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Destaques na fotografia e no audiovisual em 2025

Anna Ortega Publicado em: 16 de dezembro de 2025

Frame do filme Radiola de Promessa, de Gê Viana, 2025

Ao pensar no que experienciou de mais marcante no campo da fotografia neste ano, a curadora Fernanda Brenner logo lembrou da produção do artista Lucas Cordeiro. As imagens de Cordeiro são criadas a partir de um amplo repertório de narrativas e símbolos afro-brasileiros. Para Fernanda, a forma que o artista encontra de materializar essas imagens, criando seus próprios objetos, é o mais impactante, pois ele não estabelece uma hierarquia entre a fotografia e a escultura. “Lucas faz parte de uma geração que está expandindo o que entendemos por fotografia contemporânea no Brasil, e vale prestar atenção no que ele vem fazendo”, anuncia.

A revista ZUM perguntou a 9 curadores, pesquisadores e artistas quais foram os seus destaques do ano, ou seja, o que presenciaram no campo das artes e que permaneceu com ênfase em suas memórias. As respostas nos levam a navegar pelas águas do Pará, nos fazem conectar a fotografia e a literatura, nos dão a possibilidade de refletir sobre a emergência climática a partir das imagens, nos levam a pensar na questão fundiária em Mato Grosso. São artistas, exposições, livros e filmes que utilizam a fotografia e o audiovisual como linguagem, mesmo que para questioná-los enquanto tal. Em comum, os destaques reunidos apontam articulações inventivas de artistas brasileiros, que convocam a fotografia na sua relação com outros suportes, como o vídeo, a escultura, a performance e a palavra.

As séries realizadas com Inteligência Artificial (IA) pela artista Giselle Beiguelman foram destacadas pelo curador Eder Chiodetto, celebrando a possibilidade de se produzir uma visão histórica e crítica afinada sobre o machismo na ciência. A curadora Janaína Damasceno indica duas exposições que têm um cerne em comum. “Meus destaques de 2025 abordam a relação entre pessoas negras e o mundo do trabalho através do cinema e da fotografia expandida”, explica.

Já a curadora Maria Luiza Menezes destaca iniciativas enraizadas em territórios periféricos de São Paulo. Ela reflete que, muitas vezes, nos passam despercebidos projetos realizados em lugares próximos ao que estamos. “São histórias locais ainda pouco conhecidas pelos grandes centros – urbanos e artísticos”, explica.

No campo do audiovisual, diversas indicações figuram na lista. O curador e pesquisador Hélio Menezes relembra o mais recente filme de Gaby Amarantos como uma das produções pungentes do ano. Segundo ele, a obra foge de perspectivas estereotipadas sobre o norte do país. “Rock Doido está longe de qualquer clichê e de visões mofadas sobre esse território afro-indígena dinâmico e inventivo”, sintetiza Menezes. Belém é também o chão de onde parte a escritora Danielle Fonseca, autora de poemas visuais escritos a partir de memes da internet. O trabalho é um dos destaques da pesquisadora Keyla Sobral, que considera a obra “grande ode à música, à literatura, e porque não dizer à linguagem e suas variadas formas variações, como a fotografia e o cinema.”

Um dos destacados nomes que documenta o movimento indígena brasileiro, Edgar Xacriabá, é indicado pela curadora Naine Terena: “sua poética age em diversos temas e campos.” O curador Lucas Menezes evoca o trabalho de Livia Melzi, artista que registrou um conjunto de mantos tupinambá pertencentes a coleções de diferentes museus europeus. “Suas fotografias, desde a gênese, são carregadas de camadas de sentido que conectam esses acervos e a perpetuação de violências, ao condicionamento de imaginários, assim como as contradições da musealização.”

A pesquisadora Renata Felinto indica dois filmes que, de formas absolutamente distintas, tratam de mulheres em posições sociais e corpos contrários. “São obras em que as mulheres precisam situar-se em suas diferentes realidades, elaborando escolhas éticas, afetivas e políticas em contextos de profunda desigualdade”, afirma.


Confira a lista completa dos destaques de 2025


(esq.) Northiana, de Giselle Beiguelman, 2024. Imagem da planta carnívora Nepenthes northiana feita com inteligência artificial inspirada na obra da naturalista Marianne North. (dir) Beladona, Giselle Beiguelman, 2024. Imagem da planta Beladona feita com inteligência artificial inspirada na obra de Giovanna Garzoni.

