Fotógrafo e cineasta Murilo Salles lança livro com fotografias resgatadas dos anos 1970
Publicado em: 26 de abril de 2019Oscar Wilde dizia que se você não pode ler um livro repetidas vezes então não adianta lê-lo. O cineasta Murilo Salles pariu um livro para ser lido para sempre, apesar de conter tão poucas palavras. É um livro de fotografias. Um conjunto de 116 imagens entrelaçadas e ordenadas com talento, carregadas de aflição, nostalgia, doçura e imaginação. Quase um romance. Fotografias 1975-1979 é uma narrativa sem lugares, datas ou nomes de personagens. Tudo está lá, mas não aparece. Você precisa ler repetidas vezes. Começa não pelo começo durante as filmagens de Dona Flor e seus dois maridos, que Salles fotografou e Bruno Barreto dirigiu, e termina longe do fim, noutro set, o de Cabaret mineiro (este em dupla com Carlos Alberto Prates Correia), cinco anos depois. Em uma coisa e outra, a trama mais densa, pois autobiográfica: fotografias feitas num momento de sofrimento e fuga.
Salles tinha só 25 anos e já era um reconhecido diretor de fotografia de cinema. Estava no seu quinto longa como diretor de fotografia. Mas “uma angústia me motivou a querer viajar depois do sucesso de Dona Flor, ele conta. “Grande parte de meus amigos estavam exilados. Isso me levou a um autoexílio que acabou virando um período rico fotograficamente.” Paris, Maputo, Lisboa, Munique, Roma, Londres, Nova York, Milão. Salles fotografava muito, demais. Fotos errantes, de estar pela rua, como ele diz. Uma necessidade, um vazio dia a dia preenchido com cores, sombras, geometria, pedaços de gente, sentimento e verbo.
Foi longa a gestação do livro, dez anos, porque ela se deu ao mesmo tempo em que Salles continuava fazendo cinema. Aos 68 anos, ele conta 21 trabalhos como diretor de fotografia, roteirista ou diretor — de longa-metragens como Dona Flor, Eu te amo e Nome próprio a documentários como Todos os corações do mundo, o filme oficial da Copa do Mundo de 1994 (melhor que a própria Copa, por sinal). Um dia, reorganizando as coisas em casa, Salles encontrou uma velha caixa de slides. Abriu-a. E começou a dar à luz Fotografias 1975-1979. Com ele, revisitou lugares, aprendizados, sensações. Para, enfim, concluir algo que nem Oscar Wilde ousaria: seu livro de fotografias é uma vingança contra a própria mãe. A seguir, sua entrevista à ZUM.
Vamos começar com um necessário clichê, desculpe: como te ocorreu a ideia de fazer esse livro e por que só agora? Foi uma revisita àquela “coragem adolescente de descobrir a si mesmo e o mundo através da fotografia” da qual você fala no livro?
Murilo Salles: Nunca tinha me ocorrido a ideia de fazer um livro de fotografia. Ele é consequência de uma reorganização em minhas coisas, pois resolvi mexer numa caixa de isopor cheia de slides. Eram slides que tinham sido feitos durante a época mais produtiva da minha experiência fotográfica. Fui dar uma olhada neles e pronto, eis o livro. Não foi revisitar uma coragem adolescente, pois, quando fiz essas fotos, já era fotógrafo profissional. Já tinha fotografado Dona Flor e seus dois maridos, meu quinto longa-metragem como diretor de fotografia. Tratam-se de fotos que fazia para treinar minha função escópica, para manter afiado o meu senso imagístico. O tema do livro é a fotografia. É um em si fotográfico. Não existe a busca de algo a não ser o puro pensamento foto-visual. Tem uma parte técnica muito acurada, onde me desafiava para treinar. E quando voltei a esses slides, dez anos atrás, achei que fazia sentido mostrar esse trabalho. Porque, sim, era um trabalho. Como não estava fotografando nenhum filme à época, saía à rua, câmera na mão, querendo manter a forma. Era um exercício quase diário. O que descobri, revendo o trabalho, foi como ele dialogava com a fotografia ensaística colorida que começava a se impor na época. Isso me entusiasmou.
1975-1979. Um período bem determinado. Você fala em “necessidade”, “angústia” e “exílio”. Pode contar mais sobre a sua vida nesses cinco anos? O que você buscava com a fotografia? E como foi olhar pra esse período de novo quatro décadas depois?
