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Imaginários que cativam: sobre as representatividades da fotografia documental

Ronaldo Entler Publicado em: 5 de fevereiro de 2025

Da série Oficina do Suor, de Sérgio Carvalho, 2019-22.

A fotografia documental se defronta com uma crise que não é tanto de representação, mas de representatividade. Não se trata do grau de fidelidade que a imagem pode manter com a realidade, mas da capacidade que um projeto tem de gerir a relação que estabelece com outras narrativas, as que se tornaram hegemônicas e as que foram ofuscadas. Uma obra será sempre representativa da perspectiva e da metodologia que adota. Poderá herdar o prestígio das imagens anteriores que, feitas desde esse mesmo lugar, consolidaram uma linguagem, mas será também cobrada pelo custo acumulado dessa conquista.

É assim que um trabalho engajado e bem-intencionado toca em sensibilidades que não são geradas apenas pelas injustiças que denuncia, mas por prioridades e omissões reiteradas ao longo do tempo, não apenas pela fotografia, mas por todas as imagens, incluindo aquelas operadas pelas palavras. O fotógrafo que documenta a dor alheia assume o peso de uma história de representações da qual nunca se imaginou signatário, mas que ajudou a formar o capital que confere legibilidade e impacto às suas fotografias.

Mesmo quando uma obra denuncia abusos de força e autoridade, produzi-la e colocá-la em circulação é também um exercício de poder. O acesso às tecnologias, aos códigos de uma linguagem, aos recursos para viabilização de um projeto, aos espaços de exibição e veiculação das imagens sempre foi uma forma de privilégio. As redes sociais, que trazem a promessa de redistribuir essa força, deixam claro que ter uma câmera na mão e uma audiência é algo que empodera. A atividade do documentarista se insere num espaço repleto de conflitos, porque os imaginários coletivos têm sido, mais do que nunca, territórios em disputa.


Antônio Andrade. Registro da manifestação realizada na exposição Oficina do Suor, de Sérgio Carvalho.
Fonte: Instagram do coletivo Cholitas da Babilônia.

Suor e gritos

Essas questões têm sido pontuadas por artistas, críticos e, principalmente, por pessoas identificadas com comunidades subalternizadas que, desde sempre, são muito visadas pela fotografia documental. Fomos relembrados disso pelos embates recentes em torno da exposição Oficina do Suor, do fotógrafo Sérgio Carvalho, que registrou imigrantes de países andinos submetidos a condições de trabalho análogos à escravidão. Depois de ter passado pelas Oficinas Culturais Oswald de Andrade, em 2023, a exposição foi reapresentada em dezembro do ano passado na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, por meio de uma parceria entre o Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) e a Casa de Criadores, evento da área de moda que ocupou o Vale do Anhangabaú. O fotógrafo, que é também auditor fiscal do trabalho, tem militado em ambas as profissões contra o trabalho escravo contemporâneo.

Na abertura da exposição, o coletivo de artistas andinas Cholitas da Babilônia realizou uma manifestação contra o que considerou ser uma exploração indevida da imagem daqueles trabalhadores. As fotos foram pichadas e a polícia foi chamada a intervir. Os organizadores optaram por encerrar a exposição e, na sequência, o coletivo publicou em suas redes o manifesto intitulado Nossa dor não é arte.

Não estou em condições de me posicionar sobre esse embate. Não vi a exposição e tive um breve e primeiro contato com o fotógrafo durante a escrita deste texto. Conheço um pouco mais a curadora, Rosely Nakagawa, profissional experiente e muito sensível, com quem não cheguei a conversar. Troquei algumas poucas mensagens com uma jornalista integrante do coletivo, que me enviou o manifesto assim que foi publicado. Por fim, conversei com representantes da comunidade boliviana, com quem tenho trabalhado em projetos educativos. Há dos dois lados, fotógrafo e coletivo, informações bastante divergentes sobre a produção das fotos e sobre a condução dos embates que levaram ao encerramento antecipado da exposição.

