado, missão, vinha de missa, de missionar, produzir uma mensagem. Era isso que a Unesco pretendia. E foi esse o gatilho, o estopim, o texto e o pretexto para o trabalho de Jonathas Andrade Eu, mestiço, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo.

A Segunda Guerra Mundial tinha terminado há apenas quatro anos e o mundo lidava mal com o horror que significou “abrir as câmaras de gás” e descobrir o verdadeiro genocídio provocado pelos nazistas. A ferida, no entanto, era mais profunda: a civilizada Europa não tinha como olhar para si e encarar, nos termos de Hannah Arendt, a “banalidade do mal” instaurada no coração do, assim chamado, Velho Mundo.

A essas alturas, o antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre fazia sucesso com suas teorias da mestiçagem e ganhava a cena internacional. Não me refiro ao primeiro Freyre, o de Casa-Grande & Senzala (1933); que mostrava, sim, a paz, mas também a guerra que vigia no Nordeste açucareiro, prontamente transformado em retrato do Brasil. Esse é, porém, outro Freyre, o qual, diante do sucesso de sua obra, e contando com a atuação de discípulos como Arthur Ramos, passava a alardear no exterior o retrato de um país distante do Velho Mundo, mas pacífico e cordial, com potencial, portanto, para se converter num exemplo para o mundo, em termos de “harmonia racial”.

O conceito de democracia racial surgiria nessa época, mas foi Arthur Ramos quem cunhou a expressão, assim como passou a viajar pelo exterior tentando promover essa ideia e a si mesmo. Aliás, foi também dele a iniciativa de propor uma pesquisa sobre o Brasil e fazer do país uma peça de propaganda. E a Unesco comprou o pacote todo. “O Brasil é uma grande República, com uma civilização que se desenvolveu por meio da contribuição direta de diferentes raças”, dizia a agência das Nações Unidas, que começava a plantar um projeto visando investigar as paragens distantes do Brasil. Um país longe da guerra que dividira (e ainda dividia) uma Europa desconfiada, e com uma noção frágil de paz. Era assim que nascia a pesquisa Raça e classe no Brasil rural.

A investigação seria capitaneada por Charles Wagley (1913-1991), antropólogo que estudou na Universidade de Columbia e fez seus primeiros trabalhos de campo orientado por Franz Boas, antropólogo da escola culturalista norte-americana, que se opôs de frente ao racismo e aos teóricos do darwinismo racial. Para os etnógrafos dessa escola, as culturas deveriam ser estudadas em comunidades, dando-se importância fundamental para os seus contextos, geografias, aspectos linguísticos e materiais, histórias e modos de produção. Estudava-se, portanto, as populações “nativas” a partir de suas especificidades culturais e com acento nos grupos com que eles socializavam e conviviam.

Não parece coincidência o fato de Gilberto Freyre ter sempre alardeado sua formação em Columbia e a influência de Boas em seus trabalhos. Ambos, Wagley e Freyre, compartilhavam uma perspectiva culturalista, que se opunha à voga do determinismo racial, a qual julgava ser a biologia o único fator explicativo para os costumes dessas populações, consideradas pouco adaptadas à modernidade. Já para os alunos de Boas, “a cultura” era quase que uma “segunda natureza”, pois inscrevia nos sujeitos os costumes do grupo em que viviam.

A influência de Freyre fica clara logo na primeira frase da introdução do projeto da Unesco, a qual indicava como seus realizadores vinham ao Brasil acompanhados de respostas prévias e não tanto de perguntas. Basta tomar a primeira assertiva que funciona como espécie de pressuposto: “O Brasil é renomado no mundo por conta de sua democracia racial. Dentro desse enorme território, um quase continente, raça, preconceito e discriminação são reduzidos, ainda mais quando comparados a outros países”.

A base da pesquisa era comparativa. E acreditava-se, antes mesmo da realização da investigação, que, apesar das disparidades econômicas existentes entre a população brasileira, o preconceito por aqui seria mild, o que corresponderia a um “racismo leve”. Interessante pensar que se possa supor a existência de bons ou maus preconceitos. Na verdade, toda forma de racismo é perversa.

Wagley investia, porém, na contraposição entre um preconceito de “marca”, versus outro, de “origem”, tendo como suposto o modelo criado por Oracy Nogueira e o espelho invertido que constantemente se usava, opondo-se o Brasil aos Estados Unidos. A aposta era quase metodológica: no Brasil, a cor atenuaria e deixaria mais frouxas as relações raciais, com os sujeitos manipulando sua situação social. Já nos Estados Unidos, por conta do modelo do one drop blood (uma gota de sangue, em tradução livre), todo aquele que descendesse de negros, até a terceira geração, seria classificado como tal, a despeito da coloração mais ou menos clara de sua pele.

À sua maneira, Wagley também vocalizava as teorias de Gilberto Freyre para um público norte-americano. Afirmava que os portugueses, a despeito de admitirem a escravidão em seus territórios, desconheceriam o preconceito e por isso praticavam a miscigenação. Hoje sabemos que miscigenação nunca significou a ausência de discriminação. No entanto, nesse contexto, o conceito parecia sinalizar para um modelo mais brando de relações raciais. Era o começo da circulação internacional da ideia de miscigenação, que abolia uma das partes constitutivas da palavra. Miscigenação, nessa acepção, significava só mistura (pacífica), e não separação (com tensão). Sabemos que não há mistura sem a certeza de que existe uma separação prévia. E é justamente essa parte da “fórmula” que o etnógrafo não mencionava.

Charles Wagley chega a reconhecer que o Brasil não garantia direitos e vantagens iguais aos seus cidadãos, mas concluía, categórico, que por aqui a desigualdade não levaria a um problema de raça: “there is no race problem”, afirmava ele. Carregado de certezas prévias, e citando Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda como justificativas, Wagley chama o Brasil de “laboratório de civilização”, suposto que, por sinal, vigorou forte desde o século 19, quando o país foi percorrido de ponta a ponta por viajantes estrangeiros. Tais cientistas, religiosos ou meros curiosos chegavam aqui com as malas fechadas e prontas para ver no Brasil um “espetáculo das raças” da boa convivência entre povos tão distintos como o africano, o indígena e o europeu. Muitos condenavam a “miscigenação extremada”, por aqui existente. Mas nenhum deles deixou de anotar a existência de uma população muito variada.

Esse é inclusive o colchão teórico do estudo de Wagley, um antropólogo especializado no Caribe e na Amazônia, que escolhe o Brasil rural para lidar com o tema da raça e da classe. Ademais, opta por pequenas cidades (e propositadamente exclui as capitais do país). Sua defesa é que apenas nelas seria possível encontrar um velho estilo de vida (um old way of life), modelos mais tradicionais de sociabilidade, e, portanto, mais homogêneos em termos de linguagem e cultura.  Um “Brasil profundo e rural” era o que Wagley esperava achar. Seguindo os estudos de comunidade, o etnógrafo escolhe quatro locais: Vila Recôncavo (Bahia), Minas Velhas (Minas Gerais), Monte Serrat (no sertão) e Itá (no Baixo Amazonas). A hipótese é de que nesses locais haveria um “sentimento de identidade”, que tornava suas populações mais “comparáveis”, como se elas tivessem paradas no tempo e sem futuro.

Vale à pena destacar que Wagley não seleciona cidades grandes nem escolhe qualquer local do Sudeste, que àquela altura correspondia à região mais urbanizada do país. Essa pesquisa ficaria a cargo de outro grupo composto por Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni. Por sinal, eles chegariam a conclusões em tudo opostas às de Wagley. Como uma espécie de persistência do sistema escravocrata, sobreviveria uma forma de racismo difusa e dissimulada, conhecida a partir da famosa expressão de Fernandes: por aqui padeceríamos do “preconceito de ter preconceito”. O sociólogo paulista seria inclusive o primeiro a desconfiar das teses sobre mestiçagem, chamando as teorias de Freyre de mito: “o mito da democracia racial”. Não é estranho, pois, que a Unesco tenha deixado de publicar as teses do grupo do Sul do país e dado grande destaque aos resultados de Wagley.

Florestan, por exemplo, em A integração do negro na sociedade de classes, mostrava a resiliência das hierarquias herdadas dos tempos da escravidão e como o racismo havia se transformado numa linguagem naturalizada no pós-emancipação e na Primeira República.

Mas se Fernandes usava o materialismo histórico para destacar o conflito surdo existente no Brasil, já Wagley se manteria fiel aos assim chamados estudos de comunidade. O recurso investigativo consistia em analisar pequenas comunidades que apresentavam um processo lento de mudança social. O modelo implicava, também, deslocar a metodologia de etnografias antes focadas em sociedades “primitivas”, nomeadamente indígenas, para investigações em sociedades complexas.

Para tanto, nada como localizar (justamente o que faz nosso pesquisador) sociedades ditas “tradicionais”, onde o suposto era que a ação do tempo não teria alterado a feição “original” dessas comunidades. Wagley aciona também outros conceitos de época. Em primeiro lugar, usa o conceito de “raça social”, segundo ele, mais adaptado à realidade brasileira. Para o norte-americano, “cor” seria um termo mais “poroso” e fluido, e dialogaria mais com o racismo praticado no Brasil. O antropólogo também faz uso do conceito de “marca”, para se opor ao modelo predominante nos Estados Unidos. Segundo ele, por aqui seria mais fácil mudar de cor e de classe, manipulando situações sociais e fenotípicas, como cabelo, nariz e, sobretudo, cor de pele.

O antropólogo cria então uma espécie de dicionário de termos – como mulato, cabocla, crioulo, pardo, cabra, negro, mulatos educados, morenos, morenas – para provar como essa seria uma forma mais “branda” de racismo. Mas cor só se estabelece em relação e, na contraposição, Wagley, também lida com conceitos paralelos e mais adjetivados, como beleza, atração e honestidade, supondo que esses seriam critérios objetivos de análise científica. Lança mão ainda de fotografias, bem na tradição dos estudos etnográficos de época. Sem qualquer preocupação artística, esse tipo de foto apenas ajudava a revelar “tipos”, não indivíduos; “traços”, não particularidades. Conformavam-se também “padrões” que poderiam ser melhor aferidos a partir do bom uso da técnica.