MS: Como disse, quando fiz essas fotos já era reconhecido como um fotógrafo de excelência no cinema brasileiro. Mas uma angústia me motivou a querer viajar depois do sucesso de Dona Flor: grande parte de meus amigos estavam exilados. Isso me levou a um autoexílio que acabou virando um período muito rico fotograficamente. Primeiro fui a Paris, onde fiquei por seis meses. Depois fui a Moçambique, levado pelo Ruy Guerra, para dar aulas de fotografia de cinema por quase dois anos. E voltei para filmar Cabaré mineiro, a convite de Carlos Alberto Prates Correia, em Montes Claros e Grão Mogol, Minas, onde fiz várias dessas imagens. Durante os quatro anos que não fotografei nenhum longa criei o hábito de me exercitar. Algo mexia dentro, o olho coçava. Essa relação com a forma de expressão que me dava tanto prazer em exercer, quando tudo à minha frente virava questão para pensar fotograficamente aquilo que se apresentava. Pensar a potência visual possível naquele instante, no que elegia com o olhar, com meu foco de interesse e o que recortava mentalmente… Porque no livro não existe nenhuma fotografia reenquadrada, apesar de eu não ter nada contra isso. O que me interessava também eram os movimentos e contrastes, o desafio da exposição e de como lidar com aquelas cores. É um trabalho de paixão pela fotografia.
Você diz no texto que está no livro que a fotografia te ajudou a se sentir alguém. Tem a ver com a competição silenciosa que mantinha com sua mãe artista?
MS: Sim. A busca desse sentido se deu quando tinha de 13 para 14 anos. Talvez por causa da câmera Kodak, um aparelho maravilhoso, com fole, que minha mãe tinha e não usava. Sou o que sou, também, muito por causa de minha mãe. Ela privilegiava a arte. Era uma tremenda artista reprimida pelo bom (?) casamento burguês. E me incentivava muito. Mas seu narcisismo me intimidava, porque, como personalidade, era mais filho de meu pai, um mineiro tímido e reprimido. Competi com minha mãe mais tarde, durante minha iniciação artística, focada para além do modernismo. Foi a vingança, porque ela nunca chegou aí, no modernismo, apesar de sua produção de desenhos coloridos ser surpreendente.
Aquele amigo de seu pai que pediu pra ver as suas primeiras fotografias. Sobre o que elas eram? Sobreviveram ao tempo?
MS: Era o redator-chefe do Correio da Manhã, jornal que meu pai trabalhou por 30 anos. As fotos eram documentais. Gente pobre na rua. Morava em Santa Tereza quando as favelas ainda eram inscritas no típico clichê do morro romântico. Documentava Santa Tereza, a Lapa, a Praça XV, o Campo de Santana e, quando foi inaugurado, o Aterro do Flamengo. No caso, eram fotos que fiz em preto e branco com a câmera Kodak da minha mãe. Fiz uma expedição ao Aterro por dois ou três meses após sua inauguração. Os mendigos invadiram os belos jardins e bancos de cimento do Burle Marx. Procurei essas fotos nos meus baús e não encontrei. Existem, sim, algumas da época que era secundarista no São Vicente de Paulo. Inclusive publiquei no livro umas que fiz com a Emily Pirmez, colega de turma — as únicas imersas no clichê de foto de moda. Tinha acabado de assistir Blow Up, do Antonioni, um filme que me influenciou e marcou para sempre.
O que significou pra você passar do negativo preto e branco para o slide colorido?
MS: O que me fez passar do preto e branco para o colorido, mais uma vez, foi minha mãe! Ela, que me enchia o saco pedindo para fotografar reproduções de livros de arte, em cores, para que projetasse em suas aulas. Daí a passagem para a cor direto com o slide (Kodachrome). Fotografia still na época era sinônimo de preto e branco. Mas fui daí para o cinema. Fiz três curtas com o Bruno [Barreto] em preto e branco. Mas quando passamos para o longa-metragem a cor se impunha comercialmente. O cinema trouxe a cor ao mundo, antes da televisão. Era a grande diferença do cinema. Rebobinava o negativo Eastmancolor 5254 para fazer testes antes de começar a filmar. Quatro fotos desse livro, as mais antigas, foram feitas com essas sobras de 5254. São fotos de garotos muito pobres em Salvador, onde rodamos o Dona Flor, no pelourinho, exibindo com orgulho seus carrinhos coloridos de plástico, e uma baiana linda numa barraca de acarajé. São as fotos mais antigas do livro e foram feitas em negativo de cinema, não em slide.
