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Arquivos em disputa

Renata Martins Publicado em: 6 de setembro de 2024

Retrato de família, de Rynnard, fotomontagem, 2023

“Existe uma história do negro sem o Brasil. O que não existe é uma história do Brasil sem o negro.” A famosa frase do fotógrafo mineiro Januário Garcia (1943-2021) ressalta o quão essencial é a memória coletiva de pessoas negras e afrodiaspóricas na formação do Brasil, tanto no passado como no presente, e apontando para um futuro possível.

Do ponto de vista da fotografia, a pesquisa dessa memória negra no Brasil tem seu ponto de partida nas coleções de retratos de pessoas africanas e afrobrasileiras escravizadas ou recén-libertas libertas no final do século 19. Retratos estes realizados por fotógrafos brancos, homens europeus como Alberto Henschel, Felipe Fidanza e Marc Ferrez, cujos olhares obedeciam a uma percepção colonialista, servindo a um sistema de colecionismo etno-antropológico que se prestava a tipificar, objetificar e desumanizar seus retratados.

Realizados há mais de um século no Brasil do segundo reinado, esses registros fotográficos serviram de base para construções políticas racistas e contribuíram significativamente para que narrativas históricas hegemônicas fossem perpetuadas e assim dissimular e atenuar a memória das injustiças e violências coloniais.

Entrando na disputa por essas narrativas históricas imagéticas, artistas contemporâneos têm se apropriado de imagens, principalmente de retratos em formato de cartes-de-visite (9 x 5,5 cm), guardados em acervos de domínio público, como o do Instituto Moreira Salles, ou em arquivos de instituições públicas, como do Museu Paulista da Universidade de São Paulo ou do Leibniz-Institut für Länderkunde (Instituto de Estudos Regionais) em Leipzig, Alemanha.  

Por meio de diferentes técnicas, métodos e abordagens, como a fotopintura digital, fotomontagem, fotocolagem, colorização e Inteligência Artificial, jovens artistas apropriam-se de tais imagens no desejo de reinterpretar narrativas ocultadas, memórias apagadas e subjetividades reprimidas.

Nesse contexto, destacamos os trabalhos de sete artistas: Fernando Banzi (SP), Guilherme Bretas (SP), Joelington Rios (MA), Marina Amaral (MG), Nay Jinknss (PA), Rynnard (MG) e Silvana Mendes (MA). A curadora e pesquisadora Renata Martins apresenta abaixo as principais características de cada um destes trabalhos que utilizam diferentes suportes para construírem e fabularem novas narrativas da memória negra no Brasil.



Guilherme Bretas

Natural de São Paulo (SP), Bretas usa a inteligência artificial (IA) como ferramenta artística para animar retratos históricos da memória afrodiaspórica no Brasil, utilizando o deepfake para intervir nos retratos de pessoas negras do século 19. “Trabalho com retratos de cerca de 150 anos, animando-os com IA. O suporte final disso é uma videoprojeção mapeada (video mapping). Gosto muito de falar que meus trabalhos são como um exercício de memória”, afirma o artista.

Esses retratos animados provêm, por um lado, de suas pesquisas a partir de 2020 no acervo do fotógrafo brasileiro Militão Augusto de Azevedo (1837 – 1905), pertencente ao Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Das 13 mil fotografias deste arquivo, Bretas constatou que 421 eram retratos de pessoas negras – o maior acervo com essa temática na cidade. Parte desses retratos foram animados e projetados sobre fachadas e empenas de edifícios da capital paulista no projeto Nossos ancestrais nos olham (2021).

Já os retratos produzidos em 1869 por Alberto Henschel impactaram o artista por sua composição: “Esse acervo é um acervo etnográfico. Ele [Henschel] classifica os ‘tipos de negro’ do Brasil como se fosse um álbum de fotografias racistas. Mesmo que esses retratos tenham de ser contextualizados nesse sistema de racismo cientificista, elementos como os adereços ou as vestimentas indicam marcas da subjetividade dessas pessoas”. Algumas dessas imagens fazem parte do video mapping Nossa pele reluz como ouro (2021).

