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A noite é tema do Fórum Latino-americano de Fotografia, que começa hoje em São Paulo

Publicado em: 13 de junho de 2019

Foto da série História natural del silencio, 2019, de Jorge Panchoaga, parte da exposição Ainda há noite/Nos queda la noche.

O evento, que acontece a cada três anos na sede do Itaú Cultural, reúne artistas, curadores, gestores de instituições culturais e público para debater e conhecer o panorama da produção imagética da região. Organizado pelo Instituto Itaú Cultural, ao lado dos fotógrafos e curadores Claudi Carreras e Iatã Cannabrava, o Fórum reúne até o próximo domingo (dia 16) mais de 40 profissionais do Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Espanha, Reino Unido, Guatemala, México, Nigéria, Peru, Portugal e Uruguai.

Além dos debates, rodas de conversa e leituras de portfolio de fotógrafos selecionados, acontece também a exposição Ainda há noite/Nos queda la noche (que segue em cartaz até o dia 11 de agosto), que apresenta projetos de 11 fotógrafos da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Peru e Uruguai, além da Espanha e do Reino Unido. Como proposta de tema para esta edição do Fórum, a noite surge como oportunidade de diálogo com assuntos contemporâneos presentes nesta porção continental – da onipresença dos celulares, a violência, manifestações sociais e resiliência, ao trabalho noturno e a memória. Na visão dos curadores, a mostra “sugere que há aspectos das identidades e das realidades latino-americanas que só são revelados ou vistos com mais precisão nas horas em que a luz natural cede espaço à da noite”.

Entre os temas das mesas de debates e conversas, destaque para Do pop latino ao universo simbólico andino, com o arquiteto boliviano Freddy Mamani e o argentino Marcos Lopez; Un abrazo latinoamericano, com o peruano Octavio Santa Cruz e a brasileira Rosana Paulino; e Amor e arte acima de qualquer algoritmo, com Angela Berlinde (Portugal), Anna Muylaert (Brasil) e Maya Goded (México).

ZUM conversou com a curadora e gestora cultural mexicana Guadalupe Lara e o arquiteto boliviano Freddy Mamani (que teve seus prédios fotografados por Tatewaki Nio na ZUM #10) sobre suas respectivas visões a respeito do atual cenário da produção e pesquisa audiovisual no continente.

Leia abaixo as entrevistas.

 

Como você enxerga a fotografia mexicana contemporânea em relação ao tema proposto pelo V Fórum Latino-americano em 2019 (Nos queda la noche)?

Guadalupe Lara: Eu acho que é muito interessante abordar a fotografia a partir do final da “noite”. É uma maneira de explorar esse espaço escuro onde reside nossa verdadeira personalidade, nossas obsessões, perversões, medos, desejos, impulsos e paixões. Na cartografia da fotografia mexicana atual podemos ver as diferentes formas de abordar tudo o que está oculto e que não é evidente, abordagens que falam de dor, alteridade, sujeito, medo e frustração.

Na sua opinião, os festivais de fotografia estão cumprindo o papel de promover diálogos entre diferentes países e continentes?

Guadalupe Lara: Sim, claro. Eles nos permitiram estabelecer laços de comunicação entre fotógrafos, editores, curadores, gestores, pesquisadores e o público interessado em fotografia em toda a América Latina. Processos foram gerados para repensar e ressignificar as próprias práticas. As diferentes gerações, ao longo destes anos, tiveram a possibilidade de ter diferentes abordagens, realidades, buscas, ficções e interesses. Mas, acima de tudo, parece-me que agora, mais do que nunca, devemos fortalecer esses encontros, já que a imagem na América Latina tem uma vitalidade, poder, diversidade, pluralidade e identidade como nunca antes.

As figuras do curador, do artista, do fotógrafo, do editor vêm convergindo na era da “pós-fotografia”. Como você enxerga o seu lugar nesse campo movediço?

Guadalupe Lara: Em relação ao espaço que dirijo, o Foto Museu Quatro Caminhos, vimos que a necessidade de dar ouvidos a uma narrativa que inclua conhecimentos diversos, mudanças sociopolíticas, cultura visual atual, acesso permanente à tecnologia, etc, fez com que de fato a educação se aproximasse mais e mais das estratégias dos museus, tornando-os espaços para múltiplas experiências, não apenas estéticas.