Nesse contexto de finais do 19, eram sobretudo as instituições médicas e científicas que conferiam legitimidade às classificações anatômicas e raciais provenientes dessas fotografias. Esse era, afinal, o objetivo último das mesmas; a partir delas buscava-se dar visibilidade a determinados tipos anatômicos – prontamente transformados em traços reveladores de determinados padrões –, assim como se deixavam invisíveis outros tantos elementos presentes nas fotos: a agência do fotógrafo que manipulava os ambientes que compunham as fotos e o anonimato dos sujeitos retratados.

A fotografia etnográfica: encenação da ciência

Albert Frisch Índios Umauás, nas margens do rio Japurá, Amazonas, 1865. Albúmen, 23,8 x 18.3 cm. Acervo Instituto Moreira Salles

Como mostra a historiadora norte-americana Nancy Stephan, a fotografia transformou-se num exemplo de “observação precisa” e permitiu que o conhecimento obtido por meio dela virasse um inventário “da ordenação de objetos do mundo natural no interior de esquemas classificatórios”.  Esse processo fez com que a fotografia “parecesse não apenas uma aliada da ciência, mas uma encenação dela”.

A fotografia etnográfica seguiria pela mesma vereda: representava uma objetiva “encenação da ciência”. Segundo a mesma autora, tais representações visuais dos trópicos transformam-se em “um teatro da vida, onde um tipo particular de drama da natureza viva era encenado”. Incluir cenários, transformar a ciência em teatro é o processo realizado pelo fotógrafo Albert Frisch, que inclui personagens, evidentemente desproporcionais, em meio à paisagem tropical. Os indígenas agigantados foram simplesmente recortados de outras fotos e inseridos na floresta tropical, local a que “deveriam pertencer”.  Trata-se de usar a técnica a favor de certa imagem da nação e de uma visão domesticada dos nativos e da natureza.

A antropóloga Anne McClintock também explora o uso da fotografia nesse contexto em que “o princípio fetichista da coleção e da exibição, e a figura do tempo panorâmico como espetáculo mercantil” faz com que a tecnologia deixe de ser um produto que capta o real, para se produzir, enquanto verdade. Misturam-se, propositadamente, temporalidades segundo uma perspectiva evolutiva, obrigatória e única, em que os diferentes tipos apenas servem para comprovar uma determinada pirâmide social. O topo seria ocupado pelos europeus, enquanto a base, assim como as etapas intermediárias, restariam preenchidas pelos demais povos, todos devidamente transformados em nativos.

Segundo a mesma pesquisadora, a própria história, “reproduzida como uma tecnologia do visível”, vira um espetáculo. Estamos diante de uma história unificada e europeia, cujos parâmetros são igualmente europeus. Como explica o antropólogo alemão Johannes Fabian, esse foi um processo que permitiu “especializar o tempo”, em nome de uma perspectiva empirista e muito condicionada pelas teorias do darwinismo racial, que passava para a biologia classificações que faziam parte da lógica política e social da época.

A concepção que pautava esse tipo de narrativa partia do suposto de que alguns grupos humanos preenchiam um “tempo anterior à modernidade”; eram pois “humanos anacrônicos, atávicos, irracionais”. Para melhor capturar esses grupos, os quais, segundo esses mesmos teóricos, corriam o sério risco de desaparecimento, a técnica que garantia a eficácia desse tipo de classificação visual era justamente a fotografia. Feita originalmente para constar dos museus de etnografia e de história natural, dos zoológicos, mas também das pesquisas etnográficas, a inovação acabou funcionando como uma espécie de fermento e combustível. Ao invés de reproduzir a realidade, ela era a própria realidade.

E é justamente esse tipo de concepção, adaptada aos estudos de comunidade, que será utilizada por Wagley, anos depois, na definição desse Brasil rural. A metodologia era basicamente a seguinte: o pesquisador mostrava determinadas fotos a seus entrevistados e pedia para que reagissem a elas. Voltaremos a essas “perguntas fechadas” adiante, mas gostaria de explorar agora a maneira como essas representações visuais foram introduzidas no livro do antropólogo norte-americano.

O que chama muita a atenção é um detalhe: como as fotos da pesquisa acabaram por se perder, o investigador achou por bem introduzir no seu livro, Raça e classe no Brasil rural, os originais do fotógrafo e amigo Pierre Verger. Poderíamos pensar que o uso fosse apenas ilustrativo. Qual seja, diante da falta de imagens, Wagley inventa outras e as acomoda à sua tese. No entanto, ao invés do investigador norte-americano apenas reproduzir o material visual de Verger, feito, aliás, com outro objetivo, ele altera os títulos originais, transformando as fotos do amigo em tipos classificatórios.

Reprodução das fotografias de Pierre Verger no livro Raça e classe no Brasil rural.

A imagem acima, por exemplo, originalmente sem título, vira um padrão “Vaqueiro mulato morador do interior da Bahia”. E assim sucessivamente: uma senhora, cuja única especificação dada por Verger é morar em Canudos, vira “Uma cabocla do interior da Bahia”; um senhor da mesma região, transforma-se em “Vaqueiro mulato no interior da Bahia”; uma foto de um rapaz da Feira de Santana aparece com a legenda de “Vaqueiro negro do sertão”; uma cena na Ilha de Itaparica torna-se um exemplo de “Menina negra tecendo uma cesta em Monte Santo”. Por fim, uma foto sem título, mas cuja localização geográfica dada por Verger é Caldas, Bahia, aparece no livro de Wagley com uma nova explicação: “Crianças em Monte Santo”.

Como se pode perceber, Wagley dá outro destino às fotos de Verger, e, a exemplo do que explica McClintock, também nesse caso, a realidade vira teatro panóptico. Ou seja, as fotografias servem para apenas tipificar e acabam destituídas de tempo, de espaço e das próprias verdades. Nas mãos do antropólogo norte-americano, as fotos artísticas de Verger aparecem, portanto, como documentos etnográficos a confirmar teses e intenções que não são suas. Visível é a maneira como o pesquisador se apropria das fotos para fazer delas outra história. Invisível continua a ser a identidade das pessoas fotografadas, prontamente transformadas em padrões a serviço da investigação de Wagley.

Reprodução das fotografias de Pierre Verger no livro Raça e classe no Brasil rural.

Mas gostaria de voltar à pesquisa de Wagley, e ao outro uso que ele faz da técnica da fotografia. Vamos ter que imaginar uma parte dessa história, uma vez que, como sabemos, não restaram registros das fotos originais. O que se conhece, sim, é a técnica utilizada pelo antropólogo, que consistia em partir de estereótipos expressos nas representações visuais e devolvê-los à população em busca da confirmação (ou não) dos pressupostos assentes na pesquisa.

Deixemos, pois, o material visual só um pouco de lado para sublinhar o tipo de pergunta fechada que organiza a investigação. Usando as fotos que tinha de tipos brasileiros, Wagley submeteu seus nativos a algumas questões que seriam repetidas nos quatro lugares estudados, conformando-se assim um padrão.

Hoje, tais perguntas podem soar um tanto estranhas, mas é preciso vencer certo anacronismo com a intenção de entender o que Wagley pretendia com elas. A propósito, faz parte do seu método de pesquisa supor que os entrevistados teriam que responder às questões a partir de critérios de cor rígidos: caboclo, preto, mulato, branco:

Que pessoa seria mais atrativa?

Que pessoa é a mais rica?

Que pessoa é a melhor trabalhadora?

Que pessoa é a mais honesta?

Que pessoa é a mais religiosa?

E o resultado logrado por Wagley não é muito distinto do que ele esperava quando selecionou os locais. Brancos são considerados mais atrativos, mais honestos, mais ricos. Mulatos e pretos os mais trabalhadores.

Outras perguntas são aplicadas. Nessa segunda bateria, o suposto básico é que seria preciso e possível despistar o entrevistado, levando-o a respostas menos previsíveis. A técnica era sempre mostrar uma foto (como se ela fosse neutra) e aí tomar o entrevistado mais desprevenido: desviar sua atenção.

Você aceitaria essa pessoa como vizinho?

Você aceitaria essa pessoa como amigo?

Você convidaria essa pessoa para jantar?

Você deixaria seu filho dançar com essa pessoa?

Você aceitaria essa pessoa como seu cunhado ou cunhada?

Nas perguntas há embutida uma confirmação de perspectivas. Já sabemos, por exemplo, com quem o entrevistado gostaria de dançar (e com quem não gostaria).  Mais uma vez os resultados são quase óbvios, a despeito de embalados numa roupagem científica. Brancos são sempre os mais aceitos em todas as categorias, sendo seguidos por mulheres mulatas e depois homens mulatos.

A pesquisa realizada por Wagley, em quatro diferentes localidades do Norte e Nordeste brasileiros, mesmo que procurando negar o racismo por aqui existente (ou o chamando de leve), vai confirmando exatamente o oposto: a existência de preconceitos claros e persistentes na nossa história.

Assim, se as premissas eram outras – isto é, provar que aqui “raça não é um problema” –, as conclusões parecem ajuizar o contrário. O modelo de integração social é dado pelas elites brancas e mais abonadas, com as pequenas comunidades funcionando como laboratório para uma aferição objetiva.

“Não importam as perguntas, mas quem é o dono delas”

Quem sabe, como dizia o jurista da Escola de Recife, Silvio Romero, em finais do século 19: “Se a teoria não combina com os dados da realidade, que se mude a realidade”? Também seria possível lembrar dos conselhos de Humpty Dumpty, personagem de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. Quando a protagonista titubeia acerca de qual líquido deveria tomar, para assim entrar pela porta que a leva ao país das maravilhas, o bichano de olhos grandes a aconselha: “Não importam as perguntas, mas quem é o dono delas”.