Seu interesse em vivificar retratos históricos surgiu, na verdade, quando teve contato com a memória visual mais antiga de sua família: um retrato sem data de sua tataravó, uma mulher negra do interior de Minas Gerais, rodeada de seus filhos, “como um anjo”, relembra Bretas. “Isso me marcou muito: ter essa memória registrada, de poder ver meus antepassados e acessar hoje essa memória familiar com meu olhar sobre um retrato com mais de 100 anos. A partir disso fiquei me perguntando onde estariam as demais fotos de outras pessoas negras nesse mesmo período. Passei a pesquisar, então, acervos históricos para usar esses retratos na composição do imaginário da memória negra no Brasil”, afirma.

Aliando suas pesquisas em acervos fotográficos às experimentações com IA na intervenção de retratos, resultado de seus diálogos com a professora e artista Giselle Beiguelman, Guilherme Bretas faz uso da deepfake para extrair desse “falseamento” uma prática positiva e ética. “Usando essas fotografias, subverto o sentido racista originário do álbum com a inteligência artificial, animando essas fotos e trazendo dignidade a esses rostos. Com isso, há a produção de uma terceira coisa: a possibilidade de entender a presença desses corpos negros através do vídeo e, consequentemente, uma ressignificação daquelas existências”.

Bretas faz um vídeo de seu próprio rosto, piscando, movimentando os olhos, a cabeça. Através de ferramentas de reconhecimento facial, tais movimentos são marcados e transferidos para o rosto da fotografia. Ou seja, a movimentação facial que vemos nas fotografias históricas corresponde, na verdade, aos movimentos da face do próprio artista. “Como artista, entendo a técnica de deepfake mais como sendo uma máscara. Percebi que crio uma máscara minha para ser posta em um outro rosto”, explica.

Indagações como “Quais exercícios de memória são possíveis através da IA?” ou “Como conseguimos preencher as lacunas desses imaginários sobre o passado para dar conta de explicar que aquelas pessoas existiram?” orientam o trabalho de Bretas, que através de suas criações se vê desobedecendo os fotógrafos do passado. Sua desobediência se dá justamente em decolonizar o controle e a rigidez sobre aquelas existências negras atravessadas pelo contexto escravocrata. “Se a fotografia tem um caráter xenográfico, de objetificação das pessoas retratadas, minha função é de devolver a humanidade delas através da IA; é de criar memórias coletivas com ela”, conta o artista.



Joelington Rios

A relação do quilombola e artista visual Joelington Rios com a fotografia começou quando, aos dois anos, pousou ao lado de seu irmão para o fotolivro de Ricardo Teles Terras de Preto: Mocambos, Quilombos: Histórias de Nove Comunidades Negras (2002). Mas o encontro real com a fotografia se deu aos 14 anos, quando viu pela primeira vez aquele seu retrato de criança publicado e do qual havia somente ouvido falar. Esse momento foi crucial para o jovem decidir usar a fotografia como ferramenta para eternizar em sua memória fatias de tempo, espaço e pessoas de sua comunidade quilombola Jamary dos Pretos, no município de Turiaçu, Maranhão.

“Quando descubro meu retrato naquela publicação, fico encantado com a fotografia. Justamente essa fotografia clássica, em preto e branco, meio que documental, que foi e continua sendo a base da minha fotografia até hoje. Então, começo a fotografar meu quilombo e também a coletar a oralidade das pessoas para complementar as fotografias que eu fazia com um celular, um Nokia que parecia um tijolinho”, relembra Rios. Poucos anos depois, mudou-se para o Rio de Janeiro para concluir o Ensino Médio e estudar fotografia.

Foi justamente no trajeto de ônibus da comunidade da Muzema, Zona Oeste do Rio, onde vivia, até Copacabana, Zona Sul, onde estudava, que Joelington Rios passou a captar muito atentamente o Rio pela janela do transporte público. Com seu olhar, registrava topografias urbanas e pessoas que circulavam por aqueles bairros tão díspares socialmente. Ao mesmo tempo, as pessoas com quem compartilhava suas longas viagens no 557 passaram a lhe despertar atenção e afeto – especialmente no final da tarde, quando retornavam do trabalho para suas casas no subúrbio.

“Encontrava muitas mulheres pretas naquelas viagens de ônibus. Era uma época em que tinha muita saudade da minha mãe e qualquer mulher que via que se parecia com ela ou minha tia, buscava me sentar ao seu lado e já puxava assunto. Cada uma era muito gentil e começava a me contar sobre seu dia a dia. Através de suas vivências, aquelas mulheres me deram uma nova percepção do que era o Rio. Além de seus relatos, tinha também a relação imagética com elas: aquele olhar muito cansado, a posição em que se sentavam – sempre com a cabeça escorada na janela do ônibus, com o corpo pesado. Para mim, ali começou a ser formada uma relação entre aqueles corpos e a estrutura da cidade”, relembra.

