Compreender por meio da fotografia
Publicado em: 24 de março de 2020Arno Gisinger: A partir do fim do século 19, os grandes historiadores da arte, como Heinrich Wölfflin, incluem com naturalidade a fotografia em suas pesquisas e práticas pedagógicas. Mas é sobretudo o famoso Atlas Mnemosyne, de Aby Warburg, que posiciona a fotografia no centro de um novo pensamento, de uma nova metodologia da história da arte. Quando começou a trabalhar com Warburg?
Georges Didi-Huberman: Comecei a trabalhar com Warburg em 1984, quando morei na Itália: era uma ferramenta inesperada para explorar questões que me pareciam ignoradas pela tradição iconográfica anglo-saxônica e por sua retomada estruturalista na França. Inicialmente, li Warburg quando pesquisava sobre o Renascimento italiano; aliás, foi na tradução italiana que o descobri. Também em 1984 foi publicado um artigo importante de Giorgio Agamben, em Roma, onde eu vivia, chamado “Warburg e a ciência sem nome”. Tive a feliz oportunidade de discuti-lo com Agamben, assim como seu livro warburgiano intitulado Estâncias.
Na época, o Atlas Mnemosyne não era o foco das minhas preocupações. A obra de Warburg me aproximava de uma antropologia histórica das imagens ocidentais, em que o inconsciente – ou seja, o sintoma e a sobrevivência – desempenhava um papel fundamental. Na verdade, só depois que voltei à França, e também por ocasião de temporadas de pesquisa no Instituto Warburg, em Londres, compreendi o papel decisivo de Mnemosyne, que ainda não tinha sido publicado oficialmente.
Um interesse nada surpreendente: como você sabe, eu partira de uma reflexão sobre o uso da fotografia na clínica da histeria no século 19, ou seja, de uma reflexão situada no ponto de encontro de uma estética e de uma epistemologia. Mnemosyne era, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma e a invenção de um saber antropológico e histórico não usual. Daí resultou essa reflexão sobre o atlas de imagens e, mais tarde, a exposição Atlas, no museu Reina Sofía, de Madri, em 2010, que seguiu para Karlsruhe e Hamburgo, onde você a fotografou.
No livro Invenção da histeria, você desconstruiu as utilizações (errôneas) da fotografia, a exemplo da iconografia médica do hospital da Salpêtrière, em Paris. O que significava introduzir uma questão como essa na história da arte e da fotografia no início dos anos 1980?
Na ocasião, não me preocupei em determinar a questão do campo disciplinar, como, aliás, nunca me preocupo no início, porque o objeto da pesquisa me obriga a um ir e vir incessante entre disciplinas diferentes. “Disciplina”: que bela palavra se nela ouvimos o latim discere, que significa “receber um ensinamento”, por oposição a docere, que significa “dispensar um ensinamento”! E que palavra feia se nela ouvimos a obediência a normas de pensamento! Estudei as fotografias da Salpêtrière por uma razão muito simples: elas me fascinaram. Ou melhor, não foi por uma razão simples… porque meu fascínio por aquelas imagens vinha acompanhado da percepção de que havia alguma coisa fora do lugar, algo que transparecia sem se manifestar de todo. O que eu percebia naquelas imagens era o rastro de uma dor fundamental.
Portanto, foi bem antes de aprofundar a noção warburgiana das “fórmulas de pathos” que me dediquei à questão do vínculo entre imagem e dor. Aliás, seria mais correto empregar o plural nos dois casos, “imagens” e “dores”, tal como no belo nome Dolores: imagens das dores, dores de imagens.
A iconografia fotográfica da histeria abria um campo de pesquisa original, virgem, por assim dizer. Em pouquíssimo tempo, a questão se concentrou – graças, sobretudo, aos trabalhos de Michel Foucault sobre a história da clínica – no encavalamento dos protocolos médicos e dos protocolos fotográficos. Foucault se debruçava sobre a relação, sempre problemática, entre os discursos e as práticas. Não fiz mais que adicionar a imagem, que se encontra numa posição intermediária, muito eficaz para esse fim, entre os discursos e as práticas. A situação fotográfica, da qual eu tentava, diante de cada imagem, reconstituir algo semelhante a uma fenomenologia, tornava-se não apenas criadora de imagens, mas também de saberes, de um lado, e de sintomas, de outro.