O fato é que Wagley devolvia estereótipos fortes mesmo afirmando fazer o contrário. Na verdade, ele utilizava a linguagem da antropologia da época, que a despeito de não se fiar mais nos mesmos aparatos científicos do determinismo racial, ainda fazia uso da fotografia como uma técnica moderna na busca da configuração de tipos nacionais. Por isso mesmo, seja nas fotos que Wagley usou na pesquisa, seja nas representações de Verger, os personagens fotografados não têm nomes ou identidades. Na concepção de Verger, os modelos retratados ganham pelo menos localidade e guardam uma presença forte com suas expressões marcantes. Na tradução de Wagley, transformam-se em exemplos de padrões raciais e sociais captadas pela pesquisa. É por isso que o pesquisador americano retira o registro do lugar da onde provêm essas populações e inclui especificações raciais, utilizando-se de termos como mulato, mulata, caboclo, negro ou negra.

Wagley claramente apoiava-se nos registros etnográficos do final do século 19 e início do 20. E é nesse sentido que gostaria de apresentar alguns últimos exemplos, retirados do acervo do IMS, apenas com o intuito de deixar ainda mais evidente o paralelo que farei, daqui para frente, com o trabalho de Jonathas de Andrade.

Augusto Stahl Escrava envolta em panos, Rio de Janeiro, c.1865. Albúmen, 15,3 x 12 cm. Acervo Instituto Moreira Salles

Dentre os diversos tipos retratados por Augusto Stahl, as mulheres negras, com seus rostos marcantes e ricamente vestidas com panos da costa, virariam uma espécie de convenção. Ou melhor, uma voga para os clientes brasileiros e internacionais, curiosos com esses aspectos exóticos. Tradicionalmente, eles integravam o vestuário de africanas provenientes de diversas regiões do continente –como Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Congo, Benin e Senegal. Com o tempo, se transformariam em símbolos da indumentária de mulheres africanas ou crioulas –nascidas no Brasil – que percorriam as ruas de Salvador, Rio de Janeiro, Recife e Minas Gerais, muitas vezes como mensageiras e agentes em insurreições e motins. Os primeiros tecidos vieram enrolados ao corpo das escravizadas, mas seu uso por aqui se disseminou. Mais do que uma simples indumentária, eles eram objetos religiosos e étnicos, com significado social e cultural. Além do mais, serviam como uma espécie de carteira de identidade dentre a população africana que divisava neles um registro de origem e profissão. Já Augusto Stahl tratou de transformar essas personagens em tipos anônimos. No título da foto, não há nome, origem ou religião. Ela é apenas uma “escrava”, altiva por certo. No entanto, seus panos perderam a origem de nação. Viraram apenas panos e por isso legaram anonimato.

Muito próximo ao uso que Wagley deu para as suas fotos é o conjunto que Christiano Jr. realizou em 1865, um verdadeiro mostruário de tipos étnicos contém 12 fotografias em artefatos originais. Os retratos individuais eram produzidos em estúdio, padronizados em formato carte-de-visite e vendidos para estrangeiros como “colecção de typos de pretos”, conforme o fotógrafo anunciou no Jornal do Commercio de 1865.

Augusto Stahl Mulher anônima com manto, Pernambuco, c.1858. Albúmen, 15,4 x 11,4 cm. Acervo Instituto Moreira Salles

Os cartes-de-visite retratando escravizados em diversas profissões tinham funções um pouco distintas das fotografias científicas que descrevemos. Eles visavam a curiosidade e o mercado, e não tanto os usos em instituições da época. Nesse caso, eram vendidos diretamente por Christiano Jr. em seu estúdio ou comercializados pela casa Leuzinger como lembranças do Brasil. O conjunto de fotos define bem o tipo de imaginário que o Brasil projetava no exterior já em finais do século 19: um país exótico, de gente misturada, e, sem dúvida, anacrônico em relação à modernidade europeia e norte-americana.

Poderíamos incluir muitos outros exemplos. Mas, na verdade, só multiplicaríamos a constatação que já deve estar ficando clara. Em primeiro lugar, certa convenção se repete e vai criando padrões do que seria o nativo primitivo, aquele que por definição era primevo e atrasado, no sentido de não ser capaz de alcançar a evolução da civilização.  Em segundo lugar, e como decorrência, todos eles iam tornando-se invisíveis na sua tremenda visibilidade. No Brasil do pré e pós-abolição, a população afro-brasileira estava por toda parte. No entanto, na grande maioria das vezes, não temos como saber seus nomes ou origens. Seu fim era antes a comprovação das teses científicas. Ou então satisfação da curiosidade de um público nacional e, sobretudo, estrangeiro, ávido por conhecer os trópicos excêntricos.

Segundo Susan Sontag a fotografia nasceu para mentir e assim dizer a verdade. Testemunhar e assim criar a testemunha. A pesquisa da Unesco, com suas perguntas que já carregavam consigo as respostas certas, com seu uso das fotografias que eram, em si, toda a realidade que se poderia querer ou desejar, referendavam o que se sabia de antemão e já se queria concluir: por aqui a questão racial era antes uma falsa questão. A ambiguidade da expressão questão racial já carrega seu destino. Essa era uma pergunta que tinha que nascer respondida, para não causar barulho ou revelar toda a ambiguidade nela expressa.

Eu, mestiço e a apologética do feio

Série Eu, mestiço, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista. Crédito da foto: Pedro Vannucchi

A questão racial nunca foi falsa no Brasil. O que ela comporta é um processo de invisibilidade, de silenciamento, mal contido nessas coleções de traços, estereótipos, modelos de beleza e de feiura que construíram verdadeiras gramáticas visuais. Nelas, uma série de dicotomias difusas, mas persistentes, restavam ainda mais claras: primitivo se opunha a civilizado, aqueles com identidade contrastavam com essa imensa população “sem identidade”, os “tipos” apareciam contrapostos às fotografias com autoria e modelos identificados, o conceito de belo só existia nesse mundo em que se delimitava, estritamente, o que seria feio.

Lima Barreto, escritor negro de inícios do século 20, que viveu durante o período do pós-Abolição, contexto em que se prometeu muita liberdade, mas se entregou uma avalanche de desigualdade, deixou seis tiras manuscritas com sua letra irregular e chamou esse texto de “Apologética do feio”. Nele, o escritor não escondia suas desconfianças sobre os termos e hierarquias que esse tipo de classificação anunciava e procurava naturalizar.

Exa. é capaz de apontar uma definição um traço; uma característica em suma que possa servir de base a uma Teoria Positiva do Feio? Não o é eu aposto; e não o é por dois motivos: 1º Porque o Feio é indefinível. 2º Porque o Feio é pessoal; depende de uma série de circunstâncias a que não são estranhas o ponto de vista, o lugar geográfico, a influência do meio e até o momento histórico. Outras fossem as circunstâncias mesológicas, étnicas, psicológicas e físicas e V. Exa. não me teria recusado a honra daquela valsa. Se até hoje nem sequer conseguiram os imbecis traçar uma linha neutra, uma linha divisória, um biombo sobre o qual se pudesse com segurança declarar todos aqueles que se encontram além são Belos; todos aqueles que se encontram aquém são Feios!

O trabalho de Jonathas de Andrade, agora exposto no IMS, pode ser considerado uma verdadeira “apologética do feio”, com o mesmo sentido crítico que Lima deu à adjetivação. Trata-se de uma inversão potente e original das convenções presentes nas fotos do século 19 ou naquelas utilizadas pelos estudos culturalistas e de comunidade. Ou melhor, a operação parece ser estampar todo o estranhamento que essas fotos, ou até mesmo a pesquisa de Wagley, trazem hoje e mostrar como o “feio” é antes um processo de seleção: é uma relação. Fazer um trabalho como esse significa, pois, “tocar na dor do outro, sentir a dor do outro”.

Era desse processo relacional que Lima Barreto tratava e é dessa matéria que são feitas as fotos de Jonathas que, entre 2016 e 2017, fotografou com um estúdio portátil personagens em São Paulo, no Maranhão e na Bahia. Nesse caso, o artista não evitou os grandes centros e chegou a produzir centenas de retratos. Junto a eles incluiu linhas feitas de palavras retiradas da pesquisa da Unesco, destacou o nonsense que sentiu e assim criou a série chamada Eu, mestiço. Nesse trabalho, ao invés de submeter as fotografias etnográficas ao serviço da pesquisa, são as fotos que ganham o primeiro plano e são elas que provocam em cada um de nós as respostas. Por outro lado, se na investigação de Wagley eram os textos que conduziam e cerceavam a linguagem contida nas fotos, já Jonathas inverte seu sentido e uso. As palavras parecem estar soltas, viram uma sorte de bordão, um metro, para que as fotos explodam na sua dor e na sua alegria, na sua raiva e na sua paz, na calma e na urgência.

A primeira sensação que esse trabalho produz, lembra um “mal-entendido”, semelhante àquele que qualquer um há de sentir quando, hoje em dia, deparar com as perguntas da pesquisa de comunidade dos anos 1950. E é no interior desse diálogo entre linguagens – entre a representação visual e a representação escrita – e ocupando o poderoso lugar do não dito e do silêncio que a obra ganha em locução.

Recortadas do papel, num gesto que lembra muito a colagem – neste caso, a colagem de fotos e de palavras –, o trabalho parece só guardar sentido no seu conjunto. Como se, ao invés de partir do padrão, dos tipos presentes nas fotos etnográficas do século 19 e da primeira metade do 20, as imagens de Jonathas indicassem o múltiplo, a variedade humana que é incontornável e não se conforma a qualquer tipificação.

Série Eu, mestiço, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista. Crédito da foto: Pedro Vannucchi

 

O rapaz que carrega a sacola num gesto tomado, tantas vezes, pelos viajantes e pelos fotógrafos etnógrafos, que não se cansaram de representar a carga descomunal que as populações africanas e afro-brasileiras levavam em seus ombros, desta vez olha para o fotógrafo e desnuda o caminho da técnica e seus truques de representação. Os cabelos carapinha, fartos, que sempre significaram uma forma de demérito, aqui aparecem como fator de orgulho. O dorso negro, que serviu ao efeito do exótico, aqui surge como sinal de beleza. As mulheres que não poucas vezes aparecem de maneira sensualizada, aqui revelam sua própria identidade, no gesto selecionado e na linguagem de corpo caprichada. O homem que aparece junto a seu carrinho de serviço, ao invés do trabalhar, simplesmente exerce seu direito à preguiça.

