Revista ZUM 6

Fotojornalismo em crise?

Francisco Quinteiro Pires, Fred Ritchin & Mídia NINJA Publicado em: 11 de junho de 2014
Em conversa com a ZUM a propósito de seu livro mais recente, o crítico e professor de fotografia FRED RITCHIN trata dos impasses do fotojornalismo atual, do papel do fotógrafo e dos desafios gerados pelas mídias digitais. Ritchin sugere que os jornalistas encontrem novas maneiras de narrar visualmente um evento e declara seu entusiasmo pelo jornalismo cidadão, ainda que pondere os riscos da reportagem engajada e da falta de filtros na informação.01a
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MISSÃO EGITO – 04/072013 – Egito // Mídia Ninja

Formado em 2011, o coletivo Mídia Ninja – sigla para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação – ganhou popularidade em junho do ano passado, quando os jovens integrantes registram as manifestações que tomaram o país munidos de câmeras, celulares e computadores que permitiam uma cobertura imediata e ao vivo.

 

PROFESSOR DE FOTOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK, onde codirige o Programa de Fotografia e Direitos Humanos, Fred Ritchin refere-se a 2 de maio de 2011 como o dia em que a fotografia perdeu definitivamente o que lhe restava de credibilidade. Após uma perseguição de quase 10 anos, o governo dos Estados Unidos anunciou ter matado Osama bin Laden, líder da Al-Qaeda, organização responsável pelos ataques terroristas de 11 de Setembro. Em conversas com secretários e militares, o presidente Barack Obama chegou à conclusão de que não faria diferença divulgar uma imagem do cadáver de Bin Laden como prova do assassinato. Ritchin diz que dois motivos foram fundamentais para a decisão: “Primeiro, evitar a ira mundial que a divulgação da imagem de um homem baleado na cabeça poderia despertar. O segundo tinha a ver com uma falta de garantia: muitas pessoas não iriam acreditar na fotografia do governo.”

A perda de credibilidade da fotografia tem sido uma preocupação de Ritchin há três décadas e é uma das questões que atravessam Dobrando o quadro: fotojornalismo, documentário e o cidadão [Bending the Frame: Photojournalism, Documentar y, and the Citizen]. Ex-editor de fotografia da revista do jornal The New York Times, Ritchin já manifestava, em um artigo de 1984 publicado no jornal, seis anos antes do lançamento comercial do Photoshop, certa apreensão com o fato de a manipulação fotográfica ser cada vez mais fácil. “Eu tinha receio do dia em que, ao ver imagens sobre os problemas de países pobres, por exemplo, o resto do mundo não iria associá-las a uma verdade, pois eram passíveis de alteração.” Se isso de fato acontecesse, trabalhos como os do fotógrafo britânico Don McCullin sobre as vítimas da fome em Biafra não teriam a mesma repercussão. As imagens dos corpos esqueléticos capturadas por ele nos anos 1960 chocaram o mundo e inspiraram a fundação dos Médicos Sem Fronteiras na década seguinte. “Nós ficamos sabendo o que significava ser faminto. O fotógrafo tinha esse poder naquela época.”

“Antes, as pessoas refletiam sobre um acontecimento importante porque ele era fotografado, como prova a Guerra do Vietnã. Hoje, não prestam mais tanta atenção, porque o conteúdo de uma imagem não é automaticamente fidedigno.” A insensibilidade do público pôde ser comprovada em janeiro passado, quando foram divulgadas algumas das 55 mil imagens criadas como documentação burocrática pelo governo sírio e contrabandeadas por um fotógrafo da polícia para o Catar. “Embora 11 mil pessoas tenham sido torturadas e executadas, a comunidade internacional não reagiu à altura das imagens dos cadáveres. A morte de indivíduos nessas condições deveria ser chocante e demandar uma ação urgente, porque a guerra civil na Síria ameaça a vida de milhões de pessoas.”