Destaco alguns tópicos que pude depreender do manifesto e da conversa com o fotógrafo. O coletivo sugere ter havido um desvio inapropriado de imagens feitas originalmente como laudo pericial; questionam o que julgam ser uma representação estigmatizante da comunidade andina; entendem ter havido na produção das imagens uma relação abusiva com as pessoas fotografadas; e dizem não ter encontrado, da parte dos produtores da exposição, abertura para o debate. Lembram também que suas críticas haviam sido colocadas desde a primeira montagem da exposição, nas Oficinas Oswald de Andrade.

Por sua vez, o fotógrafo afirma que, desde o início, suas imagens foram pensadas para compor um projeto documental relacionado a um tema que investiga há anos; diz ter tido a anuência e a colaboração das pessoas fotografadas; considera que o modo discreto como esses personagens aparecem é uma estratégia para evitar os estigmas; e garante ter havido da parte dos organizadores um esforço de debate com representantes da comunidade.

Partindo das imagens e das notícias que pude acessar, acrescento algumas considerações. Nenhuma das imagens indicam ter havido descaso com as pessoas fotografadas, nem o desejo de transformar seus traumas em espetáculo. Sérgio Carvalho se demonstra atento aos princípios éticos da fotografia documental que, no entanto, nunca estiveram claramente pactuados e se escoram mais na consciência autocrítica dos autores do que no debate com as pessoas fotografadas. Por sua vez, o coletivo tem representatividade e seu manifesto merece escuta, porque é formado por pessoas que viveram ou que foram diretamente afetadas pela realidade documentada naquelas imagens.

É visível que as fotos não são simplesmente registros periciais e que existe nelas uma intenção autoral. Imagino que, para a finalidade técnica de produzir prova, seriam consideradas ruins justamente por haver ali uma luz e uma composição elaboradas. E não é incomum que profissionais de áreas diversas desenvolvam um olhar estético sobre a matéria ou os sujeitos com que trabalham. As imagens sugerem que as pessoas fotografadas estavam cientes dos registros porque os enquadramentos e poses que permitem ocultar seus rostos são visivelmente estudados e construídos. Mas é difícil saber o quanto essa sobreposição de autoridades – a do fotógrafo e a do auditor fiscal – pode ter desequilibrado a negociação dessas cenas. E o cuidado em preservar suas fisionomias não apaga do trabalho as referências que identificam a comunidade ali representada, que reagiu à exposição.

Não me esquivo de supor que houve algo de desmedido nos protestos. Mas, se depredar uma exposição não parece uma forma produtiva de partilhar uma crítica, também não ajuda confundir o grito inflamado de uma minoria que reivindica visibilidade – no caso, uma outra visibilidade – com um projeto de defesa da censura. Apesar do que pode haver de enviesado num discurso que diz “tal coisa não é arte”, é importante distinguir uma voz que quer se empoderar para dizer “chega!” de um poder já instaurado que diz “é proibido!”.

Para muitos de nós, interessados que chegamos tardiamente ao debate, surpreendente o fato de que pessoas que têm um mesmo inimigo possam estar em lados tão opostos da batalha. Mas não é difícil medir essa distância. Ela é aquela que tem distinguido dois papéis, o de sujeito e o de objeto dos discursos que alcançam circulação. A dificuldade de colocar esses dois lados em diálogo vem do fato de que, historicamente, essas posições estiveram sempre bem demarcadas e nunca foram intercambiáveis.

Posso dizer que me identifico com o fotógrafo em vários aspectos: sou homem, branco, temos quase a mesma idade e partilho com ele a utopia de que a fotografia pode transformar o mundo. Mas tive a felicidade de ter cruzado com o outro lado em um território mais pacificado. Na universidade em que trabalho, participo de alguns projetos de extensão, um deles em parceria com a Associação de Residentes Bolivianos de São Paulo e outro com um coletivo de costureiras imigrantes que, não por acaso, se chama também Cholitas (Cholitas Empreendedoras). São pessoas que também conhecem muito de perto a realidade mostrada na exposição e que, agora, militam para que sua comunidade tenha condições dignas de vida e de trabalho. A exploração de imigrantes nas oficinas de costura era a cena que eu tinha em mente quando propus esses projetos. Sempre que necessário, essas mulheres trazem análises e dados contundentes sobre isso. Mas, um pouco mais lentamente do que deveria, descobri que elas preferem falar de suas memórias e tradições culturais, de suas conquistas, dos desafios que gostariam de enfrentar e, muito generosamente, das boas relações que construíram com o Brasil. Essa tem sido também a missão delas: não apenas libertar as famílias bolivianas de seus cativeiros, mas também do imaginário que não nos permite reconhecê-las em outro lugar além desse.