A dor dos corpos reaparecia como um fantasma em sua representação fotográfica. O que era perturbador, então, bem mais que uma “história da fotografia” como meio específico, era observar como o meio visual funcionava como meio epistêmico – fato que parece evidente, mas que, bem examinado, revela-se um bocado complexo – e, também, como meio crítico. De um lado, a fotografia participava de certa política, ou policiamento dos corpos no século 19, situado em algum ponto entre a inclusão do corpo histérico numa história da arte antiga (via iconografia religiosa) e sua alienação numa prática institucional no mínimo machista e cruel. Por isso, acredito, meu livro foi tão utilizado pela crítica feminista. Mas a fotografia não era apenas um instrumento do poder: também aparecia como meio de um questionamento generalizado dos poderes, dos saberes e dos corpos.
Sua contribuição para a exposição Memória dos campos, no início dos anos 2000, desencadeou – ou, melhor dizendo, reavivou – a questão espinhosa da fotografia como prova no contexto da representação da Shoah. Você respondeu a essa polêmica com o livro Imagens apesar de tudo, publicado em 2003. Como vê esse debate hoje, passados 15 anos?
A questão da prova – que “adere à pele” da fotografia desde que ela existe – havia colocado o debate sobre bases falsas desde o início. De um lado, o documentarista francês Claude Lanzmann dizia: se você sente necessidade de uma prova, por exemplo, fotográfica, da destruição dos judeus na Europa, é porque já está na vertente negacionista. De outro, é evidente que os membros do Sonderkommando [grupo de prisioneiros judeus forçado a trabalhar com os oficiais alemães nos campos de extermínio] de Auschwitz-Birkenau haviam assumido o risco – enorme – de tirar fotografias para apresentar algo que correspondesse à “prova visual” de uma ação criminosa de massa, cujo alcance o mundo inteiro ignorava na época, ou queria ignorar. Mas uma imagem fotográfica nunca é isto ou aquilo: ela é apenas o que se quer fazer dela, seja do ponto de vista do produtor, seja do ponto de vista do espectador.
O que me perturbou, nesse exemplo extremo, foi que, para os membros do Sonderkommando, a imagem fotográfica funcionava como uma decisão de resistência – embutida num movimento mais amplo, de coleta de testemunhos e de tentativas de levante –, e isso a transformava em algo que não tinha nada a ver com informação ou representação: ela era um ato, e não um mero registro, significava correr um risco e era uma provação, não apenas uma prova. Quinze anos mais tarde, tudo está ao mesmo tempo diferente e idêntico: diferente, porque minha análise fenomenológica da tomada da fotografia já não é, que eu saiba, contestada; idêntico, porque é muito difícil, diante de uma imagem, não querer deduzir dela um estatuto geral, uma “ontologia”. A imagem é uma questão tão crucial que todo mundo quer saber o que é, quando a questão seria antes saber o que faz esta imagem específica, o que ela faz que outra imagem não faz.
Na exposição Levantes, você apresenta as imagens do Sonderkommando. Que significado têm nesse contexto?
Já aconteceu de espectadores me perguntarem: “Como é possível que numa exposição sobre levantes você inclua imagens de pessoas que avançam para a morte sem se revoltar, ou de cadáveres que ardem diante das câmaras de gás?”. E eu era forçado a responder: “Considerem que essas pessoas não tinham absolutamente nenhum meio de fazer um levante, ao passo que o agente do levante era justamente, do lado do Sonderkommando, a própria imagem: a imagem como ato, repito, a imagem como ato clandestino, e não apenas como representação. Vejam o que a imagem faz, e não apenas o que ela representa”.
A máquina fotográfica é parte de suas ferramentas de trabalho como historiador da arte. Quando e como começou a capturar as obras fotograficamente? Você seguia o “modelo” de outros historiadores da arte? Daniel Arasse, talvez?