Giselle Beiguelman

A artista e pesquisadora Giselle Beiguelman tem sido uma das artistas mais instigantes ao mostrar em seus projetos os usos possíveis da IA mesclados com fotografias e instalações audiovisuais, como forma de lançar luz sobre pontos obscuros da história da humanidade. Racismo, machismo estrutural na ciência e nas artes, misoginia e desastres ambientais são desvelados em seus projetos expositivos como Venenosas, Nocivas e Suspeitas, Bottanica Tiranica e Beleza Corrosiva, todos reunidos na mostra Natureza Desviante, no MARGS, em Porto Alegre. Percebemos então a desenvoltura de uma artista com visão histórica e crítica muito afinada, sabendo manejar a linguagem de forma original para criar sentidos tão reveladores quanto inesperados.

  

Foto do livro Araquém Alcântara: 50 anos, de Araquém Alcântara, 2025

Araquém Alcântara

O mais importante fotógrafo dos biomas brasileiros chegou aos 74 anos subindo e descendo montanhas, aguardando camuflado na floresta, por horas, pela passagem de mais uma onça e publicou no final do ano o seu livro de 50 anos de carreira. Uma obra para ser celebrada nesse momento em que a crise climática e a insanidade humana-capitalista ameaçam a vida no nosso planeta.

por Eder Chiodetto, curador de fotografia, professor e publisher da Fotô Editoral


Fotogramas de Egbom Natalice ati Omolu, de Lucas Cordeiro, 2021

Lucas Cordeiro

Conheci o trabalho de Lucas Cordeiro na exposição Ecos Males, em Salvador, com curadoria de João Vitor Guimarães. O que me chamou atenção foi a maneira como ele pensa escultura e fotografia sem hierarquia e o universo visual complexo que ele vem articulando. Lucas fabrica seus próprios objetos – bonés esculpidos em resina, látex, madeira – que carregam iconografias ligadas a sistemas simbólicos afro-brasileiros. A fotografia entra como um segundo momento de construção, não como registro, mas como mais um instrumento na composição de alegorias meticulosas.

Em geral há uma contenção formal que equilibra bem com a carga simbólica dos objetos que entram em quadro. Me chamou a atenção sua capacidade de circular entre linguagens sem perder consistência e ativar referências complexas sem didatismo. Lucas faz parte de uma geração que está expandindo o que entendemos por fotografia contemporânea no Brasil, e vale prestar atenção no que ele vem fazendo.

Foto da série Rondônia, ou Como me apaixonei por uma linha, de Emílio de Azevedo, 2020

Emílio de Azevedo

Conheci o trabalho de Emílio de Azevedo quando ele estava em residência no WIELS, em Bruxelas. Baseado hoje em Paris, Emílio é formado pela École Nationale Supérieure de Photographie em Arles e vem desenvolvendo uma prática que me parece singular na forma como articula arquivo, campo e teoria fotográfica. Em seu trabalho, técnicas de enquadramento e ampliação revelam a dimensão fantasmagórica das imagens, especialmente quando se trata de regimes visuais que moldaram a Amazônia.

Na série Rondônia, ou Como Eu Me Apaixonei por uma Linha (2020), Emílio investiga como o território amazônico foi capturado através de estruturas lineares, cartográficas, racionalistas – modos de ver profundamente atrelados ao extrativismo ocidental.

O que me interessa é como ele não se contenta em denunciar esses regimes, mas os desmonta pela própria fotografia. Seus enquadramentos desestabilizam o que parecia dado, mostram que o documental sempre carregou ficção. É uma prática que pensa a imagem como construção histórica e ao mesmo tempo como possibilidade de reimaginar o território

por Fernanda Brenner, curadora e escritora. Fundadora e diretora artística do Pivô, em São Paulo e Salvador.


Instalação Mapa Teatro + Nukak, de Vortex Nukak, na Bienal das Amazonias. Via Rolf Art (@rolf_art)

Mapa Teatro + Nukak, Vortex Nukak

Vortex Nukak (2025), instalação comissionada para Verde-distância, a ótima 2a edição da Bienal das Amazônias, imagina a presença de um imenso fungo parasita de seringueiras, invocado pelos Nukak (povo indígena da Amazônia colombiana) aos espíritos protetores da floresta para interromper a extração do látex – e, assim, pôr fim à violência colonial e escravista da borracha.