Ao longo da sua trajetória, a fotografia foi uma liberação, um contraponto, ou um prolongamento do cinema? Havia essa distinção pra você? E como uma fotografia interferiu na outra?
MS: A fotografia still foi formadora em minha vida. Me colocou no mundo. Me deu identidade. E ela apareceu espontaneamente. A fotografia no cinema veio depois, um pouco também por acaso e destino. Quando decidi me dedicar ao cinema queria, como todos na minha época, dirigir filmes, ser um autor. Comecei dirigindo três filmes de um minuto e meio para o Festival JB de Cinema Amador. Tinha 17 anos e fui ajudado por amigos, inclusive o Bruno Barreto [diretor de Dona Flor, Gabriela, Bossa Nova e outros]. Daí veio a minha relação com o Bruno. Ele também queria dirigir e me “sobrava” fotografar. Como era algo que já fazia, foi natural. Não escolhi ser fotógrafo de cinema. Nem ser fotógrafo. Ela, a fotografia, me deu o destino na vida.
Vamos ao livro. Por que a imagem do fusca e a esquina abrindo a obra? Me remeteu ao Hopper, embora você diga que Rothko e Malevitch sejam suas inspirações.
MS: É uma imagem de uma solidão avassaladora. Mas o que me interessou naquele momento foi o desenho geométrico das sombras no chão em contraste com o sol no carro branco, que é um limite de contraste radical, debaixo do sol escaldante de Maputo, capital de Moçambique, onde a foto foi feita. É curioso sim, muito bem observado, a fotografia passa uma sensação ‘fria’ apesar de estarmos num país quente da África. Essa é a potência da fotografia. E você “completou” a foto com sua acurada percepção. Outros vão completa-la de outras formas. A fotografia é um meio incrivelmente rico, atiça necessariamente o pensamento e a memória inconsciente do fruidor. Quanto ao Hopper, suas pinturas já foram uma referência no cinema. Meu primeiro filme como diretor, Nunca fomos tão felizes, de 1984, teve uma inspiração por aí. Mas, objetivamente, o que me interessava à época dessas fotografias era o preto sobre preto do Malevitch. Uma experiência radical de pintura. Isso me inspirava a procurar similaridades fotográficas. E o livro tem vários desses exemplos, de pensar visualidades significantes no extremamente escuro. Quanto ao Rothko, para quem trabalha com fotografia em cores, ele é inspiração obrigatória. Existem várias homenagens/referências diretas no livro, como três quadrados em diversos tons de amarelos que se formam projetados pelo sol através das janelas no fim de tarde num apartamento em Moçambique. Tem uma foto de uma bela e enorme cabeleira loura ao lado de uma vitrine, onde o que interessa são as camadas de cor, as sutis diferenças nelas, mas em vez de usar tinta, uso as misturas de horário, das temperaturas de cor, a exposição e o domínio sobre o Ektachrome. Existem fotos em torno de cinzas absolutos que são inspiração direta do que hoje está exibido na Rothko Chapel, em Huston, no Texas. Aliás, não é só Rothko ou Malevitch. Várias das minhas fotos dialogam com pintura, inclusive com o gestual da pintura. Minha mãe era pintora, e minha esposa é artista plástica. Tenho muitos amigos no ambiente das artes plásticas, talvez bem mais do que no cinema. Talvez esse livro que eu me devia recupere um desejo antigo de pensar principalmente no campo visual.
Muitas das fotografias nele são feitas de pedaços, partes. Pedaços de gente, de carros, de chãos, tetos… Consegue explicar por que teu olhar te guiava a esses pedaços? E por que tantos carros?
MS: Tantos carros… simplesmente porque estava na rua. Estava em trânsito. Andava, vagava, flanava procurando estímulos. Os carros estavam na minha frente, então passavam a importar no recorte estético que processava na minha cabeça. São partes e pedaços de coisas porque não são fotos documentais. E nesse sentido são um ensaio, sim, porque existe uma busca de encontrar significação através do pensamento fotográfico. Olhar tudo ao redor e dar sentidos a objetos basicamente sem valor. E esse trabalho foi evoluindo. Hoje faço muitas fotos tentando equivocar o real, tentando suspender os sentidos dessa forte tradição na fotografia que vem da base foto-jornalística ou do ensaio temático. Tento apenas fazer aparecer uma potência visual em coisas simples como um teto de bar, reflexos numa vitrine, um carro que, em velocidade e desequilibrado, sai do quadro que compunha para esperá-lo. Me concentrava em fazer aparecer sentido estético em coisas banais, como a porta aberta de um carro.