Posar ou não posar: aí está a questão

Ainda mais particularmente significativa é a figura da senhora rendeira que, por pudor ou vontade, quem sabe os dois, se nega a olhar para a câmera de Jonathas. Nesse caso, transparece o desejo que foi devidamente sequestrado das personagens transformadas em tipos, nas fotos científicas darwinistas raciais e nas representações visuais das pesquisas de comunidade, que transformavam o individual em coletivo, a expressão particular em gesto padrão. Posar ou não posar: aí está a questão. A intenção não é aplainar e assim conferir apenas um sentido evolutivo e hierárquico diante dos outros. Os nossos outros, outros. A vocação parece ser dar espaço ao plural, ao múltiplo, ao diverso que compõe a população brasileira.

Também chama a atenção o fato de as palavras comportarem-se, em Eu, mestiço, como adereço e decorrência, não o contrário. Nesse caso, são elas que viram tipos e apenas ilustram.

Parece ser preciso olhar bem para conseguir ver a obra de Jonathas. Tudo anda invertido e devidamente questionado. É o próprio artista que nos conta como estava interessado em trabalhos desse tipo quando deparou com a pesquisa de Wagley para a Unesco. Mas, no processo de elaboração de Eu, mestiço, parece que o antropólogo é que virou anônimo. Talvez por isso seu livro apareça tão somente a partir de uma série de palavras soltas e dispostas tal qual uma cinta que acompanha a obra. Não a antecede.

Se a arte carrega consigo o poder de transformação, nesse nosso exemplo, ela parece ter alterado e afetado profundamente o autor dessa obra. Jean-Jacques Rousseau usou o termo alteridade – no sentido de alterar – para descrever o sentimento que experimentamos diante do reconhecimento profundo da diferença do outro. Segundo o filósofo, quando a descoberta e a identificação com a diferença são genuínas, saímos todos modificados. Já a antropóloga Jeanne Favret-Saada usou a noção de afeto, de estar afetado, para descrever sensação semelhante. Afeto não é, porém, empatia, uma vez que ninguém tem a capacidade de virar o outro. O que ocorre, no entanto, quando se estabelece esse tipo de relação, é que saímos profundamente alterados em nossas verdades. A antropóloga estudou a feitiçaria em Bocage, Jonathas de Andrade não precisou ir tão longe para encontrar seus outros, a sua diferença.

Série Eu, mestiço, parte da exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, no IMS Paulista. Crédito da foto: Pedro Vannucchi

Esse ritual de iniciação com uma câmera fotográfica acabou resultando numa função muito distinta para a, aparentemente, mesma técnica. Se os personagens continuam um pouco anônimos, uma vez que seus nomes só constam de uma ficha disposta na lateral da exposição, já seus atos nada lembram a tipos anatômicos que revelam hierarquias sociais estritas. Eles recuperam gestos individuais, formas pessoais de querer estar presente na série que Jonathas idealizou. A iniciativa, a vontade de fazer parte, altera sensivelmente a função da fotografia: ela perde seu pressuposto de neutralidade e mostra como é impossível abolir a subjetividade. Aliás, essa operação, e a agência dos fotografados, nunca esteve ausente até mesmo nas representações visuais e científicas do 19.

Tomo mais um último exemplo à guisa de comparação com a obra de Jonathas. Retratos de senhores e senhoras em suas seges ou cadeirinhas, sendo transportados por escravizados, faziam parte do cenário urbano de várias capitais brasileiras oitocentistas. De tão frequentes, antes mesmo da entrada da fotografia, esses meios de transporte já eram desenhados, aquarelados e pintados pelos artistas-viajantes. Mas essa imensa iconografia, ao devolver a convenção, carrega sua originalidade. Salta aos olhos o porte altivo da senhora, cujo nome não nos é revelado, e as poses contrastantes dos dois cativos. Todos restaram basicamente anônimos, mas os gestos e as linguagens de corpo dos três acabam por conferir-lhes individualidade. A senhora olha diretamente para a foto e devolve a hierarquia que a representação deveria conferir. Já os escravizados, bem vestidos e descalços, têm posturas em tudo distintas: o homem da esquerda parece seguir o comando do fotógrafo que há de ter pedido que ele não olhasse para câmara e tirasse seu chapéu em sinal de submissão. Já o rapaz da direita literalmente rouba a cena. Mantém o chapéu na cabeça, coloca a mão na cintura, cruza as pernas e encara o fotógrafo. Com certeza ele “arruinou” a foto que deveria exibir disciplina e vigilância, não petulância. Afinal, essa era a função da técnica: consolidar estigmas visíveis através de um tempo panóptico e por definição anacrônico.

Fotógrafo não identificado. Mulher da familia Costa Carvalho e escravos, S.l., c.1860. Albúmen, 5,5 x 8,1 cm. Acervo Instituto Moreira Salles

As fotos de Jonathas de Andrade parecem, por sua vez, sublinhar a subjetividade e a própria ausência de disciplina. Se sua base e inspiração são as fotografias etnográficas, que abolem o tempo e o espaço para virarem padrão, no caso do nosso artista, nada é retirado dos modelos. Tudo fica: a individualidade, os gestos que passam pelo arbítrio de cada um, a linguagem corporal que por vezes acomoda, por vezes intriga.

A despeito disso tudo, o conjunto de Eu, mestiço produz uma incompreensão. Não é, por certo, preciso transformar o bastidor em explicação. Também não é necessário conhecer a pesquisa de Wagley para dar conta do ruído silencioso que incomoda o público que visita a exposição. Muitas vezes o barulho produz significado, assim como a dúvida constrói a reflexão.

As marcas sociais inscritas nos corpos

Quem sabe o mal-entendido presente na obra tenha a ver com nossas próprias memórias. Didier Fassin mostrou como, muitas vezes, quando a memória falha, o “corpo lembra”. Em seu trabalho A força da ordem, o antropólogo francês analisa os quarteirões parisienses hoje dominados por imigrantes, sobretudo africanos, bem como a ação cotidiana da polícia. À moda das etnografias clássicas, ele descreve, a partir de vários exemplos, e que parecem à primeira vista até banais, os repetitivos e reiterados ingredientes de intervenção policial nessas vizinhanças populares. A ineficácia da repressão à delinquência de jovens, acompanhada da sempre improvável identificação dos autores dos delitos – e que leva à acusação impune e sem provas – fazem parte de uma performance do poder, que diz respeito à realidade francesa, mas não parece estranha ao nosso dia a dia.

Fassin faz referência a um texto célebre de Louis Althusser, em que o filósofo se propõe a lidar com o conceito de interpelação: esse pequeno teatro teórico e pragmático, que consiste em impor o direito de se transformarem em sujeitosaos indivíduos que se submetem livremente à lei. A liberdade não exclui, porém, a sujeição: na verdade, ela apenas reforça a legitimidade do Estado e a submissão que, de tão rotineira, parece até voluntária. Mas não é. Ela é resultado de anos de lembranças que se inscrevem na própria corporalidade.

O ato de interpelação é também tratado por Michel Foucault nos seus estudos sobre o poder, quando o autor mostra como essa prática leva a um processo naturalizado de subjetivação. Diante da força policial, não raro os indivíduos assumem um lugar que corriqueiramente optariam por rejeitar. Afinal, não basta ser inocente para ser considerado e se considerar culpado. É de criança que se aprende como se dá esse tipo de construção social, feita a partir do olhar alheio, que devolve sempre a ideia de diferença – o negro, o estrangeiro, o pobre, o maconheiro. Essas são marcas sociais da diferença, marcas pesadas, e que não são exteriores aos indivíduos: elas se inscrevem em seus corpos.

Talvez seja por isso que esse trabalho venha colhendo respostas tão ambivalentes. Na verdade, tomadas a partir dessa perspectiva, tanto as fotos científicas e exóticas do século 19 como o trabalho de Jonathas de Andrade são igualmente ambivalentes. Por detrás da sensação de incompreensão, vigora a ambiguidade entre assumir (ou não) certa culpa diante do passado que se reinscreve no nosso presente. Estou me referindo ao passado escravocrata deste país, que foi o último a abolir a escravidão mercantil e só o fez após os Estados Unidos e Cuba. É o passado que volta no nosso presente, tal qual fantasmagoria, quando lembramos que o Brasil recebeu 45% das populações que saíram compulsoriamente do continente africano e que admitiu a vigência de tal sistema em todo o seu território. Por aqui, a escravidão se naturalizou. E é esse processo de rotinização que aparece estampado nas fotos de Jonathas: na brancura, na negritude, na morenice e na mestiçagem.

Penso que a força da obra de Jonathas de Andrade está na sua capacidade de sustentar o silêncio. E quando não achamos palavras é porque reina a contradição, o não dito. Ao público parece sobrar a dúvida entre assumir uma culpa alheia, digamos assim, ou ter certeza da memória incorporada. Nessas situações, no limite absurdas, é difícil reagir de frente. A violência e a intervenção diante do corpo do outro dói, mas dói também o reconhecimento da impotência e da aceitação como algo natural.

“Coisas da vida”, canta o bardo Roberto Carlos. Muitas vezes as etnografias são feitas de circunstâncias. Foi assim com a pesquisa de Wagley, que entrevistou uma série de brasileiros e os tornou anônimos. Foi assim com o trabalho de Jonathas, que permitiu que a agência alheia, as negociações dos seus modelos, virassem seu projeto de ponta-cabeça. “De que lado estamos nós?”, pergunta Howard Becker, num trabalho dedicado a comportamentos desviantes. “De que lado estamos nós?”, é a pergunta que parece ficar latente nesse belo trabalho de Jonathas.