A obra faz referência a La vorágine, de José Eustasio Rivera, traduzindo trechos para a língua Nukak e recuperando aquilo que o romance originalmente silenciou: as vozes, memórias e presenças indígenas rasuradas pelo extrativismo. O dispositivo-parasita, numa articulação bem inventiva entre fotografia, vídeo, escultura, performance, som e coreografia maquínica, nos convoca a imaginar alianças multiespécies, formando uma narrativa espiralar, apocalíptica e bem-humorada sobre a região.

Frames de Rock doido – o filme, de Gaby Amarantos, 2025

Rock doido – o filme, de Gaby Amarantos

Um plano-sequência vibrante, sem cortes, num efeito caleidoscópio e hipnótico, apresenta o melhor da cultura preta periférica de Belém em cerca de 20 minutos de um filme sensacional. Filmado com um celular, e tendo o bairro do Jurunas como cenário e personagem, Rock doido – o filme (2025), com direção de Gaby Amarantos e fotografia de Guilherme Takshy e Naré, dá à vista a sampleagem de referências e ritmos musicais — do carimbó ao pop, do tecnobrega ao forró — presente no disco homônimo (para mim, o melhor do ano!), articulando cinema, moda, música, performance e dança de um jeito irreverente, amazonicamente pop.

Ao longo do filme, as luzes neon, os cenários cambiantes, paredões de rua, adornos prateados, varais de calcinha e fogos de artifício cronometrados se alternam para apresentar a Aparelhagem do Rubi, Suanny Batidão, Leona Vingativa, Quadrilha do Doido, Cia. Cabano e outros personagens fundamentais da cena artística contemporânea belenense. Longe de qualquer clichê e de visões mofadas sobre esse território afro-indígena dinâmico e inventivo, Rock doido mostra porque a capital do Pará tornou-se a capital cultural do mundo neste ano, econfirma Gaby como sua Presidenta. Dá-lhe sal!

por Hélio Menezes, curador, internacionalista e antropólogo. Co-curador da 35a Bienal de São Paulo, foi Diretor Artístico do Museu Afro Brasil e curador do Centro Cultural São Paulo.


Frames do filme Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini, 2025

Laudelina e a Felicidade Guerreira,  de Milena Manfredini

Curta comissionado para a exposição Dignidade e Luta: Laudelina de Campos Mello, no IMS de Poços de Caldas, Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini, nos leva ao universo de uma das maiores ativistas negras do país. Laudelina criou o primeiro sindicato de empregadas domésticas do Brasil, em 1936, que reivindicava direitos trabalhistas para a classe, o que só ocorreu 79 anos depois com a PEC das domésticas.

Conhecida por seus retratos sensíveis de mulheres negras como Stella do Patrocínio, Ebomi Cici de Oxalá e Mãe Celina de Xangô, Manfredini repete aqui sua força e delicadeza com Laudelina. A montagem e o impecável trabalho de arquivo deste curta são alguns de seus destaques. O inventivo uso de arquivos nacionais e internacionais para a construção da protagonista é de uma beleza exemplar. Não à toa, Laudelina e a Felicidade Guerreira recebeu o prêmio de Melhor filme de curta-metragem do 58º. Festival de Cinema de Brasília.

Vista da exposição 3×4: Memórias do Trabalho Negro, de Guilherme Bretas. Foto: Sesc SP

Exposição 3×4: Memórias do Trabalho Negro, de Guilherme Bretas

Eu poderia descrever 3×4: Memórias do Trabalho Negro, no SESC Belenzinho, como uma exposição de retratos animados de antigos trabalhadores negros do Moinho Santista via inteligência artificial. Mas isso não seria suficiente e justo para apresentar a obra de Guilherme Bretas exibida no Sesc Belenzinho em fevereiro deste ano. O incrível do seu videomapping é que fotos de documentos de trabalho de pessoas negras se tornam máscaras vivas que se movimentam a partir do rosto do próprio artista que serve como base para a animação dos retratos. As ¾ se tornam “máscaras de pixels” que acionam e movem a memória negra em desarquivo.

