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Conversas na quarentena – Naiara Jinknss e Ryane Leão

Ryane Leão & Naiara Jinknss Publicado em: 26 de maio de 2020

Convidamos a fotógrafa Naiara Jinknss e a escritora Ryane Leão para uma troca de e-mails durante este período de quarentena. Naiara envia fotografias do seu cotidiano e Ryane responde com um texto, uma conversa que seguirá e será publicada no site da ZUM. Esta é a primeira troca entre os dois. Confira a segunda, a terceira e a quarta parte da conversa.

 

 

Nay,

Fiquei pensando sobre a espera, os detalhes, as brechas, os abismos, a saudade, as possibilidades e aquilo que fica. Acredito que ninguém simpatize muito com o tempo, mas é justamente aí a nossa falha. Insistimos em nos afastar dele, e assim deixamos de criar laços com os nossos anos e desaprendemos sobre os instantes. Tempo é fora do relógio, tempo é espaço de buscar as sutilezas, tempo é tentar estreitar confortos e enxergar nas linhas de nossos corpos os saberes mais antigos. Tempo é emanar riso frouxo, se enxergar na outra pessoa, cultivar trocas sinceras. Tempo é a madrugada em que ajoelhamos na cozinha de casa, fazendo preces que caminham de nós para o que nos contorna. Temos esperado muito. Do mundo, dos cantos, dos espaços, das pessoas e de nós mesmas. O que virá depois se não refizermos nossas retinas em mudanças que abarcam e acolhem? Memória de futuro é alimento para esses dias de vivências múltiplas. Sua sequência de fotos me fez refletir sobre onde mora nossa fé e como nossos patuás dizem tanto, apesar de compreender que Deus dança dentro de nós constantemente. Também penso em quais máscaras a gente vinha carregando e o quanto olhar nos olhos agora parece inevitável. Eu sou candomblecista, e Omulu me faz crer na escuta do silêncio e no que é ser e estar. Ele tem me soprado segredos que me recordam a sobreposição da sua última foto. Ainda dá tempo de olhar ou sentir o céu.

E reza braba é construir casas em frases que me dizem que não pode ser tarde demais. Me abrigo nos ventos e tenho tentado ouvi-lo quando ele bate nas folhas das árvores. Fecho os olhos, e o som da cachoeira me aponta que o cuidado ancestral ainda pulsa nos nossos peitos abertos. Sabemos que nem toda dor pode ser transformada, nem todo mundo pode ficar em casa, nem toda mão que se abre pode fazer morada nas escolhas, nem toda cura é ligeira. Por isso eu tenho escrito cartas para o futuro, como as que vieram antes de mim fizeram para que eu pudesse erguer minha voz no agora.

Que os orixás possam nos mostrar caminhos abertos e novos significados.

Abraços leves

Ryane Leão

 

Convidamos a fotógrafa Naiara Jinknss e a escritora Ryane Leão para uma troca de e-mails durante este período de quarentena. Naiara envia fotografias do seu cotidiano e Ryane responde com um texto, uma conversa que seguirá e será publicada no site da ZUM. Esta é a primeira troca entre as duas. Confira também a correspondência entre o fotógrafo Mauro Restiffe e a escritora Carola Saavedra.

 

Naiara Jinknss é educadora social e fotógrafa humanista, nascida e criada em Ananindeua, no Pará. Trabalha com fotografia há 11 anos e nos últimos tempos compreendeu a importância da representatividade e o cuidado que é preciso ter ao documentar uma história. Acredita que através da imagem é possível fazer pequenas reparações históricas, dando assim dignidade a pessoas e lugares que já foram reduzidos a estereótipos.

Ryane Leão é poeta e professora cuiabana que vive em São Paulo. Publica seus escritos na página Onde jazz meu coração e recita seus poemas nos saraus e slams do Brasil. Seu trabalho é pautado na resistência das mulheres e focado na luta e no fortalecimento pela arte e pela educação. Autora de Tudo nela brilha e queima (Editora Planeta, 2017) e participante da antologia Querem nos calar (Editora Planeta), que reuniu quinze poetas mulheres de todas as regiões do Brasil. Em 2019 lançou seu segundo livro, Jamais peço desculpas por me derramar. É fundadora da Odara – English School for Black Girls, escola de inglês afrocentrado para mulheres negras que hoje conta com mais de 300 alunas. Ryane é do axé, filha de Oyá com Ogum e só sabe existir sendo ventania por aí.

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Leia também no #IMSquarentena uma seleção de ensaios do acervo das revistas ZUM e serrote, colaborações inéditas e uma seleção de textos que ajudem a refletir sobre o mundo em tempos de pandemia.

 

 

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