Em uma sequência escura do livro, quase monocromática, sua sombra aparece numa das imagens. É um homem sozinho, desarmado, ameaçado, não-inteiro, prestes a ser alcançado por outro homem de casaco autoritário, sapatos lustrosos e que vem de cima. Bom, como você pode ver, viajei nessa imagem. Pode falar mais sobre ela?
MS: Isso é genial na fotografia, ela é puro significante. Quem atribui significado é o fruidor. Você preencheu a minha fotografia com uma narrativa cinematográfica maravilhosa! Nem sei se deveria fazer o meu comentário, que será menor que a sua narrativa, pois técnico. Mas você pediu, então vamos lá. Essa foto é uma tentativa de dar conta de preto sobre cinza (Rothko Chapel + Malevich; era bem no final de tarde, última luz invernal em Paris) e aprisionar o movimento. Algumas imagens são aprisionamentos de movimentos, porque no cinema o movimento é livre e essencial. Cinema é cachoeira, como bem sintetizava Humberto Mauro [um dos pioneiros do cinema brasileiro]. Aqui, na fotografia still eu queria aprisiona-lo. Tenho pelo menos duas outras fotos muito parecidas, que interrompem o movimento das pessoas no ato de se agachar. São instantâneos tentando interromper o movimento. Outras, várias, são o clássico instantâneo: a decisão intuitiva que expõem nossas decisões naquele segundo fotográfico. A imagem mais importante para mim é a da capa do livro. Fico até hoje surpreso com ela. Como fui capaz de elaborar uma composição luz/sombra, movimento e enquadramento, numa equação tão precisa? Ela foi para a capa porque, além de poderosa, é uma foto que perdi. Sim, perdi o negativo. É das poucas feitas com negativo, pois estava duro. Fiz aquelas cópias de contato num laboratório de revelação de esquina, em Florença, na Itália, e foi o que me restou. A foto da capa do livro é um milagre digital. Ela foi escaneada desse contato 8×12 cm e tratada pelo Gustavo Correa, que já trabalhava comigo na finalização de vários cartazes de meus filmes. Gustavo, além de grande expert em Photoshop, me conhece bem e se tornou grande cúmplice das minhas obsessões. Graças a ele, essa cópia tosca virou a minha capa. Não coloco título nem digo onde tirei minhas fotografias porque isso não me interessa, mas o título desta imagem da capa do livro seria: “A foto que perdi”. Comento isso porque foi um processo perturbador. Assim que vi o contato disse para mim: uau! Mas como pôde esse mesmo sujeito perder o negativo de uma foto que é sua capa do livro?
Por que não identificar lugares ou precisar datas das fotografias?
MS: O que é importante, o que interessa, o que quero destacar é a imagem que realizei. No cinema também sou um fazedor de imagens. Sabe, existe um fetiche, o título que adiciona sentido (que às vezes serve como bula explicativa), o lugar onde fizemos a foto, as questões técnicas, a velocidade, o diafragma, a objetiva, a câmera, e a data… Qual a diferença se fiz a foto da capa em julho de 1976 ou setembro de 1979? O livro ter um título vai contra o que acabo de afirmar. Está escrito, são Fotografias 1975–1979. Datei porque acho importante perspectivar a época que estava fazendo essas fotos. A mais novinha tem 40 anos. Isso é importante perceber. Mas qual a diferença saber se foi feita com uma Nikon e sempre com a mesma lente de 35mm? Foi uma decisão à Cartier-Bresson? Não. Acho que tudo isso são ferramentas. O desafio é colocar apenas uma lente na câmera e fazer disso um desafio para o seu pensamento: você tem que se virar com isso. No cinema, nos meus filmes, troco muito pouco de lentes. Fiz disso um estilo. Nome próprio, de 2007, foi inteiramente rodado com uma câmera de plástico, a HVX 200 da Panasonic, porque tinha lente Leica. Filmei tudo com essa objetiva, inclusive os closes. Os detalhes (olhos da Leandra Leal) foram feitos com um filtro/lente de aproximação que segurava na frente da objetiva. Portanto, a técnica e os dispositivos são nossa ferramenta. Não podem servir para nos entreter, mas para realizarmos com sabedoria nosso recorte no mundo.
Em texto assinado no livro, o historiador Mauricio Lissovsky observa que, apesar de ser um livro de viagem, não há paisagens. Mas há retratos. Poucos e lindos. Qual a sua relação com o retrato?
