Fotolivro de Cabeceira: a curadora Rosely Nakagawa escolhe obra de Maureen Bisilliat dedicada a Guimarães Rosa
Publicado em: 2 de agosto de 2017O primeiro livro de fotografia a me impressionar foi A João Guimarães Rosa, de Maureen Bisilliat. Estudei fotografia na Enfoco, em uma turma especial que teve aulas de estúdio com a Anucha, de técnica de fotografia e laboratório com o Clode Kubrusly, de edição com a Maureen Bisilliat , de história da fotografia com o Cristiano Mascaro e de prática de laboratório com o Pedro Martinelli.
As aulas da Maureen aconteceram durante o processo de edição da segunda versão de A João Guimarães Rosa, em 1974, acompanhando as idas e vindas das provas de impressão, dos fotolitos, da separação de cor, da prova de gráfica e da encadernação.
Ao mesmo tempo, eu estudava na FAU-USP e frequentava os laboratórios de fotografia, onde era monitora do Cristiano Mascaro ao lado de João Musa. Tinha aulas de gravura e tipografia com a Renina Katz e de produção gráfica com o João Pereira. Era bem atenta aos processos de reprodução, tema da minha tese de graduação, orientada pela Diana Mindlin. Foi uma experiência fundamental para o que faço hoje.
Maureen, nascida em 1931, começou seu trabalho na pintura, antes de partir para a fotografia. Desde a infância, viveu entre Inglaterra, Estados Unidos, Dinamarca, Colômbia, Argentina e Suíça. Mas foi no Brasil que desenvolveu seu trabalho mais pessoal. Em 1953, mudou-se para São Paulo em companhia do fotógrafo espanhol José Antonio Carbonell, seu primeiro marido. Depois de algumas temporadas no exterior, onde continuou o estudo da pintura, retornou ao Brasil. Em 1960 conheceu Jorge Amado e começou a buscar na literatura um caminho para o seu trabalho fotográfico.
Foi assim que ela conheceu Guimarães Rosa. Por sugestão do próprio autor, Maureen viajou pelo sertão mineiro para produzir as imagens do que leu. O resultado foi um filme, com direção de Marcelo Tassara, de 1968 e uma primeira versão do livro, editada em 1969. A que tenho é a versão reeditada em 1974.
O livro traz imagens que revisitam a narrativa do Guimarães Rosa, revelando ou recuperando personagens, como Manuelzão, que ela conheceu pessoalmente. A relação entre texto e fotografia não se limita na imagem como ilustração do texto, ou no texto como legenda das fotos. Mas se realiza como obra inteira, coesa, de convivência entre duas linguagens e talentos equiparados que revelam o Brasil profundo com toda sua sofisticação e complexidade.
Revisito sempre este livro (que já foi restaurado pelo Sidnei Perego, designer, encadernador e que foi meu assistente de encadernação na década de 1980). A João Guimarães Rosa tem um projeto gráfico muito ousado mesmo para os livros de hoje, apesar de todas as limitações de impressão, da qualidade dos fotolitos, do offset e dos papéis disponíveis quando foi produzido. A sequencia e dimensão das imagens foram estudadas para cada página e texto. A capa é branca, com a guarda negra. A tipologia, em futura light, tem a espessura do filete que fecha as páginas, desenha os textos, títulos e créditos. As imagens e textos têm grandes margens brancas. Em contraluz, as fotografias têm contraste acentuado, são fortes, com pretos profundos e reveladores, muito ousadas para os padrões da época.
A figura da Maureen também sempre foi assim. Ao mesmo tempo forte e delicada, impositiva, doce e grande ouvinte. Foi dela que ouvi pela primeira vez, na década de 1970, que a fotografia tem no livro o melhor suporte para sua visão, leitura e difusão. E ela tem toda a razão, como sempre.///
A João Guimarães Rosa
Maureen Bisilliat
Gráficos Brunner, 1974
Número de páginas: 70
Rosely Nakagawa é curadora e editora de artes visuais. Formada em Arquitetura pela FAU-USP, fundou a Galeria Fotoptica em 1979, coordenou a Casa da Fotografia FUJI e foi curadora das galerias FNAC de 2003 a 2009. Atua como curadora independente, tendo realizado mostras de arte em instituições como a Pinacoteca do Estado de SP, MASP e IMS entre outros. No exterior, foi curadora de mostras no PS1 MOMA (NY/EUA), no Guggenheim (NY/EUA), no BOZAR (Bruxelas/Bélgica) e no Centro Metropolitano de Fotografia (Nagoya /Japão). Como editora, tem livros publicados pela Edições João Pereira, Dorea Books, Edições SESC e Tempo d’Imagem.
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