Diante da indiferença, as novas tecnologias podem ser uma fonte de esperança. “Vivemos um tempo propício à reinvenção. Mas os fotógrafos estão com medo, porque, se experimentarem demais, eles temem que ninguém vá pagá-los.” Ritchin mostra na tela do computador uma fotomontagem. Duas imagens justapostas apresentam a praça da Independência, em Kiev, antes e depois dos recentes conflitos entre manifestantes e policiais que transformaram aquele espaço público na capital da Ucrânia num cenário apocalíptico, e culminaram com a queda do presidente Viktor Yanukovych. “O que se pode fazer com a manipulação é fantástico. De um lado, a praça aparece em estado normal. Do outro, está destruída e queimada. Como se passa daquele momento a este?”, ele aponta. Em seguida, Ritchin abre o site do New York Times e procura fotos do conflito ucraniano. “Elas são fortes, mas é como se as tivéssemos visto antes, pois seguem uma mesma linguagem. É como se esperassem por um evento para reencená-lo. Por isso, questiono se são capazes de provocar uma reação nas pessoas.”

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As ruas de Junho, 2013 / Mídia Ninja
As ruas de Junho, 2013 / Mídia Ninja
O coletivo se vale de uma estrutura elástica e em rede. Atualmente, são cerca de 20 fotógrafos fixos, responsáveis por cobrir os acontecimentos, definir pautas e editar os ensaios que chegam. O grupo conta também com quase 1.000 colaboradores ocasionais, espalhados pelo mundo.

 

 

ESPETÁCULO PREVISÍVEL

O fotojornalismo – sobretudo a fotografia de guerra, considerada o seu ramo mais prestigioso – transformou-se em um “espetáculo previsível”. “As imagens parecem estar mais homogêneas e, como resultado, demandam menos escrutínio. Os espectadores resistem porque as consideram muito estilizadas.” Um camponês no Peru e um na China provavelmente vão ser representados de maneira similar. Se quiserem que eles atendam às expectativas, eles terão de simbolizar resiliência e opressão.

A grande imprensa e as premiações influentes induzem os profissionais a reproduzir uma linguagem tradicional e repetitiva, “desprezada por muitos por ser mais a manifestação de uma propaganda corporativa do que de conhecimento”. O fotógrafo vai a campo para adequar a imagem a uma ideia preconcebida pela linha editorial da publicação, e não descobrir o que de fato está à espera. Existem até categorias mais ou menos seguras: a criança faminta, a mulher atraente, o ditador brutal.

Ritchin acredita que raramente prêmios como o Pulitzer e o World Press Photo contemplam um trabalho experimental. “Capazes de indicar e reforçar os padrões da linguagem fotojornalística, esses prêmios preferem recompensar os clichês.” Em 2009, Stephen Mayes, então secretário do World Press Photo, admitiu que 90% das fotografias inscritas davam a impressão de contemplar apenas 10% do mundo. De acordo com Mayes, haveria pouca vontade de sair da mesmice. “Imagens que poderiam provocar uma reflexão diferente tendem a ser preteridas por aquelas que são claramente exóticas e que descrevem os problemas como um fenômeno remoto, com o qual somente os outros devem se preocupar.”, diz Ritchin.

Em fevereiro deste ano, o norte-americano John Stanmeyer ganhou o prêmio principal do World Press Photo. Sua foto Sinal, feita para a revista National Geographic e reproduzida intensamente na rede, mostra migrantes africanos reunidos à noite no litoral do Djibuti. Eles seguram telefones celulares e erguem os braços em busca de um sinal vindo da Somália, o país vizinho. A região é uma importante parada para os africanos a caminho da Europa ou do Oriente Médio, e os celulares são uma das poucas formas de contato com os familiares deixados para trás.

Ritchin atribui a essa cena um significado adicional e simbólico. “É uma imagem sobre a migração na África, mas há também uma referência ao deslocamento do fotojornalismo. A luz das telas dos quatro celulares levantados é uma manifestação da necessidade de uma nova conexão, não só dos fotojornalistas, mas dos usuários de tecnologias digitais e mídias sociais.” A foto de Stanmeyer segue uma tendência do jornalismo, cujos objetivos se pareceriam cada vez mais com os da publicidade. “A imagem não é criada para apresentar o mundo, mas para fazê-lo à nossa semelhança, ou representá-lo como o desejamos.”

De acordo com Ritchin, O abraço final, outro trabalho contemplado pelo World Press Photo, não recebeu o prêmio principal por “mostrar a dor”. Tirada em 25 de abril de 2013, a foto de Taslima Akhter retrata o abraço derradeiro de um casal soterrado no desabamento de uma fábrica de roupas na Rana Plaza, em Bangladesh. “São trabalhos bem diferentes entre si. Um representa a morte e é trágico. O outro fala do nosso sonho de conexão. E qual dos dois o World Press Photo selecionou para a premiação mais importante? O segundo, pois trata das nossas aspirações, e não da realidade.”

