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Festival de Fotografia de Tiradentes 2016: a apropriação de imagens em pauta

Publicado em: 15 de março de 2016

ZUM esteve no Festival de Fotografia de Tiradentes – Foto em Pauta 2016. Além de exposições fotográficas e uma mostra de fotolivros, o evento contou com painéis de discussão sobre fotografia. Destacamos aqui a concentração nesta edição de artistas que trabalham a fotografia a partir da apropriação de imagens, recorte que demonstra como essa produção que parte principalmente da edição de imagens existentes tem sido explorada no Brasil.

A artista Helena Martins-Costa garimpa fotografias em sebos, antiquários, espólios, feiras de antiguidade e internet, das quais se apropria em suas séries. Interessada principalmente em álbuns de família rejeitados, analisa a representação das convenções sociais por meio da identificação de tipologias de retratos. Segundo ela, o processo de desaparição desses objetos, tanto da memória quanto pelos próprios processos físicos da fotografia, são fundamentais para entender o papel do tempo na ressignificação das imagens.

A espera (2004) é composto por grandes ampliações fotográficas em que a artista optou por mostrar apenas as mãos dos retratados, sentados em grupo e dispostos em sequência. É no comportamento das mãos, diz, que se pode observar certa individualidade que se contrapõe à postura padronizada do corpo estático. Em Vestidos para morrer (2000-2009), seleciona fotografias em que pares se apresentam com a mesma vestimenta. Desvio, projeto vencedor da Bolsa de Fotografia ZUM/IMS 2014, é um conjunto de 30 retratos que apresentam uma distorção de perspectiva involuntária causada pela câmera fotográfica. Considerados errados, esses objetos possivelmente descartados também discutem a convenção da pose reta dos retratos tradicionais.

Rosângela Rennó mostrou trabalhos realizados a partir da pesquisa em arquivos, afirmando  que seu processo de pensar a fotografia se dá de maneira não dissociada do espaço – o suporte é tão poderoso quanto a própria imagem, diz ela, que considera o livro um espaço expositivo, da mesma maneira que suas instalações. Imemorial (1994) é uma instalação em que reproduz retratos dos trabalhadores e crianças que construíram Brasília. Rennó encontrou mais de 15 mil arquivos no armazém do Arquivo Público do Distrito Federal e os utilizou para revelar o massacre dos inúmeros trabalhadores que morreram no processo de construção da capital. Nos registros, esses trabalhadores foram classificados como “dispensados por motivo de morte”.

O título do projeto 2005-510117385-5 (2009) corresponde ao número do inquérito policial referente ao caso do furto das 751 fotografias da divisão de Iconografia da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio, em 2005. Quatro anos depois, foram recuperadas 101 fotografias, das quais a artista reproduz apenas os versos em tamanho real no livro, ao lado da descrição de cada imagem. Para Rosângela, revelar o espaço em branco era mais importante do que a própria imagem –uma provocação ao descaso diante do desaparecimento do patrimônio nacional.

RioMontevideo, sua obra mais recente (em exibição na Photographers’ Gallery em Londres), é fruto de um trabalho em conjunto com o Centro de Fotografia de Montevidéu. As imagens projetadas na instalação são do fotojornalista uruguaio Aurélio Gonzalez, que trabalhou para o jornal comunista El Popular entre os anos 1950 e 1970, período que antecede a ditadura uruguaia iniciada em 1973, deixando quase 50 mil negativos escondidos em seu escritório por décadas, apenas recuperados em 2006. Em 2011, Rennó foi convidada a trabalhar no arquivo, resultando numa exposição que mostra uma seleção da documentação através de 20 projetores.

O artista Jonathas de Andrade mistura na instalação Ressaca tropical (2009) fotografias encontradas em quatro acervos e textos de um diário de um vigilante achado no lixo, em Recife. O texto pessoal, que descreve diversos encontros amorosos, é também um documento histórico da época da ditadura, em que seu personagem vagueia pela cidade, ilustrada pelas fotografias de construções modernas semiabandonadas. Para Jonathas, esse modernismo – que é conhecido, embora não conste dos livros de história – beira o esquecimento, e aponta para o clima de abandono da cidade. A imagem do espaço em construção, em conjunto com os relatos eróticos, gera uma tensão e cria um cenário fictício, reinventado.

40 nego bom é 1 real (2013, publicado na serrote #20) também parte de um cenário fictício. Jonathas reconstitui os ambientes que fazem parte do processo da fabricação do doce de banana “nego bom”, desde a plantação até os galpões de processamento. As serigrafias coloridas, feitas a partir de fotografias e colagens, são exibidas em meio as instruções para o fabrico do doce. A leveza do livro de receitas se contrapõe às imagens que levantam questões sobre o trabalho informal em uma sociedade pós-escravocrata.

Postais para Charles Lynch, do coletivo Garapa – também vencedor da Bolsa de Fotografia ZUM/IMS 2014 –, tem como base de pesquisa a plataforma de vídeo do YouTube. A partir das palavras-chave “linchamento” e “linchado”, o coletivo encontrou quase 10 mil resultados, dos quais 229 foram catalogados. Com interferências digitais nos fotogramas dos vídeos (que geraram um glitch), criaram imagens que discutem a representação da violência sem contudo espetacularizá-la, evitando reproduzir a lógica de sua circulação excessiva que contribui para legitimar a condenação e o crime nos casos de linchamento. Os vídeos foram armazenados em um disco LTO, utilizado para back-up de dados e acessado com um equipamento específico, que foi acoplado ao livro de artista, resultado final do trabalho.///

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