Aqualtune, da série O que sustenta o Rio, de Joelington Rios, fotomontagem, 2018

Inspirado por esses deslocamentos e encontros, em 2019 ele começou a produzir as fotomontagens para a série O que sustenta o Rio. Na parte superior de cada montagem há uma imagem do Cristo Redentor ou do Bondinho do Pão de Açúcar, meticulosamente cortada e encaixada sobre a imagem inferior, o retrato de uma mulher negra produzido pelos fotógrafos brancos Marc Ferrez e Alberto Henschel no final do século 19.

Esse retrato-paisagem forma uma corporeidade única, quase que indivisível a partir da linha da cabeça de pessoas que, historicamente, sustentaram a cidade do Rio de Janeiro. Não é por casualidade que Rios constrói essa unidade corpo-espacial partindo do topo da cabeça da mulher retratada. Para os Yorùbá, Orì significa cabeça, a parte mais vital do corpo, a fonte da identidade humana e referência para seu destino. Entende-se que o Rio, assim como o Brasil, não pode ser identificado, ou mesmo existir, sem suas pessoas de sustentação. Por outro lado, uma referência à repressão do Estado e à violência socioeconômica dirigida a corpos afrodiaspóricos pode ser vista através da projeção da cidade do Rio ou do Cristo sobre suas cabeças, como um fardo histórico.

As fotomontagens de O que sustenta o Rio ilustram um espaço meticulosamente justaposto de “entres”: entre o passado e o presente; entre a percepção subjetiva do artista sobre cada pessoa retratada, revelando sua individualidade a partir de seu Orì, e o coletivo que ela representa ou representou; entre um sistema de controle e objetificação de seus corpos e suas mostras sutis de resistência por suas subjetividades. “Quando observava aquelas mulheres retratadas, percebia uma certa tristeza nelas e me perguntava ‘O que posso usar, ressaltar nesses retratos que ainda não foi abordado?’ Percebi que havia alguns elementos que indicavam que elas ainda continuavam dominando suas identidades. Mesmo dentro de um sistema que as colocava em poses determinadas e direcionava os sentidos naquela produção, vejo que através de uma manta, um acessório ou a forma de usar um chapéu, provavelmente seus objetos particulares, elas estavam exercendo sua subjetividade. Então, quando uso imagens históricas, não estou querendo reproduzir imagens que foram feitas num momento que já passou. Quero evidenciar o lado subjetivo daquelas pessoas”, declara Rios.


Dona Angélica e seu gatinho Açaí, da série Do Mar ao Rio, de Nay Jinknss, fotomontagem, 2022


Nay Jinknss

Natural de Ananindeua, município da região metropolitana de Belém (PA), Nay Jinknss é fotógrafa, documentarista, educadora social, pesquisadora e artivista LGBTQIAP+. Tem como mote de seus projetos o questionamento e o combate à metodologia racista e às práticas coloniais na fotografia que retratam pessoas negras e indígenas da região amazônica, no passado e na contemporaneidade.

Muitos de seus trabalhos recorrem a arquivos históricos do final do século 19, como o do alemão Alberto Henschel, no Rio de Janeiro, e o do português Augusto Felipe Fidanza, em Belém, para contestar “essa fotografia que foi vendida nos cartes-de-visite, que coisificou, objetificou, hipersexualizou e que até hoje criminaliza corpos pretos, assim como o meu. Corpos de negros, corpos indígenas dissidentes que [estiveram e] estão à margem”, afirma Jinknss.

Sua aproximação com tais retratos em pequeno formato aconteceu, primeiramente, através do contato com o trabalho dos artistas maranhenses Silvana Mendes e Joelington Rios. Mas foram as produções do português Fidanza que a estimularam a se apropriar criticamente dessas imagens. “Considero muito interessante se pensar no porquê de falarmos muito da questão do racismo, da diáspora africana, sendo que diversas vezes acabamos esquecendo que esse racismo não é somente com a população negra, mas também com toda uma população indígena. Existe uma invisibilidade sobre essa discussão política nos cartes-de-visite”, analisa.