Em seu texto para o Laboratório de Tecnologia e Artes: perspectivas para contracolonizar o pensamento (SESC), ele diz que não vê sua produção em termos de deepfake, mas como máscaras, “um recurso ancestral de memória” e se pergunta: “criar uma máscara contemporânea – digital – pode ser um recurso, uma ferramenta de memória ancestral?” Em tempos de preocupação com tecnologias racistas de reconhecimento facial através da IA, — o New Jim Code de Ruha Benjamin – o trabalho de Bretas pode ser visto como uma poderosa ferramenta artística abolicionista, que subverte (antigas e novas) imagens de controle de documentos oficiais, oferecendo a elas uma vida nova.

por Janaina Damasceno, pesquisadora, antropóloga, curadora e professora, coordena o Grupo de Estudos Afrovisualidades (FEBF/UERJ).


O Reino de Deus, de Shinji Nagabe, 2023

Shinji Nagabe

Acompanho o trabalho do artista visual Shinji Nagabe desde 2024, a partir do Solar Foto Festival, realizado na Pinacoteca do Ceará, em Fortaleza. Nagabe nasceu no Paraná, mas mora atualmente na Espanha e seu trabalho é atravessado por deslocamentos culturais e afetivos que impactam profundamente na sua prática artística. Ele transita entre fotografia e arte têxtil, elaborando mundos híbridos onde memória, corpo e imaginação se interligam.

Reprodução de página do livro Disco-poema, de Danielle Fonseca, 2025

Disco-poema, de Danielle Fonseca

É uma grande ode à música, literatura, e porque não dizer à linguagem e suas formas e variações, como a fotografia e o cinema, nos poemas visuais Dois dedos de prosa sobre a vida ou uma canção sobre a coragem e no Que farra! Que mergulho em que ela usa frames de filmes e fotografias de um meme da Internet para construir os poemas. Disco-poema é o segundo livro de poesias de Danielle, lançado em fevereiro de 2025, em Belém. Além de escritora, trabalha com artes visuais e cinema, e seu último filme Um céu partido ao meio participou de diversos Festivais pelo Brasil, sendo premiado na Mostra Nacional TV, no festival de TV e Cinema de Muqui (ES).

Moema, de Octávio Cardoso, na exposição Adiar o fim do mundo, na FGV Arte.

Adiar o fim do mundo

Destaco ainda a exposição Adiar o fim do mundo, com curadoria de Ailton Krenak e Paulo Herkenhoff, na FGV Arte, no Rio de Janeiro, que reúne obras que enfrentam temas urgentes, estabelecendo uma conexão direta como a emergência climática e com os modos de resistência dos povos originários e das comunidades tradicionais. É um convite para imaginar, através do afeto e da escuta, outros modos de existir.

por Keyla Sobral, curadora, pesquisadora e artista visual. Doutora em artes visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA).


Frame do filme Radiola de Promessa, de Gê Viana, 2025

Gê Viana

Gê Viana construiu uma carreira baseada na desmobilização do repertório imagético colonial brasileiro. Ao recortar e retramar o discurso de iconografias tornadas clássicas em suas colagens, ela promove novas narrativas — ficções que friccionam o real e incorporam signos de resistência afro-diaspóricos e indígenas. Todavia, em 2025, essa pesquisa alcançou um novo patamar.

A instalação A colheita de Dan (2025), uma das obras que abrem a 36ª Bienal de São Paulo, rememora a tradição das “radiolas” de reggae do Maranhão: trata-se de uma parede monumental de caixas de som, acompanhadas da combinação de colagens fotográficas e objetos, espécies de altares que revelam diferentes camadas dessa tradição, celebração sincrética de resistência.  Em consonância, Viana apresenta o filme Radiola de Promessa (2025) na Sala de Vídeo do edifício Pina Luz da Pinacoteca de São Paulo. A obra é orientada pela experiência das radiolas, combina relatos de participantes dos festejos, imagens dos sistemas de sons e tem a música como fio condutor. As duas obras, a instalação na Bienal e o filme na Pinacoteca, atestam a maestria da artista em seu processo de narrar; apesar de instalação e filme, elas são também colagens.

Manto tupinambá na reserva técnica do Museu do Quai Branly, em Paris, na França. Foto: Lívia Melzi

Lívia Melzi

Radicada na França desde 2011, Lívia Melzi consolidou um vasto corpo de pesquisa a partir da fotografia, entendida tanto como imagem quanto como artefato. Seu trabalho conheceu uma virada decisiva em 2018, quando registrou um conjunto de mantos tupinambá pertencentes a coleções de diferentes museus europeus. Frutos do espólio colonial, esses mantos foram registrados nas reservas técnicas, revelando um protocolo de cuidado e preservação que contrasta com a experiência colonial.

