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Barra Funda e Rua das Noivas em exposição de Dulce Soares no IMS-SP

Valentina Tong Publicado em: 26 de julho de 2016

A exposição Vitrines e fachadas, dois ensaios paulistanos de Dulce Soares, no IMS-SP, apresenta duas regiões do centro de São Paulo no final da década de 1970. Em Barra Funda, série feita por Dulce a pedido da Comissão de Fotografia e Artes Aplicadas da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – da qual participavam os fotógrafos Claude Kubrusly e Maureen Bisilliat –, a artista percorreu a pé o tradicional bairro paulistano, registrando sua história por meio da arquitetura, identificando tipologias e ressaltando a perspectiva do pedestre em contraponto às grandes obras viárias que transformavam a paisagem urbana da época.

Em Vestidos de noiva, Dulce desenvolveu uma pesquisa sobre o sistema de produção de vestidos de casamento, fotografando as diversas confecções na rua São Caetano, também conhecida como Rua das Noivas: clientes, manequins, costureiras e provadores revelam as aspirações que envolvem o sonho do casamento. A série foi exposta no Masp em 1981 e transformada em livro no mesmo ano. Os dois trabalhos, reeditados e exibidos juntos pela primeira vez nesta exposição, fazem parte do acervo do Instituto Moreira Salles.

 

Barra Funda

Situada na várzea do rio Tietê, a Barra Funda cresceu às margens das ferrovias Sorocabana e Santos-Jundiaí. Construídos no século XIX, os trilhos dividiram a região em parte alta e baixa, e estimularam a vocação industrial do bairro, que abrigou de pequenas e médias fábricas até o complexo das Indústrias Matarazzo, erguido nos anos 1920. Na década de 1970, como um reflexo do incentivo econômico à indústria automobilística, o bairro recebeu obras viárias de grande porte, como os viadutos Orlando Murgel, Antártica e Pompeia, para transpor as vias férreas, além do Minhocão, elevado cujo trecho oeste atinge a borda do bairro.

O trabalho começou com uma pesquisa dos lugares de relevância histórica, e se desdobrou no reconhecimento de certas tipologias construtivas. Dulce expressa maior preocupação com a descrição da paisagem urbana do que com o registro técnico da arquitetura. A pequena câmera de 35 mm dava agilidade para percorrer as ruas e facilitava a troca de objetivas – ainda que a lente grande angular muitas vezes distorcesse a perspectiva.

É possível reconhecer as casas de fachadas adornadas, construídas por imigrantes italianos no começo do século XX para a classe média – residências da época áurea do café, que, com a crise de 1929, foram transformadas em pensões e cortiços. Muitos dos edifícios de esquina abrigavam comércio e moradia, o que evidencia a ocupação mista do bairro. Fábricas ainda em funcionamento revelam a resistência ao processo de êxodo das indústrias para outros municípios da Grande São Paulo.

Quase 40 anos depois da realização do ensaio, o núcleo fotografado por Dulce não mudou tanto quanto seu entorno, transformado por grandes projetos urbanos e pela especulação imobiliária.

Vestidos de Noivas

Localizada no bairro da Luz, a rua São Caetano é conhecida também como Rua das Noivas. Dulce fotografou a região entre 1978 e 1979, época em que a via recebia um fluxo intenso de mulheres de diferentes classes sociais, da cidade e do interior paulista.

Nas primeiras incursões, a fotógrafa muitas vezes foi expulsa das lojas, suspeita de estar copiando modelos ou acusada de distrair as lojistas que deveriam atrair as noivas que passavam pela rua. Com a ajuda de Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu de Arte de São Paulo, a artista conseguiu continuar a pesquisa e ganhar acesso aos bastidores das lojas. Além da câmera, Dulce levava um gravador, registrando conversas com costureiras e lojistas enquanto fotografava a confecção e as provas de vestidos.

Os retratos das noivas e das manequins, das costureiras e dos provadores desvelam um sistema de comércio baseado no fetiche. O alto investimento financeiro pretende garantir não apenas o vestido trabalhoso, mas também a realização de uma fantasia que deveria durar pela eternidade.

 

Making of da exposição:

Vitrines e fachadas, dois ensaios paulistanos de Dulce Soares

Abertura 30 de julho, sábado (visita guiada com a artista Dulce Soares e a curadora Valentina Tong às 11h)
Visitação de 30 de julho a 4 de dezembro
Terça a sexta, das 13h às 19h
Sábados, domingos e feriados, das 13h às 18h

Instituto Moreira Salles – São Paulo
Rua Piauí, 844 – Higienópolis

 

Conheça o trabalho de Dulce Soares no site do IMS.

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