Pedra do peixe, da série Do Mar ao Rio, de Nay Jinknss, fotomontagem, 2022

Ciente de que é necessário entender com mais proximidade e contato pessoal a quantidade de Amazônias existentes, Jinknss adota em seu ofício como fotógrafa a metodologia do “Compartilhamento e Bem-querer”, do fotógrafo carioca João Roberto Ripper. Para este, a fotografia deve ser compartilhada e discutida com as pessoas que estão na frente da câmera. Elas devem estar de acordo, se sentirem à vontade como objeto dos registros e, coletivamente, tanto a pessoa que retrata como as retratadas selecionam e nomeiam as imagens nas quais se sentem representadas.

Na série Do Mar ao Rio (2022), Nay Jinknss utiliza essa metodologia argumentando que “quando pensamos na gênese da fotografia, falamos de um olhar estrangeiro e branco que tem a intenção de vender esse Brasil civilizado, essa Amazônia a ser conquistada. E quem esteve sempre na frente das câmeras como alvo? É o corpo dissidente, os corpos pretos e indígenas. Mas chega um momento em que precisamos considerar essas mesmas pessoas para dialogar, para que elas possam construir suas próprias narrativas com seus próprios instrumentos”.

Tendo como base os cartes-de-visite de Henschel, a artista cria uma montagem de narrativas visuais que entrelaçam criticamente o passado e o presente. Ao extrair meticulosamente a imagem daquelas pessoas silenciadas e tipificadas no passado, sobrepondo esse cartão vazado a um retrato atual de um corpo dissidente feito por ela, atualiza tanto a ausência passada como a presença dessas existências a partir de agora.

Nesse processo de compartilhamento de imagens, diferentes leituras podem ser fabuladas a partir da premissa da artista: “Como é que seria a nossa história contada por nós mesmos?” Ela também questiona a postura de pessoas brancas que retrataram e retratam corpos negros e indígenas: “Que lugar os corpos negros e indígenas ocupam dentro do arquivo de pessoas brancas?” O que une esses dois fotógrafos do período imperial com artistas da nossa geração?”

Os pés de Dona Angelina – Samauna, árvore antiga da Amazônia, da série Do Mar ao Rio, de Nay Jinknss, fotomontagem, 2022

Ainda que tenham sido referências em sua formação como fotógrafa, a artista não oculta críticas a nomes como Sebastião Salgado, que afirmou em entrevista que no momento que encontramos indígenas isolados, estamos encontrando a pré-história da humanidade, pois eles são “nós” 10 mil, 20 mil anos atrás. Para Jinknss, essa fala reporta uma visão evolucionista e reducionista por acreditar em um indígena único. Além disso, “esse discurso invisibiliza os indígenas que estão retomando as suas narrativas hoje, estão fotografando com o celular, documentando as suas realidades”. Ou a Luiz Braga por seu retrato Banhista (1996): uma mulher negra que teve seu nome ocultado e sua imagem tipificada – lembrando os cartes-de-visite de Henschel. Ou, por fim, à Berna Reale e o registro fotográfico da performance Ordinário (2013) em que transporta ossadas não identificadas a um bairro negro de Belém, tido como perigoso, numa forma de denúncia contra o racismo. “Eu me pergunto: será que as pessoas desse bairro que sofrem com a violência policial e com o tráfico de drogas não sabem que muita gente é morta ali? De que maneira eu, uma artista negra, através do meu lugar de poder conseguiria também retirar essas ossadas do IML de Belém?”, indaga.

O trabalho de Nay Jinknss serve de alerta contra a reprodução de estereótipos, invisibilidades históricas e narrativas reducionistas que objetificam corpos negros e indígenas. “Muitas vezes, falamos que temos o desejo de denunciar o racismo, mas não perguntamos à comunidade negra, com a qual trabalhamos, como ela quer ser retratada. Por isso, minha metodologia de trabalho é pautada no que o outro também quer e onde ele se sente representado. Preencher as lacunas sobre quem foram aquelas pessoas nos cartes-de-visite é dialogar tanto com a nossa primeira história como com a nossa identidade hoje”.



Rynnard

Durante a graduação em Cinema e Audiovisual, o artista visual e designer gráfico Rynnard (MG) começou a se interessar de forma especial pela memória social brasileira e suas formas de representação. Suas investigações conduziram-no à fotopintura, técnica que faz parte de sua memória afetiva.