Portanto, suas fotografias, desde a gênese, são carregadas de camadas de sentido que conectam esses acervos e a perpetuação de violências, ao condicionamento de imaginários, assim como as contradições da musealização. Entre outros desdobramentos, essa investigação a levou a uma profícua parceria com Glicéria Tupinambá e à exposição Tupi or not Tupi, mostra individual no Palais de Tokyo. Em 2024, Melzi se lançou em uma nova empreitada ao registrar o acervo remanescente do Museu Nacional do Rio de Janeiro, itens que sobreviveram ao incêndio de 2018 e, ao mesmo tempo, testemunhar o renascimento da instituição, física e simbolicamente. As imagens analógicas, produzidas em grande formato, geram, por sua vez, novas materialidades. O projeto, ainda em curso, foi um dos destaques do Paris Photo e esteve na base da exposição Tabula Rasa, inaugurada em março de 2025 na galeria francesa Salon /H.

por Lucas Menezes, curador, pesquisador e educador. Curador assistente no Instituto Inhotim.


Reproduçao do fotozine Beco – volume 1, 2025

Beco

O fotozine Beco (2025) teve início com uma chamada aberta, focada em fotografias das periferias de São Paulo e região metropolitana, organizada pelo Selo Vertigem e a Galeria Sérgio Silva, seguida pelo trabalho da comissão de seleção composta por três juradas que resultou na publicação intitulada Beco. Com 184 inscrições, sendo 30 selecionadas, o conjunto de imagens realizadas em várias localidades demonstra o interesse contemporâneo sobre as quebradas e favelas paulistanas.

Com atenção à equidade de gênero e à diversidade regional, o zine destaca múltiplas narrativas, modos de fotografar e perspectivas marginais que tensionam características e estereótipos, identidades e estigmas.

Imagem da Galeria Beco Visceral. Foto: Danilo Simplício (dan_fotografiaa)

Galeria Beco Visceral

Esta é uma iniciativa da fotógrafa Marcela Novais, autora de fotografias na favela do Paraisópolis, onde nasceu e vive, na zona sul de São Paulo. O Beco Visceral é uma galeria que visa tanto destacar as produções periféricas no circuito de arte, quanto aproximar os moradores da favela do universo das imagens, do colecionismo e da fotografia como área de conhecimento, lazer e trabalho, sendo, assim, um espaço formativo.

Entre minhas duas indicações há o beco, possivelmente eleito pelos grupos não apenas como símbolo da arquitetura de quebradas, mas como metáfora do encontro e da travessia, como zona de contato e saberes fronteiriços. O beco como lugar que permite compreender a convivência, a diversidade e o contraditório do mundo, em oposição às tendências planificadas, opacas, uniformes e padronizadas dos projetos globais atuantes em feiras, museus e galerias.

por Maria Luiza Meneses, pesquisadora e curadora-assistente de artes visuais no Centro Cultural São Paulo


Foto de Edgar Xakriabá da série Hêmba, 2019

Edgar Xakriabá

Muito conhecido pela fotografia documental e registro do movimento indígena brasileiro, Edgar realizou a sua primeira exposição individual esse ano em São Paulo, intitulada Hêmba, palavra que em Akwẽ que significa “alma e espírito”. A gente pode ver a produção de Edgar de maneira ampla, sua poética agindo em diversos temas e campos.

Frames do filme Manso, de Juliana Segóvia

Juliana Segóvia

Artista cuiabana, cineasta, arte educadora, graduada em comunicação e mestre em Estudos de Cultura Contemporânea pela UFMT. Atua há 13 anos no audiovisual e me chama a atenção o trânsito que ela faz entre trabalhos individuais e coletivos, inclusive sendo uma das integrantes fundadoras e atuantes do Aquilombamento Quariterê. Realizadora do audiovisual. Nesse ano lançou o curta Manso, que já circulou em alguns festivais e traz uma séria reflexão sobre a questão fundiária em Mato Grosso.