Eu, mestiço lembra o anjo da história de Walter Benjamin, que olha para frente, com muita esperança, mas só vê ruínas em sua volta: adiante e para trás. A modernidade capenga que nos foi dada viver e presenciar encontra em Jonathas um crítico feroz, que faz da arte visual um convite à reflexão, uma reflexão em aberto. Nela, transparece uma sorte de ideal, que a um só tempo atrai, mas deixa de fora. De certa forma, viramos todos mestiços, profundamente alterados por esse trabalho que não nos deixa “sair”, da mesma maneira que não permite “entrar”. De alguma maneira, expulsa de vez e assim nos incorpora.///

 

Lilia Moritz Schwarcz é historiadora, doutora em antropologia social e professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na USP. É autora, entre outros, dos livros Brasil: uma biografia, As barbas do imperador, O espetáculo das raças e Lima Barreto: Triste visionário. Atualmente é curadora adjunta do Masp.

 

Mais informações sobre a exposição Corpo a corpo em: corpoacorpo.ims.com.br

 

Exposições

Uma seleção de exposições pelo mundo para quem gosta de fotografia

Veja uma seleção de exposições no mundo (e, aqui, no Brasil) para quem gosta de fotografia:

Chão comum: Fotografias de Fazal Sheikh, 1989-2013

A exposição é uma retrospectiva dos quase 25 anos de carreira do fotógrafo nova-iorquino Fazal Sheikh, reconhecido por seus trabalhos que buscam dar visibilidade a questões de violação dos direitos humanos de comunidades de refugiados da fome ou de conflitos bélicos. As mais de 170 fotografias mostram sobreviventes, órfãos e vítimas de violência e abusos em países como Paquistão, Afeganistão, Índia e Holanda.

Museu de Arte de Denver, Estados Unidos, até 12 de novembro

Mais informações aqui.

 


Feliz aniversário, Mr. Hockney: Fotografias

Exposição, que comemora os 80 anos do artista inglês, apresenta uma seleção de fotografias nos anos 1980. Hockney foi um dos pioneiros no uso de montagens e colagens fotográficas, usando principalmente uma câmera Polaroid para registrar vários ângulos de uma cena e depois trabalhar em composições e camadas para montar uma imagem única.

Museu J Paul Getty, Los Angeles, até 26 de novembro

Mais informações aqui.

 


Histórias recentes: Nova fotografia africana

Exposição reúne o trabalho de 14 artistas contemporâneos da África, que investigam temas ligados a questão de identidade, pertencimento e preocupações sócio-políticas, como migração e o legado colonialista. A mostra apresenta obras dos artistas Edson Chagas, Mimi Cherono Ng’ok, Andrew Esiebo, Em’kal Eyongakpa, François-Xavier Gbré, Simon Gush, Délio Jasse, Lebohang Kganye, Sabelo Mlangeni, Mame-Diarra Niang, Dawit L. Petros [imagem], Zina Saro-Wiwa, Thabiso Sekgala e Michael Tsegaye.

Coleção Walther, Neu-Ulm, Alemanha, até 29 de novembro

Mais informações aqui.

 


Perspectivas disruptivas

A exposição Perspectivas disruptivas reúne trabalhos de um grupo de jovens artistas que usam a fotografia para ampliar a visão de gêneros não-binários. Ao invés de entender a identidade como algo fixo e imutável, as imagens dos fotógrafos selecionados tomam questões de gênero e sexualidade como negociações engendradas pela psique humana, a passagem do tempo e a complexa relação entre o indivíduo e a sociedade. Participam da mostra os artistas Zackary Drucker & Rhys Ernst [imagem], Alexandre Haefeli, Laurence Rasti, Jess T. Dugan, Leonard Suryajaya, Lorenzo Triburgo e Barbara Davatz.

Museu de Fotografia Contemporânea, Chicago, até 22 de dezembro

Mais informações aqui.

 


Atravessar – Raymond Depardon

A obra do escritor, fotógrafo e diretor de cinema francês Raymond Depardon é o tema da grande retrospectiva produzida pela Fundação Henri Cartier-Bresson. A mostra está dividida em quatro grandes temas: A terra natal, A jornada, A dor e O Confinamento. São cerca de 100 fotografias, textos, filmes e documentos produzidos por Depardon ao longo de sua extensa carreira.

Fundação Henri Cartier-Bresson, Paris, até 24 de dezembro

Mais informações aqui.

 


Rineke Dijkstra – O único e os muitos

A fotógrafa holandesa Rineke Dijkstra é uma das grandes retratistas contemporâneas, com suas cores, composições e domínio da luz lembrando os grandes pintores holandeses. Rineke diz que tenta “capturar alguma coisa da personalidade dessas pessoas, mas ao mesmo tento extrair algo de universal no que diz respeito à humanidade também”.

Museu de Arte Moderna de Louisiana, Dinamarca, até 30 de dezembro

Mais informações aqui.

 


Gus Van Sant – Ícones

A exposição Ícones faz uma ampla retrospectiva não apenas da obra cinematográfica do diretor norte-americano, mas também de seu trabalho como fotógrafo, pintor e diretor de clipes musicais. As fotografias de Van Sant englobam uma série de polaróides feitas nos anos 90 de atores e anônimos até trabalhos para revistas de moda e de música.

Museu de l’Elysée em Lausanne, Suíça, até 7 de janeiro

Mais informações aqui.

 


Vida espelhada: André Kertész (1894–1985)

A retrospectiva da obra de André Kertész em cartaz no Foam vai desde seus primeiros trabalhos realizados na Hungria, seus país natal, passando por Paris, onde foi um dos grandes representantes da fotografia no período da avant-garde (de 1925 a 1936), até chegar em Nova York, onde viveu por quase 50 anos. Além de suas famosas imagens em preto e branco, a mostra apresenta seus trabalhos menos conhecidos em fotos coloridas.

Foam, Amsterdã, até 10 de janeiro

Mais informações aqui.

 


Walker Evans

A exposição em cartaz no MoMA de São Francisco apresenta a obra do fotógrafo Walker Evans pelo filtro de uma de suas obsessões: a cultura popular norte-americana do século 20 e seus cartões-postais, fotografias vernaculares, cartazes e placas, tudo parte de sua coleção particular. Além destes objetos, a retrospectiva mostra mais de 300 fotografias de Evans, várias delas nunca exibidas anteriormente.

MoMA, São Francisco, até 4 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Histórias instantâneas – As polaróides de Wim Wenders

 

A Photographers’ Gallery expõe mais de 200 fotografias polaróides feitas pelo cineasta alemão Wim Wenders ao longo das décadas de 70 e 80. As imagens vão de retratos de amigos, atores e familiares até paisagens e bastidores das filmagens de alguns de seus filmes, como O amigo americano, Paris, Texas e Alices nas cidades.

Photographers’ Gallery, Londres, até 11 de fevereiro.

Mais informações aqui.

 


Ponto/Contraponto: fotografia contemporânea mexicana

A mostra Ponto/Contraponto: fotografia contemporânea mexicana, apresenta um recorte da produção atual de 19 artistas mexicanos que exploram as visões políticas, sociais e econômicas de um país arraigado em tradições, mas que busca um novo futuro. Destaque para os trabalhos de Iñaki Bonillas, Guillermo Arias [imagem], Patricia Martín, José Luis Cuevas, Maya Goded e Dr. Lakra.

Museu de Artes Fotográficas, San Diego, até 11 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Ai Weiwei – Espelho

A fotografia ocupa uma espaço importante e relevante na obra do artista chinês Ai Weiwei. A exposição em cartaz no museu belga apresenta desde trabalhos bastante politizados dos anos 90, como a série Estudo de perspectiva, até seu feed diário de selfies e fotografias postadas em grande volume em redes sociais como o Instagram e o Twitter.

Museu Fomu de Antuérpia, Bélgica, até 18 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Malick Sidibé – Mali Twist

A fundação francesa apresenta uma abrangente retrospectiva de Malick Sidibé e suas fotografias cheias de vitalidade da juventude de Bamako, capital do Mali, nos anos 60. Apelidado de “o olho de Bamako”, Sidibé é hoje reconhecido e exibido nos principais museus e instituições culturais do mundo.

Fundação Cartier, Paris, até 28 de fevereiro

Mais informações aqui.

 


Espelhos de prata – Harry Grant Olds e Alfredo Srur

A exposição organizada pela Fototeca Latinoamericana, de Buenos Aires, apresenta a obra do fotógrafo americano Harry Grant Olds, que no último ano do século 19 decide se mudar de sua cidade natal no estado de Ohio para explorar a América do Sul com um câmera 4 x 5. Vivendo em Valparaíso, no Chile, e depois em Buenos Aires, o fotógrafo registrou várias localidades da região durante a primeira metade do século passado. A mostra em cartaz apresenta o trabalho de busca e restauração realizado pelo fotógrafo Alfredo Srur, que recupera as placas originais de Olds e também vai a lugares visitados pelo americano para realizar novas imagens.

FoLa, Buenos Aires, até 4 de março

Mais informações aqui.

 


Clube 57: Filme, performance e arte no East Village, 1978–1983

O Clube 57, localizado no East Village, em Nova York, foi um local de intensa produção cultural nas décadas de 1970 e 1980. A exposição do MoMA examina a cena local e mostra filmes, fotografias e registros de performances que aconteceram no local, que teve como curadores nomes como  Keith Haring, Susan Hannaford e Tom Scully, entre outros.

MoMA, Nova York, até 1 de abril

Mais informações aqui.

 

 


Música dos balcões

Ed Ruscha

Esta exposição mostra de maneira abrangente o trabalho do artista norte-americano Ed Ruscha (1937), incluindo séries fotográficas, pinturas e desenhos dos anos 60 até os 2000. Ruscha desenvolveu sua obra tendo como referência as paisagens urbanas do oeste americano, principalmente em torno do imaginário ligado a Los Angeles e Hollywood.

Galeria Nacional da Escócia, Edimburgo, até 29 de abril de 2018

Mais informações aqui.

 

 

Exposições

Exposição: Álbum apresenta a obra em processo de Mauro Restiffe

Agnaldo Farias & Mauro Restiffe

Fotografia Mirante #6, 2004, de Mauro Restiffe, na exposição Álbum.