Em busca por fotografias históricas, encontrou a série Tipos Negros, do alemão Alberto Henschel. “Tais retratos foram confeccionados dentro de uma demanda colecionista e etnográfica vigente em nossa sociedade, retratando no estúdio de fotógrafos europeus o corpo negro como um objeto destituído de história. Ao me deparar com essa série, percebi que aquelas pessoas tinham uma relação com a minha ancestralidade. Ali estavam representantes de milhões de pessoas que viveram naquela época, no Brasil escravocrata nas últimas décadas anteriores a Lei Áurea”, conta o artista natural da região do Vale do Rio Doce.

Rynnard desenvolveu, então, a série Memória e Herança: Álbum de família, usando retratos de pessoas negras escravizadas e libertas e que tiveram seus nomes ocultados e foram tipificadas numa incontestável tentativa estrutural de apagamento de suas subjetividades e objetificação de suas existências, fotos estas realizadas tanto no estúdio de Henschel como no de Marc Ferrez. Através de colagens digitais e fotopintura, o artista mineiro busca criar em cada retrato uma fabulação crítica (termo criado pela pesquisadora estadunidense Saidiya Hartman), com o objetivo de preencher os apagamentos propositais desses arquivos históricos com elementos de ficção, imaginação e empatia.

“Não preservamos nomes e sobrenomes de povos diaspóricos, e a grande maioria dos brasileiros consegue, no máximo, acessar informações de seus avós e, com muita sorte, bisavós. Alternativas frente a esse fato são a pesquisa e a fabulação. Com elas temos a possibilidade de construir nossa memória.  Nesse sentido, a série Memória e Herança: Álbum de Família está ligada a esse movimento de busca por uma memória enquanto coletivo. Com a arte, pude pensar em apresentar essas pessoas fora do olhar de arquivo, de ‘documento histórico’, um pouco desvinculado do contexto em que originalmente esses retratos pertenceram. Não é um movimento buscando recontar ou mudar o passado. Mas sim uma forma de gerar conexão com o público atual, vendo aquelas pessoas em espaços do cotidiano, próximas do nosso dia a dia”, comenta o artista.

Fabular um nome para cada pessoa retratada ou inseri-la em um espaço cotidiano familiar são algumas das estratégias de Rynnard para estabelecer conexão e ativar tanto a empatia como a memória afetiva de seu público. Assim, suas colagens passam a receber nomes como “Tia Sônia”, “Primo Júlio”, “Vó Lia” – nomes resgatados de familiares e pessoas que fizeram parte de seu cotidiano quando criança no interior de Minas Gerais.

Cada composição de Álbum de Família insere a pessoa retratada em espaços privados e públicos comuns a nós no presente, como varandas, quintais, calçadas, frentes de garagens. Elementos e objetos icônicos das casas brasileiras, como piso de caquinhos ou de ardósia, cadeira de fios de plásticos, azulejos ou a bacia de metal, assim como a popular “roupa de domingo”, especialmente reservada para encontros familiares, ajudam o público nesse exercício de conexão e diálogo afetivo com essas novas fabulações.

Primos Márcio e Reginaldo, de Rynnard, fotomontagem, 2023

Gerânios, orelhas-de-elefante, primaveras, roseiras, comigo-ninguém-pode, samambaias, plantas encontradas em quintais e varandas, recriam uma atmosfera saudável e amorosa, que parecem abraçar a pessoa retratada. “Nas obras existe uma opulência em relação às plantas que traz um resgate às casas de algumas senhoras que frequentei em minha infância, em que o espaço de suas varandas e quintais eram verdadeiramente abarrotados de vasos de plantas. O uso opulento dessas plantas é basicamente o sonho de toda senhorinha amante de plantas”, brinca Rynnard.

A representação de famílias grandes é outro aspecto que promove uma conexão afetiva com seu público. No caso do fotógrafo, elas remontam a lembranças de sua vizinhança durante sua infância: “Eram famílias muito festivas, enormes e todas de pessoas negras. Ainda que não fossem minha família biológica, estas outras ocas da aldeia ajudaram na minha criação”, recorda. Sua própria família, igualmente numerosa, também lhe serviu de modelo para fabular uma nova narrativa coletiva sobre uma família formada por pessoas retratadas no século 19 e que têm o Pico da Ibituruna (em Governador Valadares – MG) ao fundo.