Frame da animação Makunaima é Duwid?, de Gustavo Caboco, 2024

 Makunaima é Duwid?, de Gustavo Caboco

O multiartista é de Curitiba-Roraima e nesse ano, consolidou sua presença no audiovisual com o curta de animação Makunaima é Duwid?, recém-lançado. Me chama a atenção porque ele se apresenta nesta virada do audiovisual indígena, que até alguns anos atrás tinha a forte pegada do documental e que agora adentrou no campo da ficção, entre outras linguagens que projetam o pensamento indígena. Makunaima é Duwid? traz uma especificidade: é dublado pelos wapixana do Território de Gustavo em três idiomas: inglês, português e wapixana, mostrando como as influências linguísticas são potentes nos processos de contato entre indígenas e não indígenas.

por Naine Terena, artista, educadora, pesquisadora e doutora em educação. Fundadora da Oráculo Comunicação.


Sem título (Quimera 02), de Jane Batista, 2023

Jane Batista

Em termos de fotografia, em 2025 aprofundei o conhecimento da produção da fotógrafa piauiense radicada em Fortaleza Jane Batista, que é capa da última edição, n. 06, da revista independente Reticências, editada por Ana Cecília Soares e Júnior Pimenta. Jane Batista cria interpretações de si — externas e internas — que não têm por objetivo serem racionais, evidenciando a investigação e a reflexão que empreende sobre suas próprias memórias de mulher afro-indígena de baixa renda, seus traumas e sua tristeza. Seus autorretratos nos transmitem medos, devaneios, desafios e elaborações concebidas por meio da câmera fotográfica de um smartphone. Contudo, ainda que com limitações tecnológicas, suas obras são densas e ousadas, carregadas de uma poética visual que tensiona vulnerabilidade, força e expressividade dramática.

Frames do filme A melhor mãe do mundo, de Anna Muylaert, 2025

A melhor mãe do mundo, de Anna Muylaert

No audiovisual, destaco dois filmes antagônicos. O primeiro é A melhor mãe do mundo (2025), dirigido por Anna Muylaert, com a extraordinária Shirley Cruz como protagonista. Ela interpreta uma mulher que, em situação de vulnerabilidade alimentar, física, emocional e social, enfrenta o mundo materializado na megalópole paulistana e abandona ilusões de um amor afrocentrado e romântico, encontrando acolhimento e reconhecimento em uma coletividade de mulheres sem teto. Shirley Cruz está absolutamente primorosa em seu papel, expressando o desejo de vivenciar o romance, mas reconhecendo que no amor não há espaço para brutalidade. Assim, ela rompe com seu companheiro, interpretado por Seu Jorge, cuja presença reforça a tensão entre afeto e violência. Em um momento como este, no qual o feminicídio atinge picos constrangedores em pleno 2025, este filme é uma verdadeira injeção de esperança.

Frames do filme Baby girl, de Halina Reijn, 2024

Baby girl, de Halina Reijn

Baby girl (2024), dirigido por Halina Reijn, lançado no Brasil apenas em janeiro de 2025. Apesar de retratar uma mulher cuja existência é 180 graus diversa da personagem de Shirley Cruz — uma CEO poderosa, em um casamento convencional e supostamente feliz — é nas provocações de um estagiário muito jovem, porém ousado, interpretado por Harris Dickinson, que ela passa a se realizar enquanto mulher, ainda que colocando em risco sua imagem de liderança em uma grande empresa. Nicole Kidman interpreta a protagonista com precisão cirúrgica, evidenciando a complexidade da personagem. Contudo, é a jovem assistente — vivida de forma brilhante por Sophie Wilde — jamais promovida e permanentemente subestimada, que se revela a “cereja do bolo”: é ela quem lhe ensina, silenciosa e firmemente, que uma mulher em posição de destaque, referência para tantas outras, não deveria permitir-se envolver a ponto de caminhar para práticas antiéticas entre mulheres.

As duas produções audiovisuais que indico tratam, de formas absolutamente distintas, de mulheres que, em posições sociais e corpos contrários, precisam situar-se em suas diferentes realidades, elaborando escolhas éticas, afetivas e políticas em contextos de profunda desigualdade.

por Renata Felinto, curadora, professora-educadora e pesquisadora. Doutora em Artes Visuais pela UNESP. ///


Anna Ortega é repórter, interessada na escuta e escrita de processos artísticos. Trabalha com jornalismo cultural e cobre temas relacionados a direitos humanos, educação e crise climática. Colaborou em diversas publicações jornalísticas, como The Guardian, Piauí, UOL, Nexo, Revista Select, Portal Colabora, Portal Lunetas, Dialogue Earth, Nonada Jornalismo e outros. É também artista visual e fotógrafa.



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