MS: Essa é uma pergunta difícil. Muito. Porque sinto que quando tiro um retrato estou meio roubando algo. E nós fotógrafos ganhamos dinheiro com um procedimento que é complexo. É óbvio que tem o valor real do meu “dom/talento” e da minha formação visual, que foi construída com anos de dedicação. Mas existe uma outra parte, o outro ser humano na minha frente. E estou de certa forma usufruindo de sua história, sua felicidade, seu sofrimento, uma intimidade. Coisas que não são minhas propriedades. Mas por outro lado acho totalmente legítimo e maravilhoso o trabalho de retratos, como o da [fotógrafa nova-iorquina] Diane Arbus. Nossa! Que talento incrível e como ela sofreu para fazer aquelas fotos. Pode ser ingenuidade minha, e é, mas os meus retratos são de gente que posa — e estão todos olhando e se exibido. Temos uma sociedade que se avalia e legitima pela imagem. Isso é uma loucura. Gosto de trabalhar nesse campo minado. Faço muitos filmes documentários em cinema porque são dificílimos de fazer! É um desafio quando você quer ir além do mero jornalismo. Não estou desprezando o jornalismo, não. Caramba, Robert Capa e a guerra civil na Espanha! Está tudo certo, incrível! O retrato é uma relação difícil para mim, complexa, chega a doer no corpo. Mas quando consigo, como o do garoto mascarado me encarando e a menina adolescente segurando a mão de outras duas, fico muito feliz.
Qual a sua relação com a fotografia hoje? Fotografa com que frequência? Película ou digital? Fotografa com celular? Ainda usa a velha Nikon F2?
MS: Não tenho mais uma câmera fotográfica que diga “minha” desde a F2 analógica. Fiz tentativas com umas Canon digitais, mas não gostei. Uso atualmente a Sony Alpha 7Sii para filmar documentários. Desde o surgimento do celular, caramba, só tiro foto com essa coisa! Mas estou namorando a ideia de comprar uma câmera digital que diga minha, finalmente. Não fotografo com frequência, mas fotografo. A Carcara, a excelente revista digital de fotografia, vai publicar uma seleção de fotos mais recentes minhas, quase todas feitas com celular. Mas isso não tem a menor importância. Uso celular porque está à mão. Sem teorizar. Pura conveniência.
O Walter Carvalho diz que fotografia não existe mais. Existe imagem. Qual a sua opinião sobre isso?
MS: Sim, concordo com o Walter. Tudo é imagem. Mas temo conceitos generalizantes, pois acredito que existam diferenças entre as imagens. São diferentes as formas de manipulação das imagens. Umas, puramente sensoriais, encurtam o tempo do estímulo sensório motor. Nos dão prazer e causam emoções se navegamos na onda do senso comum. Elas não abrem conteúdos que demandem um tempo mais contemplativo. Diante de experiências contemplativas, hoje, nos sentimos desconfortáveis. Tudo que aumenta o tempo entre estímulo e resposta demanda pensamento, e isso está sendo excluído no menu cotidiano da experimentação imagística, que é puramente sensorial. Sim, existe um universo que conhecemos como “imagens”. Mas imagem é principalmente uma forma potente de pensamento, com estruturas narrativas próprias. A imagem-pensamento. É essa que persigo intensamente, tanto na fotografia quanto no cinema.///
Murilo Salles é cineasta e fotógrafo autodidata. Enveredou-se pela fotografia de cinema, fotografando Tati, a garota (1973), Um edifício chamado 200 (1973), A estrela sobe (1974), Lição de amor (1975) e Dona Flor e seus dois maridos (1975), até fazer o primeiro clique do livro que está lançando: Murilo Salles – Fotografias 1975 – 1979. Depois fotografou Cabaré mineiro (1980), Eu te amo (1981), Beijo no asfalto (1980), Tabu (1982) e Árido movie (2006). Passou a dirigir filmes em 1972. Realizou dez longas-metragens e atualmente finaliza seu novo longa Oito ensaios no entorno da Baía de Guanabara.
Christian Carvalho Cruz é jornalista com passagens por Folha de S. Paulo, Placar, Quatro Rodas, Revista da Semana, IstoÉ Dinheiro, Época Negócios, entre outros, e autor de Entretanto Foi Assim que Aconteceu (Arquipélago Editorial, 2012), uma coletânea de reportagens publicadas no Aliás, suplemento de domingo do jornal O Estado de S. Paulo.
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