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Projeto brasileiro cataloga livros de fotografia nacionais e latino-americanos em base de dados online

Publicado em: 21 de outubro de 2020

René Burri. Brasília, livro de René Burri, 2011. Reprodução da Base de Dados de Livros de Fotografia.

Lançada no início de 2020, a Base de Dados de Livros de Fotografia (BDLF) nasceu da vontade de Leonardo Wen, responsável pelo projeto, de suprir a demanda por uma “plataforma online que inventariasse a produção editorial brasileira e latino-americana de forma consistente e ampla”. Inicialmente focado em cadastrar livros de fotografia sobre a cidade de Brasília, a Base de Dados ganhou novas funcionalidades no início de outubro, com a implementação de uma segunda versão do site.

Em entrevista, Wen conta mais sobre o projeto e os próximos passos para ampliar ainda mais o escopo de interesse da BDLF. Leia abaixo.

 

Isto é Brasília, catálogo turístico sobre a cidade, 1966. Reprodução da Base de Dados de Livros de Fotografia.

Como surgiu a ideia de criar a Base de Dados de Livros de Fotografia?

Leonardo Wen: A ideia inicial surgiu em 2017 como uma Plataforma de Fotolivros, focada nas publicações mais contemporâneas. Apesar da enorme quantidade de livros publicados nessas últimas duas décadas, notava-se que ainda não existia uma plataforma online que inventariasse a produção editorial brasileira e latino-americana de forma consistente e ampla. Existiam, de fato, algumas iniciativas importantes como o Fotoplus (do Ricardo Mendes), o Africa in the Photobooks (Ben Krewinkel) ou o site do austríaco Josef Chladek. Mas a intenção era desenvolver uma enciclopédia muito mais abrangente – uma espécie de IMDB dos livros fotográficos.

Para isso, o desafio principal era criar um sistema informativo e um método de trabalho que nos permitisse inventariar não apenas o catálogo das grandes editoras, mas também a produção editorial independente, incluindo os catálogos das pequenas editoras e as edições de autor, mesmo aquelas lançadas em baixíssima tiragem e sem registro ISBN. Ademais, era importante que a plataforma fosse independente de qualquer coleção física, para que o acervo online não ficasse restrito às publicações presentes em uma determinada biblioteca.

Num projeto dessa natureza, a terminologia tem um papel fundamental, e cada termo descritivo adotado gera uma série de implicações no funcionamento do sistema. Logo no início do projeto percebemos de imediato as limitações que o termo “fotolivro” nos trazia: apesar de ser uma expressão amplamente aceita e utilizada no meio fotográfico, é um termo impreciso no ponto de vista técnico e conceitual, tanto no campo das Artes como na Biblioteconomia.

Diante disso, abandonamos o conceito da Plataforma de Fotolivros e ampliamos o escopo do projeto, visando constituir uma Base de Dados de Livros de Fotografia – ou seja, uma plataforma que abarcasse também todos os outros tipos de publicações fotográficas, como coletâneas, antologias, catálogos de exposição, livros de artista fotográficos, jornais e revistas especializadas, etc.

 

Existem critérios estabelecidos para que o livro faça parte da Base de Dados? Quais seriam?

LW: Sim e não. Quando decidimos que o objetivo seria desenvolver uma base de dados referencial, assumimos o fato de que não seria possível termos um filtro curatorial no processo de incorporação de dados bibliográficos. Só assim conseguiríamos compor uma verdadeira enciclopédia online de publicações fotográficas.

Por outro lado, dado o enorme volume da produção editorial da fotografia no Brasil, tivemos que segmentar o desenvolvimento da plataforma em diversas etapas, cada uma delas condicionada às fontes de financiamento disponíveis.

Ou seja: neste momento estamos identificando e catalogando publicações a partir de certos recortes (temáticos, temporais ou geográficos) pré-estabelecidos, mas não avaliamos a qualidade intrínsecas de cada publicação que se encaixa nesses parâmetros.

 

Foto na hora: lembrança de Brasília, de Joaquim Paiva, 2010. Reprodução da Base de Dados de Livros de Fotografia.

E há algum motivo específico por ter iniciado o projeto com um recorte de livros sobre Brasília?

LW: Em 2017 aprovei uma primeira versão do projeto no edital Fundo de Apoio à Cultura, da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, o que nos permitiu desenvolver a parte mais trabalhosa e custosa: os estudos técnicos iniciais, o projeto gráfico, design web, programação, etc. Neste projeto-piloto decidi focar unicamente na catalogação de publicações relacionadas à Brasília, no intuito de termos uma ampla variedade de tipos de publicação, mas também uma quantidade limitada de itens, para facilitar a pesquisa e a gestão inicial.

 

Livro Oscar Niemeyer, com fotos de Marcel Gautherot, 1960. Reprodução da Base de Dados de Livros de Fotografia.

Ter um acervo organizado para encontrar informações sobre livros de fotografia é o sonho de todo pesquisador. Mas para além deste público, que outros perfis você acha que podem se beneficiar do projeto? Você imagina usos criativos da base por parte de autores e artistas, para além da finalidade de pesquisa?