Ao trazer novos significados para os retratos históricos de pessoas negras, Rynnard reescreve imageticamente suas histórias, sistematicamente ocultadas e mal documentadas. “No Brasil, quando abordam nas escolas o período da escravidão, tende-se a considerar as pessoas escravizadas com uma aura de passividade e submissão, quando na verdade eram pessoas que tinham diversas estratégias de resistência frente a esse processo. A escravidão não foi um processo 100% bem administrado pelo Estado Colonial, como nos ensinam.  Existiam quilombos enormes, diversas dinâmicas de resistência no dia a dia. Então, ao revisitar essa memória sem o foco arquivístico e histórico, temos uma janela para imaginar exatamente as subjetividades, exercitar o olhar inventivo sobre aquela realidade. Além disso, esse trabalho também é um convite para todas as pessoas que se sentem destituídas de sua memória familiar ou ancestral. Ao visitar essas obras, o público pode ter uma imagem dessa ancestralidade afrodiaspórica num tempo fora do tempo”, conclui Rynnard.


Presente Vivo I, da série Afetocolagens, de Silvana Mendes, 2019-2024

Silvana Mendes

A multiartista visual e educadora Silvana Mendes (São Luís – MA) explora em suas criações artísticas a importância do imagético e da semiótica no processo de como pessoas negras são vistas, retratadas e lidas socialmente no Brasil. Para ela, a narrativa visual transmitida através de registros fotográficos de pessoas racializadas carrega uma grande importância tanto nos sentimentos que gera em seu contexto social como diretamente na convivência entre as pessoas.

Mendes lembra-se de ter ficado especialmente instigada quando teve os primeiros contatos com retratos de pessoas negras durante o segundo reinado no Brasil. “Aquelas pessoas retratadas eram muito parecidas com pessoas que conhecia e isso me comovia”, recorda. Mas, somente quando se reconheceu como artista visual e pesquisadora de imagens, passou a se dedicar à investigação de tais retratos, especialmente os intitulados Tipos Negros, produzidos nos estúdios fotográficos de Alberto Henschel entre 1866 e 1882.

Mesmo não tendo informações exatas sobre aquelas pessoas retratadas, ela decidiu reelaborar aquelas narrativas visuais através da colagem. “Eu me sentia muito afetada pelo olhar delas e por querer entender em que contexto foram registradas. Mas não havia nenhum dado sobre o nome delas, por exemplo. O fato de não saber quem eram aquelas pessoas gerou em mim um interesse, quase uma obsessão mesmo, em querer modificar aquela narrativa visual original e trazer protagonismo às pessoas registradas”, relembra a artista. Assim, em 2019, nasceu a série Afetocolagens, em execução desde então.

O fato de não ter dados precisos sobre o tom de pele das pessoas retratadas levou Mendes a não colorizar suas faces e colos. “Obviamente que, apesar de entender a coloração dentro da escala do preto, branco e sépia dos retratos, além da diferença entre peles negras claras, mais escuras e retintas, opto por não dar cor à pele dessas pessoas. Minha intenção não é de trazer a minha versão delas, dando-lhes cor – até porque elas tiveram sua cor de pele. Acredito e sinto que elas chamam mais atenção desse jeito do que se estivessem colorizadas e se fundindo com a imagem ao fundo colorida. Para mim, o ponto principal aqui é respeitar literalmente essas pessoas tal como foram retratadas, porque não tenho como saber 100% qual era sua cor de pele original”, observa a artista maranhense.

As criações de Afetocolagens trazem um cenário com múltiplas referências e simbologias em torno daquelas pessoas marginalizadas no passado – uma decisão da artista para as reambientar em um espaço seguro e protegido de qualquer tipo de violência. Com isso, a Mendes cria o que chama de “um ideal de ficção, uma homenagem, uma nova narrativa para aquela imagem já desgastada. Claro que a dor obviamente existiu, assim como a falta de informações sobre a identidade de cada uma daquelas pessoas foi real. Mas essa mesma imagem é tomada por mim como uma ferramenta poderosa e com uma clara função política e social”.

Silvana Mendes inicia o processo de construção desse cenário tirando as pessoas retratadas do fundo neutro (ou “apático”, como classifica) do estúdio fotográfico original, transportando-as para um espaço montado com elementos que remetem à vida. “E eu falo ‘vida’ literal, porque são elementos ligados à mata e ao mar – dois pontos que considero importantes quando relacionados às pessoas de religiões de matriz africana. Obviamente que não tenho como afirmar que as pessoas das imagens estiveram inseridas nesse contexto religioso. Mas, de toda forma, é importante para pessoas negras essa conexão com a mata ou a natureza [brasileiras] – especialmente em relação à saúde, quando se cuidam e curam com elementos de lá. As benzedeiras, por exemplo, são conhecidas por fazerem uso de folhas”, observa.