Comentando um caso recente de violência sofrido por uma mulher, a jornalista Milly Lacombe disse num vídeo dirigido aos homens: “prefiro um ex-machista do que um machista cancelado”. Tenho certeza de que, ao longo da vida, fiz e disse coisas que me tornaram um candidato persistente ao cancelamento. Mas tive a sorte de encontrar pelo caminho pessoas muito generosas que me deram o tempo e as ferramentas para entender os vícios enraizados em palavras e gestos que me pareciam inofensivos, ou até mesmo solidários. Tive a sorte de estarem dispostas a falar comigo, antes de falarem de mim. Supondo que tenham tentado, lamento que Sérgio Carvalho e o coletivo Cholitas da Babilônia não tenham encontrado a mesma oportunidade.

O mais produtivo agora é tirar desse episódio questões que podem nos ajudar a debater a produção documental numa perspectiva mais ampla. Como já disse, estou muito mais identificado com aquele que tem a missão – e o privilégio – de fazer circular as imagens, do que com aqueles que, por conta de injustiças sofridas, são enquadrados pela câmera. Sendo assim, a crítica que faço à fotografia documental é, acima de tudo, uma autocrítica.

Denúncia e flagrante

Depositamos sobre a fotografia o peso da realidade e esperamos que ela dê conta não só das belezas do mundo, mas também dos horrores que estão em toda parte. Assim a “foto-denúncia” forma sua longa tradição e constitui uma espécie de subgênero privilegiado da fotografia documental. Essa trajetória é feita de um paradoxo. Se o sofrimento sempre foi um tema recorrente na arte, a fotografia se equilibra sem rede de proteção no fino fio que separa o asco e o prazer dos sentidos. A imagem é a fresta irresistível que mantemos entre os dedos quando tapamos os olhos diante daquilo que não suportamos ver. Ela produz gozo.

Se a foto-denúncia se estabeleceu como um subgênero privilegiado da fotografia documental, o “flagrante” se consolidou como seu método prioritário, sob o pretexto de ser a melhor forma de preservar a espontaneidade dos acontecimentos, isto é, de mostrar como eles decorrem quando não estão sujeitos à vigilância. É, portanto, o modo de garantir a naturalidade que se espera da fotografia documental. Mas o flagrante é por si mesmo uma construção, um dispositivo cultural bastante contaminado do sentido jurídico dado ao termo, que diz que qualquer cidadão pode fazer aquilo que a polícia tem a obrigação de fazer: “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (artigo 301 do Código de Processo Penal).

Comentando a relação que Susan Sontag faz entre a câmera e o fuzil, Arlindo Machado conclui: “é por isso que as imagens fotográficas que proliferam na grande imprensa, mesmo quando focalizam distúrbios e revoluções, pragas e hecatombes, trazem consigo essa marca de segurança e conforto, sem a qual a comunidade dos leitores médios entraria em pane: afinal, se um fotógrafo da UPI pode furar o cerco inimigo e capturar o referente, por que um fuzileiro americano não poderia fazê-lo? Até o limite em que a segurança das instituições não está em jogo, a classe dominante tira fotos; ultrapassado o limite, ela atira fogos” (A Ilusão especular, p. 42).

Essa analogia entre o trabalho do documentarista e do policial tem efeitos muito visíveis quando um criminoso preso em flagrante, nesse momento de suspensão de suas liberdades, é exibido como troféu e colocado diante das câmeras de reportagem, que antecipam sua punição sob a forma de exposição. É um resquício da antiga tradição de expor em praça pública o corpo enjaulado ou morto do inimigo vencido.

À revelia de suas boas intenções, o flagrante pode também amplificar a violência sofrida pela vítima: ela, que não pôde garantir seus direitos diante de um agressor, também não poderá decidir nesse momento de trauma como será representada. Isso se agrava quando a vítima de uma violência enquadrada pela câmera ocupa, ela própria, uma lacuna de legalidade ou moralidade: o morador de rua, o usuário de droga, o prostituto, o imigrante ilegal, o invasor de propriedade.