Preciso evocar vários momentos. Primeiro: na época de minhas pesquisas sobre a histeria, entre 1979 e 1981, eu utilizava a fotografia para solucionar a dificuldade de acesso aos documentos. Para resumir, direi que quando escurecia, depois de um dia inteiro pesquisando na Biblioteca Charcot, eu saía levando um volume da Iconografia fotográfica da Salpêtrière – sem autorização, evidentemente – que à noite, em minha casa, fotografava (comprara uma mesa de reprodução tcheca, ou seja, robusta e barata), e que na manhã seguinte devolvia. Todas as imagens do meu livro Invenção da histeria foram obtidas assim; também aconteceu de pedir ajuda a um fotógrafo profissional para reproduzir imagens mais difíceis. Eu utilizava filmes Tri-X de 400 ASA, em preto e branco. Mandava revelar no laboratório Publimod. Também fiz fotografias em Paris, principalmente no museu do Louvre – para as marcações de um projeto de filme que eu tinha, na época, com o cineasta Jean-André Fieschi, sempre sobre a questão da histeria.
Segundo momento: o da viagem à Itália. Acho que eu utilizava a mesma máquina Pentax de meus primeiros ensaios, só que dessa vez com filme em cor, para diapositivos. Foi então – a partir de 1984 – que constatei o quanto a prática fotográfica era importante para um historiador como o argelino Daniel Arasse, com quem, na época, eu conversava muito. Isso porque, ao contrário das universidades americanas, por exemplo, as instituições francesas não contavam com “diapotecas” nas quais se pudessem garimpar imagens de obras de arte. Por isso nós mesmos as fazíamos – e às vezes também para nossos amigos Louis Marin ou Hubert Damisch, que preferiam visitar os museus italianos com suas cadernetas de desenho em punho.
A prática comportava um inconveniente e uma vantagem. O inconveniente era que precisávamos tirar – e às vezes “roubar” – as fotos em locais com má iluminação, fosse ela natural ou artificial, de modo que essas fotos não tinham boa qualidade. A vantagem era que fazíamos fotografias que ninguém antes de nós tivera a ideia de fazer. Foi o que aconteceu com os “falsos mármores” dos afrescos de Fra Angelico, em Florença. Comecei fazendo diapositivos 35mm com minha Pentax; depois, para publicar um artigo na revista Mélanges de l’École Française de Rome, em 1986, pedi ao fotógrafo Patrick Faigenbaum – que, como eu, era hóspede da Villa Médicis – que fizesse diapositivos 6 × 6, de qualidade cromática bem melhor. Tenho esses diapositivos até hoje, em algum lugar.
A partir de 1986, fui morar em Florença enquanto trabalhava na Villa I Tatti, domicílio do famoso historiador da arte Bernard Berenson. Naquela instituição compreendi, de forma muito concreta, que toda a prática da história da arte dependia de opções a princípio ligadas à reprodução fotográfica. A fototeca de Berenson é lendária, extraordinária, mas em preto e branco, é claro. E dedicada exclusivamente aos elementos figurativos da arte do Renascimento. Tive de fazer pessoalmente todas as imagens de áreas “ornamentais”, que na época me interessavam, em sua vinculação iconológica com as “figuras” – aliás, com o imenso prazer da exploração e da descoberta.
Uma pergunta mais genérica: em que aspecto a máquina fotográfica pode ser um instrumento de compreensão?
Essa pergunta genérica é, na verdade, uma questão fundamental, crucial: porque envolve, no processo da pesquisa, um momento extremamente importante de decisão, uma “encruzilhada” ao mesmo tempo prática e teórica, estética e epistêmica. O que significa “compreender”? Significa “tomar com”. Portanto, tomar e trazer para si. A partir disso, fica claro que não é possível, em nenhum momento, compreender tudo: o que trazemos para nós nunca é mais do que uma pequena porção do mundo. No campo visual, o que “compreendemos” é o que enquadramos, recortamos: a porção que decidimos trazer para nós. No caso dos afrescos de Fra Angelico, minha decisão foi simplesmente enquadrar mais embaixo, não olhar apenas a área figurativa do alto, mas também a área “abstrata” de baixo, e refletir sobre suas relações. Enquadrar é, assim, uma opção de conhecimento, ou melhor, a escolha da pergunta que você quer dirigir ao visível.