Cada vez mais, a regra é reproduzir trabalhos clássicos anteriores ou até representações idealizadas do cinema. Segundo Ritchin, a maioria das fotografias de guerra, por exemplo, pauta-se pelo maniqueísmo. O vocabulário esgotou-se. “Os fotógrafos precisam enfatizar o papel da interpretação no lugar da transcrição.” Do contrário, serão os protagonistas da própria irrelevância.

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VI Congresso Nacional do MST, 10 de fevereiro de 2014 // Mídia Ninja / Oliver Kornblihtt

A Mídia NINJA usa as redes sociais para distribuir as notícias. Suas matérias são divulgadas no Facebook por um perfil que tem cerca de 250 mil seguidores. Através do Flickr, o coletivo alimenta um banco de imagens, dividido em álbuns temáticos, como os que ilustram esta matéria. As imagens podem ser baixas em alta resolução e utilizada de acordo com a licença Creative Commons.

 

 

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Rolezinho SP - Shopping Center Norte, 18 de janeiro de 2014 // Mídia Ninja

Rolezinho SP – Shopping Center Norte, 18 de janeiro de 2014 // Mídia Ninja

 

O NOVO FOTOJORNALISMO

Ritchin diz que não faz mais sentido associar o trabalho de um fotojornalista à realização de um registro que ilustre, comprove ou dê veracidade a reportagens escritas. “Durante décadas, promoveu-se uma lavagem cerebral para abraçar a ideia de que o trabalho de um fotojornalista é obrigatoriamente objetivo, tem a ver com verdade e não interpretação. Até hoje, essa noção recebe pouca crítica em cursos e universidades. Mas os jovens que acessam diariamente o Facebook e veem inúmeras fotos dos amigos sabem que imagens não são objetivas.”

Para Ritchin, é necessário que os fotojornalistas superem a tradição consolidada por Robert Capa na primeira metade do século 20. Capa adotava uma atitude “pragmática” e teria dado ao colega francês Henri Cartier-Bresson a seguinte recomendação: “Não mantenha o rótulo de surrealista. Seja um fotojornalista.” Antes de fundar a Magnum com Capa, David “Chim” Seymour e George Rodger nos anos 1940, Cartier-Bresson nutria o desejo de ser pintor e conviveu com artistas vanguardistas.

Em O imaginário segundo a natureza, Cartier-Bresson explicou que a câmera lhe servia para criar um diário pessoal a respeito do mundo. Fotografar seria uma tentativa de entender a realidade. Numa entrevista de 1957, o fotógrafo criticou a prática mais corriqueira dos fotojornalistas, que atuam como se fossem contadores burocráticos, que dividem tudo em elementos quantificáveis: “A vida não é feita de histórias que você corta em fatias, tal e qual uma torta de maçã. Não há nenhum padrão para se aproximar de uma história. Temos de evocar uma situação, uma verdade.”

Ritchin vê em Cartier-Bresson uma referência para o trabalho dos futuros profissionais, pois ele não mascarava o elemento subjetivo da sua atuação. O fotógrafo francês, para Ritchin, pertence a uma linhagem que adotou por vezes a credibilidade da condição de fotógrafo de forma irônica. Uma técnica praticada em diferentes estilos por Richard Avedon, Raymond Depardon, Gilles Peress e outros. Essa foi a perspectiva que moveu o projeto A família, de Richard Avedon, publicado em 1976 na revista Rolling Stone, e que reuniu 69 retratos em preto e branco da elite política e jornalística dos Estados Unidos. As personalidades apareceram em poses que “são o contrário da tentativa de neutralidade ou lisonja”.

Inspirado pelo Novo Jornalismo dos anos 1960 e 1970 (movimento conhecido no Brasil como Jornalismo Literário), Ritchin propõe que essa prática seja batizada de Novo Fotojornalismo. “O legado mais relevante do Novo Jornalismo para os desafios atuais pode ser o entusiasmo da experimentação diante de um paradigma limitador”, afirma. Tom Wolfe, criador do termo Novo Jornalismo em 1972, explicou que o estímulo desse novo gênero originava-se da “descoberta de que era possível usar no jornalismo, em um curto espaço, recursos literários como o dialogismo dos ensaios e o fluxo de consciência para estimular o leitor em termos intelectuais e emocionais”.

