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Foto Cine Clube Bandeirante no Masp: entrevista com a curadora Rosângela Rennó

Publicado em: 8 de dezembro de 2015

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German Lorca, "Cenas quotidianas" ou "Padre na barca", 1949. Acervo FCCB/Masp

German Lorca, “Cenas quotidianas” ou “Padre na barca”, 1949, frente e verso. Acervo FCCB/Masp.

O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand abriu no dia 26 de novembro a exposição Foto Cine Clube Bandeirante: Do Arquivo à Rede, com curadoria de Rosângela Rennó, curadora-adjunta de fotografia no Masp. A exposição acontece até 20 de março de 2016, no primeiro andar, e conta com 279 obras de 85 artistas. ZUM entrevistou a curadora, que falou sobre seu mergulho na coleção do mais importante fotoclube brasileiro – ainda em atividade desde sua fundação em 1939 –, recém-chegada ao museu. O Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB) teve entre seus membros nomes como Geraldo de Barros, Chico Albuquerque, German Lorca, Thomaz Farkas, Gaspar Gasparian, Eduardo Salvatore, Marcel Giró, Madalena Schwartz e José Yalenti.

 

ZUM: Como foi mergulhar no acervo do Foto Cine Clube Bandeirante e a seguir selecionar as imagens para a mostra? O que você enxergou ali, ou o que queria mostrar com o recorte?

ROSÂNGELA RENNÓ: Foi uma experiência muito interessante pois era, ao mesmo tempo, um desafio. Essa coleção chegou sem quase nenhuma informação, isto é, na maioria dos casos sabíamos apenas o nome do autor. Não havia data de criação das fotos e muitos dos fotógrafos não foram sequer localizados. A falta de informação me levou imediatamente a usar os versos das fotos, isto é, as informações contidas nos selos e carimbos como uma forma de localizar essas imagens no tempo. Como não era sempre possível datar a criação, partimos para datar o percurso dessas fotos pelos salões brasileiros e internacionais. Muitas vezes foi um trabalho detetivesco, para o qual contei com a participação ativa da Ana Luiza Maccari, que trabalha no acervo do Masp.

 

Por que a opção de estruturar cronologicamente? Era importante por ser a primeira mostra desse acervo cedido ao Masp?

Pareceu-me importante mostrar a coleção completa agora, justamente no momento em que ela chega ao Masp por várias razões, sobretudo pelo fato de poder, através dela, mostrar mais diretamente o fotoclubismo e sua dinâmica. A fotografia modernista, principalmente em São Paulo, nasceu dentro desse contexto. Por outro lado, como a atual direção artística do museu vinha devolvendo ao público as bases criadas pelo casal [Lina Bo e Pietro Maria] Bardi, achei que seria coerente e fundamental trazer para dentro do museu a discussão sobre o amadorismo e o aprendizado da técnica fotográfica, alicerces da dinâmica fotoclubista.

Percorrendo a exposição, conseguimos ver temas comuns fotografados por diferentes fotógrafos em alguns momentos específicos. Você diria que eles são dados sobretudo pelas proposições do clube – como os concursos e salões com temas específicos –, ou há por trás também uma estética de cada época? (Por exemplo, há um momento marcadamente formalista, em que detalhes arquitetônicos eram muito fotografados.)

As saídas temáticas e as atividades em grupo, incluindo viagens (as famosas excursões fotográficas) eram práticas recorrentes nos fotoclubes, e no FCCB não era diferente. Seria natural ver fotografias parecidas, inclusive com um mesmo assunto. O formalismo, principalmente da arquitetura, foi um tema muito explorado no inicio da década de 50 e perdurou nos fotoclubes por muito tempo por ser tremendamente didático. A organização cronológica via salões e exposições evidencia essas semelhanças entre a produção de fotógrafos muito conhecidos e outros nem tanto.

 

Soubemos que inicialmente sua vontade era propor uma exposição só com os versos das fotos. Por quê? Qual a importância de mostrar os versos?

Os versos das fotos mostram aquilo que o fotoclubista tanto valoriza: a rede de fotoclubes e seus salões, através da prova do percurso das fotos pelo mundo, da demonstração da aceitação daquela imagem no circuito especializado e da eficácia dos métodos de aprendizado deste ou daquele fotoclube. A existência dos selos e carimbos no verso são a base conceitual do meu trabalho curatorial: enxergar as fotografias como documentos, não apenas como imagens. Se eu fosse exercitar apenas meu lado artista, eu teria feito uma exposição de versos. Entretanto, isso não teria sido justo com os fotoclubistas e nem com o Masp, que me convidou para fazer a curadoria, não uma exposição puramente autoral. Mas é claro que as duas coisas se entrelaçam, mas acho que isso seria inevitável. Se a produção do FCCB influenciou em algum nível meu trabalho autoral, isso só saberei com o tempo. O que consigo reconhecer é o fato de que usei meus métodos de “artista-pesquisadora” para construir e mostrar um sentido de conjunto. Como se a artista tivesse emprestado o kit de ferramentas pra curadora trabalhar.

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