Mas o enquadramento não é uma ciência exata. É uma heurística, um experimento. Mesmo intuitivamente, nem sempre funciona. Às vezes, calha de eu enquadrar alguma coisa, voltar para casa, trabalhar com aquele enquadramento – e todo o restante que vem junto: fontes, textos, questionamentos teóricos, comparações –, e depois ter de voltar ao início para fazer um enquadramento mais correto, mais fecundo, de certa forma. É um ir e vir constante entre uma opção de enquadramento, de corte, de montagem, e sua posta à prova pelo pensamento.
Posso dar um exemplo brasileiro do qual você foi testemunha, no Rio de Janeiro, em 2013. Na companhia de Tadeu Capistrano e outros amigos, passeávamos pelos jardins do parque Lage. Eu pensava em Glauber Rocha, que filmara Terra em transe (1967) naquele lugar. Ao mesmo tempo, andava entre as raízes que brotavam de todo lado sob nossos pés, como grandes serpentes. Fascinado, eu fotografava aquelas raízes e me perguntava: “Mas, afinal, o que significa ‘radicalidade’, quando as raízes assumem essa forma de serpentes entrelaçadas?” (configuração teórica que identifiquei em Warburg, justamente, como sendo crucial). Podemos afirmar, então, nesse caso e em muitos outros, que o ato fotográfico estava situado no exato ponto de encontro de uma percepção sensível com um questionamento filosófico.
Que papel desempenham as imagens fotográficas em seu sistema de trabalho baseado em fichas e na mesa de montagem?
Todo o meu trabalho de escrita se baseia num sistema de fichas em que a montagem – aqui está, portanto, depois do enquadramento, a outra operação determinante – faz emergir pensamento, hipótese, com suas articulações e suas consequências, muitas vezes imprevisíveis no início. Essas fichas são obtidas, muito simplesmente, recortando uma folha A4 em quatro partes. O resultado é interessante: quase o tamanho de um cartão-postal. Idealmente eu gostaria de imprimir todas as minhas imagens fotográficas – realizadas hoje com uma câmera digital cujos arquivos estão armazenados em meu computador – nesse mesmo formato e misturá-las com os cartões-postais comprados aqui e ali e, sobretudo, com as fichas de textos, indiscriminadamente. De fato, meu tempo de trabalho é constantemente regulado pelo paralelismo estabelecido entre a obtenção, o enquadramento e a montagem das imagens (seja por meio da fotografia, seja pelo uso de um scanner), de um lado, e a redação de textos a respeito dessas fichas e sua montagem, de outro.
No ensaio “Cascas”, lançado em 2011, depois de uma viagem a Auschwitz-Birkenau, você publicou pela primeira vez suas fotografias, só que num estilo completamente diferente: pessoal, em preto e branco e mantendo uma relação sutil com o texto. Você poderia falar dessa experiência fotográfica? E você também fez leituras desse texto, acompanhadas da projeção de imagens.
Levei anos até considerar a possibilidade de ir a Auschwitz, onde desapareceu boa parte de minha família materna. Eu escrevera Imagens apesar de tudo sem nem mesmo conseguir visitar o local. Como disse Diane Arbus, e certamente muitos outros fotógrafos, a câmera introduz algo semelhante a uma interface, um distanciamento no impacto emocional de uma situação real. Isso é tão verdadeiro que quase todas as fotografias que tirei em Birkenau foram às cegas: na verdade, não via nada no visor da minha câmera digital, em virtude da luminosidade específica – ao mesmo tempo cinzenta e intensa – daquele dia. Fotografar, então, era defender-se de um possível desmoronamento. Nenhum projeto num gesto assim. Nenhum projeto de texto. Apenas um percurso no local com a câmera como mero atestado de efetivamente estar lá. Como todo mundo, portanto, turistas apáticos ou peregrinos perturbados. Foi a copresença dessas fotografias, quando voltei para casa eas observei, que desencadeou a ideia de um relato daquele percurso, só isso. Aqui, portanto, a experiência fotográfica não se associa apenas a um desejo de conhecimento, porém, mais interiormente, mais poderosamente, a um desejo de escrita: tentar escrever uma emoção por intermédio de uma sequência de imagens afinal terrivelmente banais.