Recortes de paisagens típicas da pintura romântica europeia passam a ser o fundo das colagens da artista, que se apropria dessa representação eurocêntrica da natureza e insere elementos e cores da fauna e flora tipicamente brasileiros em uma versão decolonizada. Ao centralizar pessoas negras do contexto brasileiro de escravidão nessa representação de paisagem tradicional, que segundo a leitura hegemônica da história da arte ocidental evoca o belo, o sublime e o valioso, a artista eterniza suas existências em uma percepção decolonizada da arte.

Para coroar dignamente o protagonismo delas, Mendes não poupa ornamentos sobre suas cabeças, que são meticulosamente decoradas e ocupam a posição central da colagem. Coroas formadas de serpentes, flores, frutas ou folhas de bananeiras confirmam a soberania de cada pessoa retratada há mais de um século nessa nova narrativa visual. Ao mesmo tempo, o elemento da cabeça remete ao Orì do Yorùbá, que se refere não somente à cabeça no sentido físico, como também ao ponto de conexão com o divino, representando também o destino, a consciência e o espírito guardião de cada pessoa – uma outra referência às religiões de matiz africana.

Através de suas Afetocolagens, Silvana Mendes abre novas possibilidades narrativas sobre cada uma daquelas pessoas negras. “Todos os elementos que uso são para compor uma narrativa sobre fartura, vida, prosperidade, protagonismo e, ao mesmo tempo, para acabar com o conceito de que são pessoas-objetos. Meu ponto de partida é como se construiu uma narrativa a partir dos títulos que Henschel deu às pessoas que retratou em 1870, algo como: ‘Tipos negros’,‘cabocla’, ‘negro que comercializa nas ruas’. Ou seja, elas foram consideradas somente como ‘tipos’ e ‘funções’. Por séculos, isso foi reproduzido e colocado em nosso imaginário social enquanto pessoas negras, gerando também sentimentos sobre elas. Meu trabalho é de transformar aquela imagem em uma outra e entender que é possível trazer identidade, dignidade, poder e protagonismo para aquelas pessoas que não receberam isso naquela época. Esse é o poder que me cabe enquanto artista profissional: isso é o que eu escolhi e gosto muito de fazer”.

Tipos #26, de Fernando Banzi, fotopintura digital, 2017

Fernando Banzi

O interesse do jornalista, educador e fotógrafo autodidata Fernando Banzi (São José dos Campos – SP) pela fotopintura e pelos retratos de arquivo começou quando um conhecido lhe pediu para tratar e colorizar digitalmente uma fotografia familiar. A partir daí, passou a pesquisar arquivos fotográficos e, quando teve contato com o banco de imagens do IMS em 2017, um universo se abriu para ele. Os retratos em formato de cartes-de-visite de pessoas negras escravizadas e libertas no período anterior à Lei Áurea produzidos em Salvador e Recife pelo alemão Alberto Henschel estimularam-no a retrabalhar tais imagens através da fotopintura digital.

Seu objetivo era ressaltar a subjetividade de cada uma daquelas pessoas retratadas. Observando as produções do alemão, “temos quase um retrato 3×4 dessas pessoas. Tecnicamente falando, mais digno do que uma fotografia de plano geral porque tem-se uma maior proximidade com seus rostos e com detalhes que evidenciam marcas de suas subjetividades, como suas roupas ou acessórios. Grande parte delas está com a cabeça virada em quase 45°, como se estivessem olhando para o horizonte – numa espécie de projeção para o futuro, segundo minha interpretação. Não estou romantizando a escravidão, mas estou construindo novas possibilidades, diálogos e debates com meu trabalho”, pontua o fotógrafo.

A partir de suas pesquisas imagéticas históricas, de seu letramento racial por ser um homem branco e de diálogos valiosos com pessoas artistas e ativistas ligadas ao movimento negro da capital paulista, Banzi passou a se dedicar à decolonização daqueles retratos produzidos no Brasil oitocentista num trabalho tanto coletivo como familiar. Isso porque, com o nascimento de sua sobrinha, uma pessoa negra, ele foi atravessado por questões relacionadas ao passado escravocrata do país e suas consequências no presente.

