Revista ZUM 5

Entrevista com o fotógrafo que reuniu mais de 350 fotos de Pablo Escobar

Bruno Ghetti Publicado em: 11 de fevereiro de 2014

Em 2007, o fotógrafo anglo-queniano James Mollison, 40, lançou uma espécie de biografia visual sobre o megatraficante colombiano Pablo Escobar (1949-1993). The Memory of Pablo Escobar reúne mais de 350 imagens do “poderoso chefão” da cocaína nas décadas de 1980 e 90, que levava uma vida excêntrica e agia com extrema violência. São fotos de arquivos diversos, em geral amadoras (“meio patéticas”, segundo o organizador), tiradas na maior parte por um amigo pessoal de Escobar, mas dão uma boa noção de como era a vida do colombiano, que promoveu (direta e indiretamente) em seu país um dos períodos mais sangrentos de sua história recente, com aumento exponencial do número de assassinatos na região. A ZUM # 5, publicada em outubro de 2013, trouxe uma matéria (leia aqui na íntegra) sobre a trajetória de Escobar narrada nas imagens que Mollison encontrou. De Sua casa em Veneza, ele falou à ZUM sobre o processo de escolha e edição das imagens, e sobre o que contam essas fotografias.

A operação militar que desbaratou Tranquilândia, complexo de laboratórios de refino de cocaína montado pelo Cartel de Medellín na Amazônia. 1984, arquivo "El Espectador"

Pablo Escobar era uma personalidade muito carismática. Um dos capangas dele dizia que ele tinha “uma aura especial” e que quando o conheceu foi o momento mais importante da sua vida. As imagens do seu livro de alguma maneira conseguem captar essa “aura”?

Uma das coisas interessantes sobre ele era que viveu em uma época muito peculiar, quando se dizia que a cocaína era o ‘ouro branco’; comparava-se a cocaína da Colômbia com o petróleo da Arábia Saudita. Havia e há ainda uma visão glamourosa sobre aquela época. A própria família se via como se fossem os Kennedys [que ganharam dinheiro com o tráfico de bebidas nos Estados Unidos durante a Lei Seca, na década de 1920] – que enriqueceram e poderiam dominar a política na Colômbia… Do meu ponto de vista, Pablo, antes de mais nada, era um homem de sorte: era a pessoa certa no momento histórico e locais certos. Foi um fruto das circunstâncias, não acho que ele tenha sido uma figura mais inteligente ou especial em qualquer outro sentido.

 

Quais os critérios para a escolha das imagens que foram parar no livro?

Foi um processo extenuante o da edição: só seria possível utilizar cerca de 10% das imagens que tínhamos para o livro. Foi algo meio por acaso, eu estava na Colômbia fazendo outro trabalho e conheci um policial que havia convivido com Pablo e que tinha várias imagens dele. Juntei-as às de familiares e às de outros arquivos, foram cinco meses de pesquisa. Mas o mais difícil é que as autoridades não tinham convicção se Pablo era criminoso, ao menos durante um bom tempo, então não havia um arquivo “Pablo Escobar” na polícia colombiana. Tive que procurar imagens em tudo em que ele pudesse estar envolvido.

 

Por um período, ele se deixou fotografar livremente. Ele o fazia por vaidade apenas?

Naquela época, entre 1981 e 1983, ele se deixava fotografar porque estava empenhado em construir uma carreira política. Ele era uma pessoa pública e tinha uma fazenda enorme, com vários animais exóticos. O arquivo com o qual me deparei tinha principalmente imagens tiradas pelo El Chino, que era um amigo de infância, desde os tempos do colégio, em quem ele tinha total confiança. Alguns fotógrafos locais o clicaram em eventos como partidas de futebol ou touradas, e ele se deixou fotografar também uma vez ou outra pela imprensa local.

 

Mas ser fotografado não era um risco muito grande para um homem com atividades ilegais como ele?

Ele genuinamente acreditava que seria um dia parte do stablishment na Colômbia. Até que os americanos começaram a extraditar os comerciantes de drogas… Ele tinha um comportamento meio que de celebridade, acenava para as pessoas, distribuía dinheiro – aliás, ele se achava uma espécie de Robin Hood, que tirava dinheiro dos ricos consumidores de drogas e dava para os pobres. Mas de repente o governo americano aceitou extraditar traficantes. Se não fosse sua mania de exibição ele teria continuado e seguido bem. Seus sucessores aprenderam com o erro dele e foram mais discretos.

 

Como você avalia esteticamente a maior parte das imagens que escolheu para o livro?

Na verdade, são imagens em geral bem amadoras. Chino gostava de câmeras, mas não tinha uma visão artística da fotografia. Para mim, o que chama mais a atenção é esse aspecto cândido e até bastante ingênuo dessas imagens. Quando fiz minha pesquisa para o livro, li muito sobre Pablo Escobar, e quando você lê sobre ele acaba criando na mente uma ideia glamourizada de como era a vida dele, influenciado por referências de filmes como Scarface [filme de Brian De Palma, de 1983] e O Poderoso Chefão [longa de Francis F. Coppola, de 1972]. Mas os registros fotográficos mostram outra coisa. O mais interessante é você perceber a diferença entre o que era escrito sobre ele e o que as imagens realmente mostram, esse aspecto meio patético dessas fotografias.

Fazenda Nápoles, o QG de Escobar. Acervo El Chino