O meio fotográfico está em constante mudança, e mais ainda nos últimos anos com as gerações mais jovens. Há tamanha efervescência que as pessoas usam a fotografia sem o medo de ter que seguir o que foi estabelecido antes para esse meio. Há uma nova liberdade e uma democratização na imagem fotográfica. Isso força os curadores, gestores, editores e autores a enfrentar grandes mudanças e desafios em nossos papéis profissionais, a expandir nosso conhecimento e enfrentar os desafios que estão por vir.

Neste sentido, Claudi Carreras me parece ser o exemplo perfeito de alguém que entendeu isso e tem feito de forma muito eficiente e eficaz. O seu trabalho como curador continua a se expandir, tem sido capaz de criar novas narrativas, apesar do impacto da mudança política e do panorama financeiro na América Latina.

A arte precisa mudar para se adequar às transformações na nossa percepção do tempo histórico, ou ao contrário: ela representa uma fronteira de resistência à aceleração contemporânea?

Guadalupe Lara: As regras de resistência política e cultural mudaram drasticamente e a arte não é estranha a isso. A revolução tecnológica criou uma nova geografia das relações de poder, talvez estejamos numa época em que a cultura visual atingiu seu nível mais alto em toda a história da humanidade e possivelmente foi além. Portanto, essa democratização da mídia audiovisual obriga as manifestações artísticas a se engajarem em um diálogo de autorreflexão sobre seu papel na cultura atual. Temos que identificar a arte do nosso tempo, que é caracterizada por ser interdisciplinar, interativa e virtual. E isso está se movendo muito mais rápido que a teoria, e é por isso que acho difícil pensar a arte como uma fronteira de resistência, mas sim como o lugar para essas novas expressões artísticas em que o tempo se move num labirinto. Ou num enigma que temos que decifrar.

 

O excesso, o kitsch e o exagero são marcas reconhecidas (de parte) da produção artística latino-americana. O que isso pode revelar ao resto do mundo, principalmente à tradição europeia?

Freddy Mamani: Cada cultura e cada aldeia tem suas formas de expressão. Para nós, aymaras que vivemos na Bolívia, os traços, as linhas, os círculos e a diversidade de cores que reproduzimos em nossos tecidos e agora em nossa arquitetura são nossa maneira de nos comunicar e dialogar. E esse comportamento não é de agora, é o resultado de nossos usos e costumes, contados de geração em geração.

E lhe incomoda o fato desse imaginário ser lido apenas pela chave do exótico?

Freddy Mamani: Não necessariamente. A expressão artística em si é exótica. Para os outros, nossa forma de expressão é rara; e para nós, outras expressões do mundo são raras também. Mas, atrevo-me a dizer, aí está o começo do entendimento de outros imaginários e outras linguagens.

Nós, e falo no plural, vemos isso como uma oportunidade para mostrar o que é nosso, o que é diferente, o que é desconhecido e historicamente negado pela academia e pelo Estado.

De que forma os novos regimes de produção e circulação de imagens influenciam a arquitetura?

Freddy Mamani: Em grande medida. Embora assumamos e sustentemos que nossa arquitetura é inspirada nas linhas e traços de Tihuanacu e nas cores dos tecidos aymara, nós também sempre afirmamos que nossos projetos adotam os novos recursos da modernidade. É por isso que trabalhamos com luzes modernas, candelabros e materiais de qualidade de outras culturas. Ou seja, toda nossa produção artística dialoga permanentemente com o tradicional e o moderno.

Seus prédios apelam bastante às retóricas visuais; como pensar em uma “arquitetura para a noite”?

Freddy Mamani: Na verdade, nossa arquitetura é projetada para o final da tarde e a noite, para aquelas horas de encontro cultural expressas nas festas. É à noite que a comunidade assimila completamente o significado do nosso trabalho. De dia é só para observar, à noite é para usá-lo.///

 

Mais informações sobre o V Fórum Latino-americano de Fotografia

 

 

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