LW: Esse é o grande desafio desta e de qualquer outra base de dados: fazer com que a plataforma atenda de forma eficiente não apenas às demandas dos pesquisadores e dos interessados na área, mas que seja capaz de acomodar também as demandas do público mais amplo.

No âmbito pedagógico, acredito que esta base de dados possa servir como fonte iconográfica para trabalhos escolares e acadêmicos. Por exemplo: as publicações que compõem a 1ª etapa do projeto, relacionada à Brasília, são um acervo visual organizado que pode ser utilizado como material didático no ensino médio, em aulas de geografia e história do Distrito Federal.

Outra “missão” da plataforma é justamente impulsionar a produção editorial contemporânea, atuando como uma fonte de referência bibliográfica e visual para artistas, fotógrafos(as), casas editoriais, designers, etc.

Quanto aos possíveis usos criativos do material inserido na base, espero ansiosamente para ver projetos que proponham uma remixagem crítica dos livros fotográficos. O processo de catalogação, como é natural, gera um acúmulo de dados, que nos permite traçar um perfil do mercado editorial das décadas passadas, assim como nos permitirá identificar e interpretar, no médio-longo prazo, certos aspectos da produção editorial contemporânea. Informações relacionadas à distribuição geográfica e de gênero dos(as) autores(as), ou o mapeamento dos assuntos mais recorrentes e das lacunas temáticas de certo período, todas essas informações podem ser usadas como matéria-prima para os(as) artistas que trabalham a partir de materiais de arquivo.

 

Catálogo da exposição Revendo Brasília, realizada em 1994 e com fotos de Andreas Gursky, Mario Cravo Neto, Miguel Rio Branco, Rosângela Rennó, Thomas Ruff e Ulrich Görlich. Reprodução da Base de Dados de Livros de Fotografia.

A relação com os livros de fotografia parece mais ligada ao colecionismo privado, com poucas iniciativas de organização e disponibilização pública de bases de dados. Você concorda? E por que acha que isso acontece?

LW: Certamente. Mas há de se ter em conta que as publicações fotográficas compõem um segmento muito específico e muito pequeno dentro do universo editorial como um todo. Então não surpreende que não haja, de modo geral, uma política concreta das bibliotecas públicas em criar ou aumentar seus acervos de livros fotográficos, apesar de toda a atenção que eles têm recebido nos últimos anos.

De certa forma, há também uma parcela de “culpa” dos autores e editoras neste panorama, que não costumam fazer o Depósito Legal de suas obras na Biblioteca Nacional, e muito menos doar exemplares para bibliotecas públicas e universitárias de seus municípios.

É claro que todos os produtores de publicações desejam que suas obras sejam compradas para serem incorporadas às bibliotecas públicas, mas diante da penúria que o setor cultural e educacional está passando nos dias de hoje, penso que a doação é uma forma de contribuir ativamente para equipar estes acervos, além de fazer circular as obras fora do ambiente restrito das feiras, exposições e livrarias especializadas.

 

Fora do Plano, zine de Gabriela Leite, 2018. Reprodução da Base de Dados de Livros de Fotografia.

Você já descobriu alguma relação inesperada entre diferentes fotolivros ao catalogá-los?

LW: O processo de indexação de uma publicação corresponde ao processo de descrição da obra utilizando um conjunto de termos (tags) pré-definidos. É um processo técnico, mas que por si só é capaz de estabelecer diversas relações entre as publicações em termos de forma, conceito e conteúdo. Entretanto, no momento temos uma quantidade relativamente reduzida de publicações visíveis no site (aprox. 600), mas já no final deste ano certamente teremos mais elementos e exemplos para responder à esta pergunta.

 

Quais os próximos passos, além da ampliação do acervo? Que ferramentas você ainda gostaria de desenvolver para a base?

LW: Recentemente colocamos no ar uma atualização da base de dados. Esta 2ª etapa conta com o financiamento do Programa de Ação Cultural (PROAC) do Estado de São Paulo, que nos permitiu reestruturar algumas ferramentas da plataforma e criar novas coleções temáticas. A principal delas trata dos livros de fotografia contemporâneos, lançadas entre 2010 e 2020. Já catalogamos aproximadamente 1000 publicações considerando este recorte temporal (ainda que nem todas estejam visíveis no site). A partir deste mês de outubro vamos publicar este material progressivamente, começando pelo catálogo das editoras mais focadas em fotografia e as edições de autor.

Por outro lado, também temos a coleção de livros de história, teoria e crítica da fotografia, publicados por pesquisadores(as) brasileiros(as) desde os anos 1940 até os dias de hoje. Atualmente temos aproximadamente 150 obras visíveis no site, e estimamos chegar a 300–400 obras no total.

Além dessas etapas em contínuo desenvolvimento e das outras fases que ainda estão por vir, espero consolidar progressivamente a BDLF como um espaço de reflexão crítica, através do página de Artigos, onde publicaremos periodicamente novos conteúdos a partir de outubro. Também pretendo criar novas forma de visualização de conteúdos, através de linhas do tempo e outros tipos de infográficos. Mais adiante, quero pesquisar sobre formas de aplicar técnicas de realidade virtual para a visualização de publicações, o que nos dará uma outra dimensão e experiência na visualização online, algo especialmente útil no caso das obras mais raras. ///

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Site da Base de Dados de Livros de Fotografia.

 

 

 

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