Bolsa de fotografia

Christ Kamanda, 31: um jornalista engajado é uma arma fatal

Trëma Publicado em: 27 de janeiro de 2016

Vencedor da Bolsa de Fotografia ZUM/IMS 2015, o projeto Memento, do coletivo Trëma, irá reconstituir as memórias de imigrantes que chegaram ao Brasil nos últimos anos, com fotografias feitas aqui e nos seus países de origem. Em sua pesquisa, o coletivo tem encontrado pessoas e histórias impressionantes, mas nem todas farão parte do material final. No site da ZUM, registrarão algumas dessas figuras ao longo do processo de trabalho.

Vindo da República Democrática do Congo há cerca de oito meses, atualmente instalado na cidade de São Paulo, Christ Kamanda é um jornalista de 31 anos. Em seu país, trabalhou na Le Potentiel Radio-Télé 7, a maior empresa privada de mídia da capital, Kinshasa. Teve também outras experiências na imprensa como repórter esportivo e analista de política internacional na Rádio Nacional; é consultor independente para várias revistas de língua francesa do Congo e de outros países. Solicitamos ao Christ que escrevesse um relato sobre como era ser jornalista no Congo. São as palavras de um imigrante e refugiado que quer dizer pouco, que se limita a expressar o que lhe é mais caro: o engajamento.

Christ Kamanda, 31 © Trëma

Christ Kamanda, 31 © Trëma

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Um jornalista engajado é uma arma fatal
por Christ Kamanda

Sou Christ Kamanda. Nasci na cidade de Lubumbashi, no sul do Congo. Logo após meu nascimento, minha família se mudou para Kinshasa, a capital do país, onde fiz todos meus estudos até me graduar bacharel em Relações Internacionais.

A República Democrática do Congo é um país de grandes dimensões no meio da África Central, com uma área de 2.345.409 km2, atravessado por três fusos horários e muito rico em recursos naturais.

O Congo conquistou sua independência da Bélgica em 1960. Nos 55 anos seguintes, sucederam-se quatro presidentes da República; infelizmente todos perpetuaram a ditadura e procuraram manter-se no poder violando a Constituição. Esses caprichos ditatoriais mergulharam o país no caos (assassinatos encomendados pela polícia secreta, violações dos direitos humanos, repressão sangrenta de manifestações populares, corrupção…). Como consequência, o Congo vive em uma instabilidade política permanente; o leste do país é destruído há mais de 19 anos pela guerra.

São estes fatos que me inspiraram a encontrar um meio de lutar e fazer um jornalismo engajado — o sentido da liberdade. O jornalismo é uma arma para defender os oprimidos e denunciar os comportamentos que destruíram minha pátria querida.

Quando no Congo, meu compromisso como jornalista era fazer a cobertura de reportagens em áreas de risco. A repressão sangrenta das manifestações pela polícia e pelo exército do poder, os conflitos, denunciar a corrupção, denunciar a cumplicidade de certos membros do governo na guerra no leste do país. O jornalismo era a melhor forma de servir ao meu país. É mais do que uma profissão para mim: é uma paixão.

Aqui no Brasil, mantenho meu engajamento. Em março de 2015, ativistas jovens dos movimentos Filimbi e Lucha foram presos arbitrariamente por sua luta social e por defender maior engajamento da juventude congolesa no processo democrático. Até hoje, eles seguem presos, sem direito a advogados e qualquer acesso à Justiça. Por meio das redes sociais, criei uma campanha para a liberação desses presos políticos. Compartilho com eles a mesma luta pela democracia e a justiça social.

O jornalista engajado é uma arma que faz o ditador tremer. Mas o engajamento, até que traga os frutos de uma democracia mais madura, nos torna alvos de perseguição e ameaças.///

tradução de Laura Schichvarger

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