Em 2015, o jornal Agora publicou uma foto de autoria de Rony Santos, que mostrava um imigrante haitiano nu usando a água de um mictório para se banhar, na sede da Missão da Paz, entidade ligada à Igreja Católica que acolhe imigrantes de diversos países que chegam a São Paulo. A instituição publicou uma nota de repúdio, condenando a exposição vexatória de uma pessoa vulnerável. Naquele mesmo ano, a foto foi contemplada com o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. A Missão da Paz fez uma solicitação formal aos organizadores para que a premiação fosse anulada, alegando que a imagem, feita sem a anuência do imigrante, não respeita “os direitos humanos do haitiano fotografado, nem da comunidade haitiana como um todo”. Apontava também o risco de que o prêmio equivalesse a um “reconhecimento social de trabalhos que, inadvertidamente ou impetuosamente, não consideram a ética sobre os meios utilizados para chegar aos seus fins”. O fotógrafo negou que a foto tenha sido feita sem o consentimento do retratado. Não é preciso duvidar dele. Nessa e em outras situações análogas, basta imaginar que condições teria uma pessoa que vive um hiato de cidadania, uma experiência limite de sobrevivência e muitas barreiras de comunicação de negociar a imagem com um profissional tão seguro de sua missão de produzi-la. O flagrante é um expediente importante para a fotografia documental, mas, não raramente, produz suas próprias violências.

Vale dizer que existem na produção contemporânea projetos que rejeitam os cânones da foto-denúncia e buscam alternativas para evitar relações abusivas com os sujeitos fotografados. Isso é visível em diversas estratégias: no modo como muitos autores resistem à ansiedade dos olhares e produzem investigações de longa duração; no esforço de deixar transparecer os bastidores da produção, a interação com as pessoas fotografadas e, principalmente, as distâncias que as separam do fotógrafo; também no modo como substituem o flagrante por poses visivelmente construídas, às vezes, com enquadramentos rigorosos e predefinidos que explicitam o caráter negociado da imagem e, ao mesmo tempo, evitam que a pose se torne um artifício que permite ao personagem reconstituir pela encenação “a dor que deveras sente” (Fernando Pessoa).

Corpos diversos e representações diversas

Como a atividade documental implica quase sempre uma alteridade, isto é, alguma distância entre quem fotografa e quem é fotografado, ela esbarra em sensibilidades a respeito do “lugar de fala” e da “representatividade”. São coisas diferentes e, ao mesmo tempo, indissociáveis. Lugar de fala, todos têm. E nada impede quem quer que seja de falar do outro, desde que não se pretenda falar como ou pelo outro, e desde que haja consciência das relações presentes e históricas entre as posições de quem observa e a de quem é observado. Aqui as duas coisas se sobrepõem, porque o lugar aparentemente circunstancial em que o fotógrafo se encontra é sempre representativo dos modos históricos como ele foi ocupado. O fotógrafo está em seu papel de documentarista, fala a partir desse lugar e em seu próprio nome. Mas cada clique seu carrega o peso de códigos afirmados ao longo do tempo, sem os quais a fotografia não seria legitimada como documento e, como já disse, sem os quais suas imagens não teriam o mesmo impacto e legibilidade.

Quando um fotógrafo testemunha uma violência sofrida por certo grupo, por exemplo, pessoas negras, indígenas, trans ou moradores de uma região em conflito, ele sente que é sua missão registrá-la. Como essas violências são históricas e recorrentes, a fotografia está sempre de prontidão para mostrá-las da forma contundente que lhe é peculiar. Não só a fotografia, mas outras tantas imagens e discursos são convocados a fazer o mesmo. Dada a gravidade e a persistência do problema, raramente teremos a oportunidade de encontrar imagens dessas pessoas em outros contextos. É assim que, no imaginário dos públicos que consomem essas imagens, essas violências passam a defini-las.

