As sentinelas da cidade
Publicado em: 17 de abril de 2020Após viver no Rio por sete anos, vindo de Paris, me mudei para São Paulo no dia 15 de março de 2020. Acho que lembrarei por muito tempo dessa mudança quando transportar uma casa de uma cidade para outra era algo tão natural. Ter chegado em São Paulo nessa data me fez sentir estrangeiro três vezes. Estrangeiro como francês no Brasil, como franco-carioca numa nova cidade, e como qualquer ser humano tentando assimilar a vida nova, nessa época de quarentena. O sentimento de não pertencimento e estranhamento já havia sido o ponto de partida para o projeto Rio Cidade Invisível, que realizei entre 2013 e 2018 na zona oeste da capital fluminense.
Desde a minha chegada em São Paulo, todos os dias caminhei por horas pelas ruas e bairros da cidade, sem um objetivo definido, mas com o olhar livre. Quando um detalhe chamava a minha atenção, eu parava. Sem pensar em formalizar ou conceitualizar nada, só atento em captar uma sequência visual que pretendo, num futuro indeterminado, ordenar e decifrar. Conhecendo mal a cidade, não tinha nenhuma referência topográfica e poucos elementos de comparação. Uma rua vazia talvez sempre tenha sido vazia assim? Esse silêncio, o canto perfeitamente audível dos pássaros nas árvores, o céu livre do barulho dos aviões, trouxeram algo paradoxalmente natural.
Nessa cidade estranhamente fechada em si mesma e simultaneamente aberta ao olhar e ao acaso, me deparei com pessoas mascaradas. Esses encontros foram sempre muito rápidos. Como se estivéssemos constrangidos por parar para nos comunicar, mesmo à distancia, no silêncio e no vazio da rua. Pensativos, amigáveis, com pressa, às vezes inquietos, esses paulistanos refletem o espectro infinito das emoções e reações humanas. Uma máscara não muda isso. Eles representam para mim as sentinelas da cidade, nesse momento tão particular, fora e dentro. ///
Vincent Catala é um fotógrafo francês baseado em São Paulo. Membro da Agência VU, tem obras no acervo do Museu de Arte Moderna do Rio.
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