Você não pretende ser fotógrafo no sentido lato do termo, mas, em certos casos, publica suas próprias fotografias. Penso no diálogo que travou recentemente com o pintor Gerhard Richter, por ocasião da conversa que tiveram no ateliê e, depois, de forma epistolar. Em que consistia seu trabalho fotográfico e que lugar ele ocupa em sua análise do trabalho de Richter?
Não me vejo como fotógrafo, ainda mais falando com você, que é um virtuoso e um artista dessa atividade técnica. Abordo a fotografia unicamente com as duas atitudes heurísticas do enquadramento e da montagem, o que é bem pouco diante dos aspectos formais da fotografia em geral: grão, luz, dimensão, orientação, escolha do suporte etc. A prática fotográfica, repito, para mim tem uma proximidade muito grande com essa produção intensa de fichas de escrita. Não bato uma foto com a intenção de fazer uma bela imagem a qualquer preço, mas para obter uma ficha associável a outras. Isso faz parte do que Foucault chamava de hypomnèmata, as ferramentas mnemônicas e heurísticas do pensamento.
Quando Gerhard Richter me pediu para visitá-lo no ateliê, fiquei estarrecido ao constatar que ele tinha apenas quatro telas em branco para me mostrar: quadros que ainda não haviam sido pintados. Era uma solicitação de palavra: ele queria conversar livremente, de modo flutuante e, além disso, um pouco constrangido, sobre a questão de Birkenau. Mas compreendi imediatamente que aquele ateliê vazio, com quatro quadros em branco e um móvel de metal com três potes de tinta, aquilo tudo constituía um objeto fotográfico exemplar para um historiador da arte. Assim, perguntei a Richter, no momento em que, depois da refeição, ele ia fazer uma sesta de 15 minutos, se podia ficar no ateliê e tirar fotografias. Minha carta, depois, foi o resultado daquela fala apenas esboçada e daquelas imagens de um trabalho pictórico não realizado. Como de costume, primeiro escolhi as imagens, depois as posicionei numa sequência que, em si, “dizia” alguma coisa – uma montagem narrativa, de certo modo –, e a partir daí só me restava escrever a partitura daquelas imagens e da minha memória desse dia com o pintor.
Para além da frase famosa que abre a entrevista, você trabalhou, em 2013, no âmbito de um ciclo de cinco conferências no Louvre sobre a questão do Álbum da arte na época do Museu imaginário em Malraux. Qual é a importância do pesquisador e artista André Malraux na relação que você estabelece entre fotografia e história da arte?
Ele é importante, todo mundo sabe. Seus trabalhos do Museu imaginário são obras-primas da edição de arte, e marcaram época. Mas era um modelo que eu não deveria seguir. O modo como Malraux usa a fotografia de arte é prescritivo, englobante, normativo, para além de suas intuições fulgurantes. Depois de Walter Benjamin e Warburg podemos, ao contrário, imaginar um uso da fotografia na história da arte que não seja ilustrativo, mas hipotético. Diante de uma montagem com duas imagens, Malraux propunha que ela respondesse a perguntas do tipo: qual é o estilo dedutível dessa associação? O que é a arte, afinal de contas? Parece-me que podemos ser ao mesmo tempo mais modestos (no plano metafísico) e mais operativos (no plano dos contatos ou dos contrastes entre imagens), como Georges Bataille, por exemplo, na extraordinária ilustração de sua revista Documents. Existem ali bifurcações cruciais na “política das diferenças” a adotar quando utilizamos as imagens fotográficas para ter uma ideia mais sensível da história. ///
Georges Didi-Huberman (1953), filósofo, historiador da arte e professor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, é autor de ensaios como Imagens apesar de tudo (2004), A imagem sobrevivente (2002) e O que vemos, o que nos olha (1992).
Arno Gisinger (1964), artista francês, curador e professor da Universidade Paris 8.
Traduzido do francês por Heloisa Jahn.
Tags: Campo de extermínio, Filosofia, História da Arte