Título da grande mostra antológica de Mauro Restiffe, Álbum resulta de um considerável esforço do artista e do curador Rodrigo Moura que, ao longo de três anos, conversaram e se debruçaram sobre um vasto acervo de obras inéditas, um número da ordem de 35 mil fotografias produzidas num arco temporal que vai de 1989 até este ano de 2017, extraído do universo muito maior de 130 mil, que compõe todo o acervo do artista, até finalmente chegarem ao enxuto conjunto de 143 fotos de diversos tamanhos, invariavelmente em preto e branco, marca registrada de Restiffe. Por si só, o nome da exposição põe em perspectiva o processo de produção e seleção das obras existentes e a serem produzidas.  Fonte de infinitas combinações. Como está, ocupando um dos andares da Estação Pinacoteca, cada sala abriga um núcleo: Paisagens e multidões, Álbum, Enquadramentos e construções. E articuladas às fotografias escolhidas, a grande novidade da mostra, 25 pinturas de diferentes épocas emprestadas das coleções do MASP e da própria Pinacoteca.

O resultado é surpreendente sob vários aspectos, a começar, é claro, pela força poética do trabalho de Mauro Restiffe. É certo que a essa altura já devíamos estar acostumados com suas surpresas. Foi assim que ele, em 2002, na Galeria Thomas Cohn, em São Paulo, irrompeu no circuito profissional, numa exposição em que trançava fotografia com arquitetura e pintura, tudo isso embasando sua crítica sobre o papel protagonista da imagem no mundo contemporâneo, apesar de sua insuficiência, da sua inevitável natureza enigmática mesmo quando pensa efetuar um registro preciso do mundo. Restiffe, já de saída, ironizava as ilusões da fotografia de extração documental, a arrogância dos fotógrafos patente no nome da sua lente mais habitual: “objetiva”. A mirada do artista  aponta sempre para o que não está à vista, um exercício constante fundado no olhar divergente, oblíquo, como também para o retrato de um mundo desconcertado.

Detalhe da exposição Álbum, 2017, de Mauro Restiffe, na Estação Pinacoteca.

Moura e Restiffe aliaram-se para cascavilhar o acervo do fotógrafo. E a qualidade do que está sendo exposto atesta um artista ainda mais importante do que pensávamos. Advirta-se para o fato de que o modo como as fotografias combinadas com as pinturas são apresentadas tem um papel essencial dentro dessa exposição, tornando ostensiva a presença do curador, levando a concluir que se trata de um trabalho realizado a quatro mãos, numa proporção nivelada, o que vai além do corriqueiro, e, no tocante à montagem, impossibilita saber até onde um vai e o outro entra.

Se entre nós essa estratégia é uma novidade, por outro lado a maior ou menor presença do curador não deveria ser entendida como um problema, dado que toda e qualquer exposição passa pelo seu crivo, resulta da seleção e do modo de ajustá-la ao espaço expositivo. Um diálogo com a obra, ou com um conjunto de obras – pense-se numa coletiva –, que pode acontecer, ou não, diante dos artistas responsáveis por elas. Como bem se sabe, não existem leituras absolutas de nada, o que existem são leituras convincentes em maior ou menor grau, e entre elas as que são simplesmente deploráveis.

Nesse sentido, vale ressaltar a contribuição de Rodrigo Moura na leitura da produção contemporânea, brasileira e internacional. Há anos venho acompanhando seu trabalho, percebendo seu refinamento constante, levando-me a considerá-lo um dos nossos mais interessantes curadores em atividade. Na condição de professor universitário que leva regularmente seus estudantes à Inhotim, visitei mostras coesas, compostas por obras de alta qualidade, organizadas por ele. Penso que nossa comunidade artística ainda não reconheceu sua atuação na constituição do expressivo acervo da extraordinária artista romena Geta Brătescu e, menos ainda, louvou aquela que, salvo engano, foi sua realização maior, o verdadeiro museu consagrado à magnífica obra de Claudia Andujar.

Diante do exposto, conclui-se que o diálogo entre Moura e Restiffe só podia ser de primeira grandeza, ainda que essa qualidade não seja homogênea. Nesse sentido, para situar o leitor, convém salientar que tanto a primeira sala, reservada a Paisagens e multidões, quanto a terceira, Enquadramentos e construções, são resolvidas de modo semelhante: polípticos formados por grupos de fotografias associados a pinturas. Demonstrando grande destreza no trato com o espaço, os subconjuntos de obras não são pensados apenas isoladamente ou na relação com os outros subconjuntos. Mais do que isso, todos eles são dispostos e organizados segundo a extensão e até mesmo a posição da parede. Em Paisagens e multidões, por exemplo, a parede da esquerda acolhe fotografias e pinturas protagonizadas por paisagens. As pessoas, quando há, ficam diminuídas diante de um mundo desbordado, até o desfecho da narrativa, com um homem adernado num sofá, cochilando sob uma paisagem imensa, apenas pintada. A segunda parede, do fundo da sala, numa orientação diversa, traz a princípio paisagens vistas a partir de promontórios artificialmente construídos, a serviço do olhar dos visitantes que podem, desde um lugar seguro, contemplar a natureza. Prossegue daí para imagens pautadas em reproduções de imagens, imagens de segunda mão, até fotógrafos flagrados num mirante em busca de pontos de vista mais originais. Por fim, na terceira parede, já não há paisagem natural, mas sim vistas urbanas, e predomina o ajuntamento de pessoas, desde a Proclamação da República, representada pelo quadro de Benedito Calixto, ao lado do empossamento de Lula, cerimônia realizada em 2003.

As aproximações e colisões temporais e formais vão se sucedendo nessas duas salas. As composições são de natureza variada. Como se trata de fotografias e pinturas de dimensões diversas, e no caso das segundas deve-se considerar ainda o tamanho e o rebuscamento das molduras, os grupos ensejam muitas soluções: dípticos simples, assimétricos, polípticos estelares que se irradiam no campo da parede ou peças isoladas, contraídas como ilhas, convidando o visitante a uma apreciação mais concentrada. O exercício cuidadoso remete às apuradas lições de montagem do cineasta russo Serguei Eisenstein ou, aproximando-se do universo fotográfico, das noções de sequência de Nathan Lyons, Duane Michals e Miguel Rio Branco. A proposta é instigante e no geral bem resolvida, embora esbarre em associações fáceis, como a relação entre um Metaesquema de Hélio Oiticica e as portas abertas de um armário embutido, situação que termina por banalizar ambos achados. A grande preocupação em associações como essa é que uma peça do mosaico não tire a força do outro. Mas não quero ser injusto ao fazer essa ressalva, posto que nessas duas salas as combinações são bem-sucedidas. Minha questão é com a sala maior, a do meio, justamente a que dá nome à exposição.

O núcleo Álbum é um trabalho extraordinário, um desses tour de force diante do qual tem-se a aguda consciência que se está diante de uma obra-prima. A parede da esquerda é composta por uma longa série constituída por 75 imagens, dispostas acima e abaixo de uma linha comprida, desenhada pelo encontro das molduras de fotos e pinturas. Humilde, pungente no modo como o artista insinua-se para dentro de sua própria família, Álbum é um hino à vida comum, toda ela permeada de alegrias e tristezas, de momentos sublimes como o nascimento dos filhos, do pai, que já conhecíamos das imagens anteriores, numa cama de hospital, das crianças amontoadas numa bagunça tão corriqueira, dormindo sobre a mãe, as férias na praia, a cálida alegria pelo corpo da esposa, a contemplação de duas pessoas trepadas numa escada, curiosas com algo além do muro, a foto com o irmão, a mãe acariciando o cachorro. Vê-se tudo isso com indizível carinho, posto que tudo isso é amor. Mas uma questão se coloca:  o que aquelas pinturas estão fazendo lá? Eu rigorosamente não entendo, elas nada mais fazem senão estorvar uma narrativa que sabemos ser infinita, mais não fosse porque se trata de nossas próprias vidas. Elas são intrusas, por mais que se lhes aponte a pertinência quanto ao gênero. É uma lição de história da arte desnecessária, até porque a arte se revela justamente quando acontece de nos esquecermos dela, deixamos de reverenciá-la para quedarmo-nos extáticos, simplesmente isso. ///

 

Álbum, até o dia 6 de novembro na Estação Pinacoteca, SP.
Mais informações aqui.

 

Agnaldo Farias é professor de História da Arte da FAU-USP. Foi curador da 29a. Bienal de São Paulo em 2010 e da Bienal de Cuenca, de 2011. Atualmente está preparando a Bienal de Coimbra, de 2019.

 

Exposições

Uma seleção de exposições no Brasil para quem gosta de fotografia

Veja uma seleção de exposições no Brasil (e, aqui, no exterior) para quem gosta de fotografia:

 São Paulo

 

 

Miguel Rio Branco: Nada levarei qundo morrer

Em 1979, Miguel Rio Branco frequentou por alguns meses o bairro Maciel, na região do Pelourinho, em Salvador. O resultado foi a famosa série de fotografias que leva o nome do bairro. Agora, quase 40 anos depois, o Masp apresenta a exposição Miguel Rio Branco: Nada levarei qundo morrer, uma nova visita do fotógrafo a estas imagens.

Masp, até 1 de outubro

Mais informações aqui.

 


Álbum: Mauro Restiffe

A Pinacoteca de São Paulo apresenta Álbum, a primeira exposição panorâmica da obra de Mauro Restiffe em um museu brasileiro. Com curadoria de Rodrigo Moura, o trabalho fotográfico de Restiffe é apresentado em diálogo com pinturas selecionadas dos acervos da Pinacoteca e do MASP e é dividido em grupos de obras, cujos interesses vão da paisagem ao retrato, da abstração à arquitetura, da política ao cotidiano.

Estação Pinacoteca de SP, até 06 de novembro

Mais informações aqui.