Enquanto se dedicaram a esse gênero, Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Truman Capote e outros correram o risco de soar egocêntricos e ser imprecisos ao inserir no texto as suas próprias impressões. Porém, a franqueza sobre o envolvimento do repórter criou uma forma de conhecimento que talvez fosse impossível se seguida a teoria da imparcialidade. A admissão da própria subjetividade representou, segundo o jornalista e escritor Dan Wakefield, “o contrário da falsa aparência do jornalismo habitual”.

Ritchin defende a ideia de que uma fotografia deve ter uma abordagem tão cética quanto a de um texto. As imagens, assim como as palavras, “mentem, mas também são capazes de contar a verdade, embora parcialmente”. Quem acessa uma informação visual é responsável por julgar se ela merece crédito e por encontrar diferentes pontos de vista. Quanto à manipulação, Ritchin sugere que sejam adotados alertas sempre que ela for utilizada: “A manipulação pode ser divertida, mas, no jornalismo, é preciso mencioná-la ao leitor”.

 

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Ato dos Garis – 12 de Março de 2014 – Rio de Janeiro // Mídia Ninja

Ritchin cita a Mídia Ninja como exemplo de cobertura menos previsível e oficial. A proximidade dos fotógrafos com o assunto retratado, a variedade de pontos de vistas e a profusão de imagens que as tecnologias digitais propiciam são alguns dos caminhos aventados pelo crítico.

 

 

O FOTÓGRAFO ÚTIL

 

Uma das preocupações mais prementes de Ritchin é com a utilidade do fotojornalista. Uma pesquisa de 2009, realizada pela Federação Europeia de Jornalistas, concluiu existirem três sérios obstáculos para a profissão: a baixa remuneração, os direitos autorais e a concorrência de amadores. Para Ritchin, é necessário engajamento social para que o fotógrafo continue sendo útil. Uma vez arruinada a certeza automática de sua autenticidade, a fotografia se revela mais cruamente como um instrumento de intervenção na realidade. Cabe ao profissional se perguntar se o seu esforço se destina à preservação do status quo ou à fiscalização dos poderes constituídos.

Ritchin não confia apenas nos veículos de comunicação tradicionais. Ele identifica no amadorismo dos usuários da internet a prática desse Novo Fotojornalismo. Foram os amadores que captaram os eventos mais impactantes da Guerra do Iraque (2003-2011) e da Primavera Árabe (2010). As imagens que primeiro revelaram a tortura na prisão de Abu Ghraib ou a existência de armas químicas na Síria tampouco foram feitas por fotojornalistas. “As fotografias que trazem informações essenciais sobre um acontecimento atual são feitas ou distribuídas por essa legião dona de dispositivos digitais”.

Em princípio, quem possui a experiência direta saberia mais sobre o assunto. “Se quiser entender melhor os protestos recentes no Brasil ou na Ucrânia, é melhor conversar diretamente com alguém que more nesses países.”, diz Ritchin. Na era digital, as informações tenderiam a ganhar um tom de conversa, em substituição ao sistema tradicional de notícias, hierárquico, elitista, determinado a fazer uma síntese definitiva. “A experimentação diversa que se encontra em bilhões de imagens agora disponíveis, do ativismo estridente do jornalismo cidadão às fotos banais detalhando atividades corriqueiras de um indivíduo, deve provar-se ao fim um reservatório essencial de documentos sociais.”

As mídias sociais são capazes de estimular o diálogo entre os criadores e os observadores das imagens. Facebook, Twitter, YouTube e Instagram, por exemplo, teriam ampliado a atuação do jornalismo cidadão, um termo que inclui “dos revolucionários da Primavera Árabe aos vizinhos preocupados com os problemas do quarteirão”. “A franca subjetividade desses amadores, o envolvimento explícito e a falta de um incentivo financeiro podem aproximar uma audiência que simpatizaria com as motivações desses cidadãos comuns, possivelmente semelhantes às deles”, afirma Ritchin. “Essas imagens constituem, em certa medida, um dialeto comum criado a partir do compartilhamento por celulares e capaz de captar mais detalhes.”