Toda a sensibilidade no trato com as pessoas fotografadas, todo o cuidado na construção da imagem não alivia o trabalho desse peso histórico, do modo como muitas das produções que militam pelos direitos humanos alimentam esse imaginário que naturaliza uma situação de vulnerabilidade. Ninguém é essencialmente subalterno, mas pode ser reiteradamente subalternizado, ou seja, lançado – também por suas representações – a essa posição. É um ciclo vicioso. Porque as imagens fixam o mapa que conduz os olhares, mesmo aqueles mais solidários a essas pessoas, sempre na direção dos lugares de que gostaríamos de libertá-las. Essas imagens cativam, no duplo sentido do termo: elas nos comovem na mesma medida em que imobilizam esses sujeitos.

Quando estourou a guerra entre Rússia e Ucrânia, imagens dramáticas invadiram nossos jornais. Havia – e há ainda – muitas outras guerras mundo afora. Mas surpreendia o fato de aquele ser um conflito em que brancos matavam brancos, europeus matavam europeus. Podemos sentir a mesma tristeza, mas provavelmente não a mesma surpresa quando vemos pessoas morrendo na faixa de Gaza. Como essas imagens nos chegam ininterruptamente, corremos o risco de supor, não sem o devido pesar, que essa é desde sempre a vocação histórica daquele território. É inevitável que o fotógrafo de guerra tenha o impulso de mostrar as situações trágicas que encontra: “é preciso que o mundo saiba o que acontece aqui!” Como se não víssemos – e esquecêssemos – todos os dias cenas muito semelhantes.

Quando o tema é relevante e as fotos são boas, no sentido técnico e estético, é muito difícil a decisão de não publicá-las. E essas fotos têm sido muito boas. Mas fazem muita falta referências sobre o que aquelas pessoas fazem além de serem alvo de violências. O contraponto é igualmente importante para a construção de empatia: imagens que mostrem como, em meio ou ao redor dos conflitos, elas trabalham, estudam, compram ou plantam seus alimentos, praticam seus esportes e cultos, e vivem suas relações sociais com outros sujeitos, que não o inimigo. Em geral, os lugares que acolhem essas rotinas, como escolas e templos, só são mostrados depois de terem sido bombardeados.

Um repovoamento mais diverso do imaginário tem sido cobrado em muitas frentes, propondo outras representações da África que não as da fome, outras representações das comunidades do Rio que não as do tráfico, outras representações do Nordeste que não as da seca, outras representações do imigrante que não as da falta de pertencimento. Mais sutil do que isso, e tão importante quanto, é a demanda de que o jornalismo, em seus esforços de inclusão, não se limite a dar voz às pessoas negras, indígenas ou trans nas pautas relacionadas às suas lutas, mas também naquelas mais corriqueiras sobre saúde, esportes, economia, entretenimento etc. Da mesma forma, os bancos de imagem têm sido fortemente pressionados a reprogramar seus algoritmos para que mostrem mais espontaneamente imagens diversas, mesmo quando as buscas não trazem marcadores identitários ou palavras-chave associadas à inclusão.

*****

Ninguém está em condições de dizer categoricamente quais imagens devem ou não ser produzidas. O ímpeto dos fotógrafos diante das violências que testemunham pode produzir constrangimentos, mas ainda é mais seguro que eles estejam lá, de prontidão. De preferência, que eles possam permanecer lá para ampliar a escuta e produzir outras imagens além daquelas que parecem as mais urgentes e contundentes, que sintetizam em cenas exemplares todo um contexto de injustiças.

Mas o lugar mais crítico é aquele que se constitui a seguir: o momento de decidir quais imagens serão mostradas e colocadas em circulação. Essa tarefa exige o tempo de compreender a distância entre os sujeitos implicados: o que fotografa, o que edita as imagens, aquele a quem elas se destinam e o que está diante da câmera. Exige também que os autores se debatam com toda uma história das representações, porque ela – a história – será a curadora de narrativas e sentidos que interceptam as fotos do presente, à revelia das intenções de quem as fez. Como aqueles que são fotografados, o fotógrafo tem às vezes pouco controle do destino de suas imagens e pode ser enredado por armadilhas acionadas por elas. Ele deve estar de prontidão também para isso, porque a responsabilidade continuará sendo dele. ///

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