 


Corpo a corpo

A exposição Corpo a corpo, que inaugura o novo IMS-Paulista, celebra a nova produção brasileira em fotografia, cinema e vídeo através de sete trabalhos de Bárbara Wagner, Coletivo Garapa, Jonathas de Andrade, Letícia Ramos, Mídia Ninja e Sofia Borges [imagem].

IMS Paulista, até 30 de dezembro

Mais informações aqui.

 


Robert Frank: Os Americanos e Os Livros e os Filmes

O IMS Paulista apresenta, pela primeira vez no Brasil, Os americanos, de Robert Frank, um dos nomes mais importantes da história da fotografia. A série, com 83 fotografias em cópias da década de 1980, pertence à coleção da Maison Européenne de la Photographie e é uma das poucas séries completas da obra de Frank. A exposição traz também Os livros e os filmes, projeto desenvolvido em parceria com o editor Gerhard Steidl.

IMS Paulista, até 30 de dezembro

Mais informações aqui.

 


Câmera aberta, de Michael Wesely

Câmera aberta é um projeto do artista alemão Michael Wesely iniciado em 2014 a convite do IMS. Wesely instalou seis câmeras – quatro analógicas e duas digitais – nas fachadas dos edifícios vizinhos à obra do IMS Paulista, que capturaram continuamente imagens das quatro faces do novo centro cultural sendo construído. As imagens foram captadas por meio de uma técnica desenvolvida pelo artista, que utiliza câmeras construídas por ele que permitem expor um mesmo negativo ao longo de muitos anos, condensando diversos momentos em uma única fotografia.

IMS Paulista, até 30 de dezembro

Mais informações aqui.


Rio de Janeiro

 

Natureza Concreta

Entre fotografias, vídeos e instalações em formatos variados, a coletiva Natureza Concreta apresenta 94 obras que discutem as relações dos seres humanos com a natureza e o mundo que os cerca. Participam da exposição 17 artistas e grupos brasileiros, incluindo Alexandre Sant’Anna, Ana Quintella & Talitha Rossi, Bruno Veiga, Cássio Vasconcellos, Claudia Jaguaribe, Gilvan Barreto [imagem], Iatã Cannabrava, José Diniz, Luiz Baltar, Pedro Motta, Rogerio Faissal e Rogério Reis

Caixa Cultural Rio de Janeiro, até 12 de novembro

Mais informações aqui.

 


Chichico Alkmim, fotógrafo 

Em cartaz no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, a exposição Chichico Alkmim, fotógrafo apresenta mais de 300 imagens produzidas pelo fotógrafo mineiro na primeira metade do século 20. Segundo Eucanaã Ferraz, curador da mostra, “Chichico é daqueles fotógrafos que parecem ter o poder de fazer vir ao primeiro plano a vida de seus modelos. E é patente a densidade existencial que se expressa no conjunto de características físicas que chamamos fisionomia, compreendida como a realização momentânea de um destino”.

Instituto Moreira Salles – RJ, até 29 de outubro

Mais informações aqui.

 


Espelhos d’agua – Luiz Braga

A exposição individual reúne cerca de 30 trabalhos, a maioria inéditos, produzidos desde os anos 1980 até hoje. Destaque para as imagens em preto e branco de sua Belém natal, da Ilha de Marajó e dos arredores da região amazônica paraense.

Galeria Gávea, até 17 de novembro

Mais informações aqui.

 


Feito poeira ao vento

A exposição mostra parte do acervo de fotografia do Museu de Arte do Rio – MAR, com cerca de 250 imagens de 112 artistas, que vão desde o século 19 até os dias de hoje. Feito poeira ao vento apresenta trabalhos de nomes como Marc Ferrez, Kurt Klagsbrunn, Pierre Verger, Walter Firmo, Evandro Teixeira, Guy Veloso [imagem], Rodrigo Braga, Marcos Bonisson e Rogério Reis, entre outros.

Museu de Arte do Rio, até 1 de julho de 2018

Mais informações aqui.

 


Curitiba

 

Masao Yamamoto: o sensei das imagens pequenas

O Museu Oscar Niemeyer exibe o trabalho do artista japonês Masao Yamamoto, em sua primeira exposição individual em Curitiba. A mostra reúne três séries fotográficas distintas: A Box of Ku, Nakazora e Kawa=Flow, produzidas entre 1989 e 2016.

Museu Oscar Niemeyer, até 22 de outubro

Mais informações aqui.

 

 

 

 

Exposições

Fotografia latino-americana é destaque na programação do festival de Arles 2017

Sérgio B. Gomes

Equador, de Paco Salazar, Quito, 1994. Cortesia do artista.

Este ano, os Encontros de Fotografia de Arles, um dos principais festivais de fotografia do mundo e que toma conta da cidade do interior francês nos meses de verão, tinham a clara intenção de abraçar uma grande diversidade de geografias e de congregar no mesmo espaço diferentes identidades ligadas à produção de imagem, sobretudo fotográfica, mas não só. A fotografia pode ser uma ferramenta útil para decodificar o que ocorre numa sociedade, num país, num bairro, numa casa, num cotidiano individual ou coletivo, por mais “fechada” ou turbulenta que seja essa realidade. Nesse exercício de olhar para o que nos é distante (a partir de e em qualquer direção), há sempre armadilhas ligadas a exotismos vários, maravilhamentos cegos, paternalismos exagerados e atitudes condescendentes. Em suma, o perigo de olhar para o outro como se ele fosse “o outro” e não nós mesmos.

A primeira virtude da programação proposta este ano por Sam Stourdzé, diretor do evento, é a de ter conseguido reunir uma série de mostras dentro do tema Latina!, que se impuseram por mérito próprio nos pontos nevrálgicos da intrincada (e disputada) coreografia de exposições do centro de Arles. Ou seja, mesmo se não fosse uma das principais linhas dos Encontros e nem se beneficiasse de um (natural) acréscimo de visibilidade entre as iniciativas do festival, a existência dessas exposições no coração da cidade já teria sido uma aposta ganha.

Numa edição particularmente eficaz na construção e desconstrução de conceitos rígidos relacionados com fronteiras (muito além da sua acepção política e das linhas imaginárias ou físicas que separam países), Latina! não cumpriu aquele papel burocrático e politicamente correto de preenchimento de uma cota geográfica que eventualmente lhe estivesse “reservada”. Nem se abrigou à sombra do forte impulso proporcionado pela atual celebração do França-Colômbia, que tem desdobrado iniciativas de todo o tipo nos dois lados do Atlântico. Nestas ocasiões, quando jorra dinheiro público e há por parte dos dois celebrantes a intenção de não melindrar o outro de maneira nenhuma, qualquer coisa que se ponha no avião para cruzar o oceano (do mais medíocre ao mais institucionalmente domesticado) pode muito bem ser louvada com a grandeza de uma obra-prima. Não foi o caso de Latina! que, para além de Stourdzé, tem a marca de mais cinco curadores.

Sem ser extraordinariamente ambiciosa em número de exposições, a programação do Latina!, orientada em torno de quatro mostras, revela-se muito equilibrada e diversificada no que diz respeito aos usos da imagem fotográfica, reunindo trabalhos que tanto indicam como essa estética é levada a extremos por artistas visuais contemporâneos (mais próximos ou mais distantes), como recuperam as utilizações do fotográfico nas mais diversificadas manifestações da imagética vernacular. Esse equilíbrio manifesta-se ainda na tipologia das exposições, com duas coletivas muito distintas (Pulsões urbanas – fotografia latino-americana, 1960-2016 e A volta – 28 fotógrafos e artistas colombianos), uma retrospectiva (Paz Errázuriz – uma poética do humano) e aquilo que podemos chamar de turbilhão kitsch (A vaca e a orquídea – fotografia vernacular colombiana).

A escolha de ocupar vários ambientes da cidade também se revelou certeira. As exposições de Latina! não foram confinadas a um único lugar, detalhe que pode parecer sem importância, mas que ajuda a quebrar uma velha tentação de juntar “os da mesma origem” no mesmo espaço, um bairrismo onde o difícil é encontrar algum efeito positivo.

No geral, o destaque negativo vai para a pouco equilibrada representatividade do gigantesco universo latino-americano, com um claro favorecimento da Colômbia, em detrimento de outros grandes universos fotográficos desta região, como o clássico México (por sinal, já muito revisitado) ou a Argentina e o Brasil, ainda pouco conhecidos na Europa, para além dos grandes nomes. Devido à celebração do ano França-Colômbia, isso era algo esperado, mas não obrigatório. Os Encontros podiam ter aproveitado o foco sobre um país e voltar os olhos para toda a região, que a própria organização apelidou de “terra da fotografia”.

Colômbia, de Viki Ospina, Bambuco, 1977. Cortesia do artista.

Um extraordinário exemplo da riqueza dessa produção em torno da fotografia é dado por Pulsões urbanas, exposição de onde se sai com a sensação de conhecer pouco este universo fotográfico. Organizada a partir da vasta coleção privada de Leticia e Stanislas Poniatowski – que há 15 anos reunem imagens produzidas na América Latina, com foco na vivência da cidade – , Pulsões é uma das exposições mais surpreendentes da programação de todo o festival. Isso se dá não tanto pela visão renovada e ampliada com que nos apresenta o vibrar da cidade latino-americana (o que já seria bom), mas sobretudo pela potência do que é mostrado e pela riqueza de olhares com que o faz. Percorrendo as paredes, é possível sentir a força, a violência, a tensão, a saturação e o imenso frenesi da urbe. Depois de duas apresentações no Museu do Banco da República de Bogotá, em 2013, e, um ano depois, no ICP, de Nova York, com o nome Urbes Mutantes, a exposição que chega agora a Arles foi reformulada de maneira a receber novas imagens e novos artistas da mesma coleção que, contam os curadores Alexis Fabry e María Wills Londoño, não para de crescer.

A dupla Fabry/Londoño, que já assinou outras mostras tendo a América Latina como pano de fundo, como a Fogo latino (PhotoEspaña 2015), a partir da coleção de Anna Gamazo de Abelló, consegue a proeza de nos manter permanentemente atentos numa exposição com centenas de fotografias. E, no final, com vontade de ver ainda mais, de perceber como a cidade se tornou um ente que respira, que vive e morre, que se embeleza, que festeja, se contorce, se expande e se mutila. A cidade como utopia modernista e como um dos símbolos máximos do triunfo capitalista.