Apesar do entusiasmo com os jornalistas cidadãos, Ritchin admite que o desempenho deles tem limites. “O jornalismo cidadão corre o risco de redundar em ativismo. E essa atitude de defesa de uma causa tornaria os espectadores ou leitores cada vez mais céticos. Na Primavera Árabe, por exemplo, os amadores podem se limitar a mostrar a violência da polícia contra os manifestantes, e não o contrário. Ainda assim, é mais fácil entender quais são os interesses dos jornalistas cidadãos do que compreender o ponto de vista da mídia tradicional.” No Brasil, Ritchin vê como menos previsível e oficial o trabalho da Mídia Ninja, o coletivo que vem cobrindo os protestos sociais de forma diferente da grande imprensa.

Para Ritchin, os amadores necessitam de curadoria. “O desafio atual é entender quais pessoas seriam as organizadoras ou os filtros. Como podemos fazer o ponto de vista desses novos editores ser o mais transparente possível e ter um prestígio equivalente ao dos autores das imagens?” Ritchin chama os curadores de metafotógrafos, que podem ser tanto estudantes universitários como profissionais consagrados, capazes de oferecer um contexto à produção dos amadores ou dos jornalistas cidadãos.

 

Membro da agência Magnum, a fotógrafa Susan Meiselas iniciou há três décadas um projeto com os curdos, grupo étnico nômade que vive em regiões do Irã, do Iraque, da Síria, da Armênia e da Turquia. Após fotografar os refugiados curdos perseguidos por Saddam Hussein no fim dos anos 1980, Meiselas pediu aos sobreviventes que criassem a sua própria história coletiva ao contribuir com fotografias pessoais e ajudar a identificar os indivíduos retratados. Sob o título de akaKurdistan, a empreitada resultou em um site, um livro e uma exposição, e se transformou em um modelo influente. Outro exemplo de curadoria transparente é o projeto Basetrack, criado por Teru Kuwayama e Balazs Gardi. De 2010 a 2011, fuzileiros navais alocados no Afeganistão puderam relatar por imagens e textos as suas experiências na guerra e dialogar com amigos e familiares.

Fundador do PixelPress, projeto que promove a defesa dos direitos humanos e estuda novas formas de narrativa digital, Ritchin diz que, com essa tecnologia, pessoas cujo ponto de vista era ignorado podem ter acesso a um canal de expressão. “O problema é que, para conhecer essas perspectivas diferentes, temos de fazer um esforço imenso e contínuo. Não podemos ser passivos, embora estejamos condicionados ao consumismo e à espera de que tudo seja imediato.”

De acordo com Ritchin, hoje há uma sensação generalizada de impotência. “As pessoas acham que não têm influência sobre a realidade.” Essa impressão desencadearia um ciclo vicioso. “Se preferem ignorar o que está acontecendo no mundo por ser mais confortável, elas não vão prestar atenção em registros fotográficos. Como consequência, a falta de foco resulta em pouca resistência ao poder.”

Se quisermos entender a nova realidade, em que a cada dois minutos se produz a mesma quantidade de imagens originadas em todo o século 19, Ritchin acha que é preciso inventar novos formatos. Até o termo fotografia lhe parece datado. “Quando inventaram o automóvel, chamaram-no de carroça sem cavalos. Fotografia digital é uma expressão imprecisa e condenada ao desuso.”

Segundo Ritchin, as críticas da ensaísta Susan Sontag fizeram sentido em um mundo analógico. Sontag escrevera em 1977 que a câmera tornava a realidade fragmentada, maleável, opaca, implodindo a continuidade entre passado e presente. As tecnologias digitais poderiam transformar a fotografia em algo menos propício à atomização. “Parece que nós criamos a mídia digital para atender a necessidades políticas, espirituais e psicológicas”, afirma Ritchin. Ele defende a ideia de que os seres humanos perceberam que a sobrevivência de sua espécie dependeria da habilidade de conduzir uma vida menos egocêntrica, centralizada. A digitalização do conhecimento pode atender à vontade do indivíduo de não estar sozinho. ///

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Caso Tenharim Humaitá, 3 de janeiro de 2014

 

Mídia Ninja é um coletivo de jornalistas.

Fred Ritchin é professor, curador e crítico de fotografia. Fundou o programa de fotojornalismo e fotografia documental do International Center of Photography, em Nova York, e publicou, entre outros, After Photography (2008). Mantém o blog afterfotography.org

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