O movimento das cidades foi sempre sujeito privilegiado dos fotógrafos. Tem a fotogenia (que uma certa fotografia procura) e a transformação que toda a fotografia gosta de contrariar. Pulsões urbanas concentra-se na produção fotográfica dos últimos 50 anos para construir um panorama rico que nos põe a pensar (como era desejo dos curadores) sobre “os efeitos das mutações e as hibridações” a que foram sendo sujeitos os grandes centros urbanos latino-americanos, driblando toda a carga de falsa alteridade sugerida pelo exotismo e o seu imaginário visual indígena e rústico. Vemos a cidade encravada entre as contradições de um mundo pré-ibérico e outro pós-colonial, a maneira por vezes desorganizada como cresce, assimilando o rural e o popular, fazendo-os viver em cápsulas do tempo no meio de um progresso inexorável, estridente e amoral.

Num percurso dividido por nove grandes grupos, que começa em Aberto à noite e termina em Os condenados, esta é uma daquelas exposições que devia empreender a reescrita da história da fotografia canônica construída a partir de perspectivas demasiado “europeizadas”. Ainda assim, apesar da imensa diversidade de autores oriundos de geografias latino-americanas (com destaque para a Colômbia e o Chile), o Brasil está claramente sub-representado, com apenas três fotógrafos em todo o percurso: Rosa Gauditano, Ayrton de Magalhães e Miguel Rio Branco.

Evelyn, de Paz Errázuriz, da série Pomo de Adão, La Palmera, Santiago, 1983. Cortesia da galeria AFA, Santiago, Chile.

A partir dos artistas escolhidos para Pulsões urbanas poderiam ser feitas várias exposições retrospectivas como a que foi dedicada a Paz Errázuriz, tal a profusão de percursos artísticos de grande calibre, como os de Fernell Franco, Johanna Calle ou Armando Cristeto. O que vemos no Atelier de la Mécanique é a singularidade, a teimosia e uma capacidade ímpar de mostrar mundos que foram sendo atirados para as margens (prostitutas, cegos, travestis, artistas de circo, alcoólatras, mendigos…). Ao percorrermos as séries de Errázuriz, percebemos como é extraordinariamente sutil a sua maneira de nos pôr a olhar para o que geralmente se esconde, para o que não quer ser visto ou para o que, como na maior parte dos casos, é escondido.

Demônio negro, de Paz Errázuriz, da série Lutadores do ringue, 2002-2003. Cortesia do artista.

Paz, dizem as suas notas biográficas, mais do que uma andarilha foi uma nômade no seu país, galgando lugares remotos que vão da Patagônia às ruas de Talca, Valparaíso ou Santiago. Não fez, contudo, da paisagem o seu objeto fotográfico, preferindo quase sempre o rosto humano, na sua imensidão, na sua singularidade. Na grande retrospectiva apresentada em Arles (vinda da Fundação Mapfre, em Madri), confirmamos como Paz Errázuriz nunca precisou apontar dedos acusadores para dizer com a sua fotografia aquilo que sempre quis dizer; vemos com nitidez e sem subterfúgios de nenhum tipo a sua opção de se colocar ao lado dos que estão em situações sociais mais fragilizadas e desprotegidas; percebemos como nunca precisou gritar para falar com autoridade, que lhe advém da imensa solidez ética com que foi construindo a sua obra, da qual fazem parte séries tão emblemáticas quanto Pessoas, Memento mori, O pomo de Adão, Prostíbulos, Cegueira, Os nômades do mar, A luta contra o anjo ou O circo. Saímos do meio do trabalho de uma vida, como o de Paz Errázuriz, com várias imagens na memória, como aquele rosto do boxeador VI, eterno, quase imaculado.

Jogo de probabilidades, de Oscar Muñoz, 2007. Cortesia do artista e da galeria Mor Charpentier, Paris.

Ao contrário das duas exposições já referidas, A volta – 28 fotógrafos e artistas colombianos foi produzida especificamente para os Encontros. Em dois pisos da capela Saint-Martin du Méjan é possível sentir o pulsar da produção artística contemporânea colombiana que lida com a imagem fotográfica e com o vídeo. Ao contrário de uma das exposições mais badaladas da edição deste ano, Irã, ano 38, cujos 66 autores apresentados parecem poucos diante do que há para se mostrar e dizer sobre o país, os 28 nomes escolhidos para A volta dão a impressão de muitos para o estado da arte que se quis levar até Arles e que parte do final dos anos 80 até hoje. A maioria lida com questões históricas traumáticas dos últimos 60 anos, profundamente marcados por tensões sociais e políticas e pela guerra civil. Neste particular, a exposição parece bem resolvida com um punhado de obras de grande intensidade e valia (casos de Óscar Muñoz e Miguel Ángel Rojas). No entanto, áreas como Cartografias urbanas, onde há trabalhos relativamente redundantes (Rosario López e Andrea Acosta), deixam a sensação de que seria necessário escavar muito mais o passado para trazer propostas mais estimulantes e criativamente surpreendentes.

Ao mesmo tempo que cita os mais recentes desenvolvimentos políticos (e históricos) do país (acordo de paz entre o Governo e as FARC, rejeição do referendo sobre os termos desse acordo, Prêmio Nobel da Paz para o Presidente Juan Manuel Santos), dando a entender que será possível encontrar produção artística nova em relação a esses acontecimentos (o que não chega a acontecer em nenhuma das obras apresentadas), A volta promete um estado da arte do “dinamismo” das últimas décadas. Certo é que, não desmerecendo o retrato que é feito sobre isso, os curadores parecem ter sido apanhados pelo turbilhão de acontecimentos que rodearam a Colômbia nos últimos meses sem que tenham tido a capacidade de lhes responder com arte fresca, recente. Sabemos que seria um exercício bem mais arriscado, apesar de mais estimulante – descobrir a arte que parece andar ombro a ombro com as últimas manifestações da realidade.

Hulk, de Juan Pablo Echeverrí, 2011. Cortesia do artista.

A coletiva A volta, com curadoria de Stourdzé e Carolina Ponce de León, pretendia sentir o pulso da arte da Colômbia contemporânea, mas a sensação que fica é que a realidade enganou-a, e fez com que passássemos a olhar para ela sobretudo como o resumo de um mundo defasado do momentum atual. Sem dúvida esse sentimento é evidente nos trabalhos cuja mensagem política é explícita, mas A volta apresenta propostas de outros universos criativos, como aquele que lida com o meio ambiente e com a natureza, onde se destaca Alberto Baraya, com Herbário de plantas artificiais (2012-2016), uma fina ironia ao deslumbramento colonial pela natureza exuberante, ou (outra vez) Johanna Calle, com Terra quente (2012-2013), um exercício de percepção, de escala e de memória sobre os poderes latentes do fotográfico; ou ainda as propostas que se concentram na vivência nas cidades, com destaque para o vídeo Ação de repetição (2010), de A virgem do milagre produções, uma reflexão estimulante sobre o  cotidiano social e psicológico urbano; ou Andrés Felipe Orjuela, com Arquivo morto (2013), um trabalho que lida com a construção e com a deformação da realidade a partir de fotografias do arquivo do extinto tablóide El Espacio.

Anônimo, anos 1980.

No que diz respeito a confusão de realidades, A vaca e a orquídea – fotografia vernacular colombiana é imbatível. Diz Timothy Prus, curador da mostra, que “a Colômbia, à semelhança da fotografia, nunca é aquilo que pretende ser”. A exposição que montou em Arles – dando continuidade a uma presença  constante do vernacular na programação oficial, trazida sobretudo pelo holandês Erik Kessels – demonstra de forma aguda como essa afirmação provocatória pode ter algum fundo de verdade. As paredes do espaço Croisière estão carregadas de imagens que Prus, editor do Arquivo de Conflitos Modernos, juntou ao longo dos últimos dez anos. E se à primeira vista temos a sensação de estar perante um amontoado caótico, um olhar um pouco mais demorado faz com que descubramos logo outras imagens – umas dentro das outras, umas sobrepostas às outras; umas grandes, como pano de fundo de outras, menores; umas bidimensionais, outras tridimensionais; outras ainda a surgir na nossa imaginação.

Dois lutadores, Bogotá, 1956. Cortesia de Manuel H.

Para A vaca e a orquídea, Prus convocou de maneira emocional e intuitiva toda a parafernália da imagética vernacular (capas de discos, fotografias de estúdio, fotografias de rua…), juntou um pouco de fotografia histórica (há albuminas e cópias de outros processos de impressão históricos), uns grãos de imagens com um toque vintage e ainda uns grãozinhos de pretensa “fotografia de autor”. A caldeirada tem ingredientes de sobra, mas é impossível entrar na Croisière e não participar por um momento que seja neste festim da imagem; de provar um pouco da tragicomédia servida por um país que viveu décadas mergulhado na incerteza e que agora vislumbra voltar à normalidade.

Ao mesmo tempo que somos esmagados por uma avalanche de imagens de uma incrível diversidade, sentimos a tentação de fazer um certo tipo de respiração através delas, como se fossem o tônico certo para nos fazer descansar ao ritmo de uma música onipresente, que não cessa. A ausência de tese (quem vê é que decide o que quer retirar do que lhe é mostrado), ou de qualquer sentido óbvio levam-nos a uma espécie de êxtase, um estado em que podemos escolher qualquer caminho sem medo de errar. Em A vaca e a orquídea (dois símbolos nacionais de Colômbia) todos os caminhos contam e todos servem para chegar a algo que vagamente se possa chamar de “objetivo”: o prazer da imagem.///

 

Sérgio B. Gomes é jornalista e escreve sobre fotografia no jornal português Público desde 1999. É pesquisador da história da fotografia em Portugal, júri de vários prêmios, curador de exposições e editou por dez anos o blog Arte Photographica (2005-2015).