Tipos #29, de Fernando Banzi, fotopintura digital, 2017

“A escravidão atravessa todo mundo e considero que a coisa começa a mudar quando, de fato, passamos pelo letramento racial. No meu caso, comecei a estudar mais e a me deter nesse processo ainda mais por conta da minha sobrinha. Comecei a questionar: ‘Onde estão as pessoas negras na fotografia?’, ‘Como elas foram retratadas?’. Queria que minha sobrinha, o mote desse projeto, olhasse esses retratos ressignificados e visse não mais o lugar desumanizado em que aquelas pessoas foram colocadas, mas sim de referência e dissesse, por exemplo: ‘Nossa, olha essa mulher! Ela tem o mesmo cabelo que eu e é tão empoderada!”, conta Banzi. 

Mantendo o suporte dos cartes-de-visite e fazendo uso da fotopintura digital e da manipulação de imagem, Banzi intitulou a série de retratos ressignificados de Tipos – numa referência crítica à generalização e ao apagamento dos nomes próprios das pessoas negras retratadas por Henschel, mas também numa referência à tipografia. “Nesse aspecto, me volto para a questão da escrita: a escrita como imagem, capaz de decolonizar a língua através do letramento racial”, aponta.

Cuidadoso para não se apropriar indevidamente desses retratos históricos e não conceder novamente à branquitude um lugar de protagonismo na construção de narrativas sobre aqueles corpos afrodiaspóricos, o fotógrafo paulista esteve em diálogos constantes com artistas, ativistas e pensadores da diáspora africana.  Um deles, o artista visual paulista Moisés Patrício (1984), que lhe orientou no processo de Tipos. “Quando fui ao seu ateliê, ele me falou assim: ‘Talvez você possa ser uma chave de cura. Isso é o que a branquitude precisa. Ela precisa acordar e se curar’. Percebi que com meu trabalho coloco a branquitude num lugar de desconforto, de escuta simplesmente. Através dessas imagens estimulo um letramento racial em massa”.

Tipos #27, de Fernando Banzi, fotopintura digital, 2017

Ressaltando traços e características próprios daqueles indivíduos retratados, produziu em cada um dos 28 cartões da série uma intervenção artística individualizada ao adicionar manualmente lantejoulas, uma parte do manto do Bispo do Rosário, uma indumentária da moda urbana ou uma estamparia contemporânea de um país africano, como Benin ou Congo. Para ele, a moda é o elemento estético de maior importância nessas criações por sua conotação de ascensão social. “A moda tem essa potência. Na fotopintura é muito comum incluirmos um colar, um terno, um chapéu. O Mestre Júlio fala muito sobre essa potência que é reviver uma imagem através de seus elementos de vestuário e acessórios”, afirma.

Além dessas referências estéticas, baseou-se numa pesquisa histórica cuidadosa para trabalhar a colorização da pele das pessoas retratadas. Informações dos arquivos ou de documentos da época indicavam, por exemplo, dados sobre a miscigenação em certos lugares da África ou do Brasil no século 19. Por outro lado, o trabalho Humanae, da fotógrafa brasileira Angélica Dass (1979), serviu-lhe como orientação para alcançar o tom de pele da pessoa retratada o mais próximo do original. “Esse não é um trabalho só meu, mas coletivo. Entendi que para decolonizar o pensamento, temos que trabalhar em coletividade”.


Marina Amaral

O trabalho da artista autodidata Marina Amaral com retratos de pessoas africanas e afrobrasileiras escravizadas diferencia-se das colagens digitais, fotomontagens ou animações de seus pares. Convencida de que as cores exercem um poder emocional muito forte sobre nós, a colorista digital natural de Belo Horizonte (MG) especializou-se em adicionar cores a fotografias históricas em preto e branco através do Photoshop.

Por ter desenvolvido uma técnica própria, detalhista e precisa, ao longo de quase uma década, Amaral foi considerada “a mestre da colorização de fotos” pela WIRED, revista estadunidense dedicada à tecnologia. Antes da execução do procedimento de colorização de fotografias antigas, seu processo de trabalho envolve uma rigorosa pesquisa que conta inclusive com consultas a especialistas e historiadores. Quando faltam informações que lhe permitem ter certeza sobre cores originais, a artista aprendeu a reconhecer elementos na fotografia em preto e branco que a guiam na escolha de uma direção capaz de levá-la o mais próximo possível a elas. “Não há informações escondidas nas escalas de cinza – tudo é feito com base em sensibilidade artística, técnica e muita pesquisa (quando há informações suficientes) para se chegar aos tons mais apropriados”, afirma.

O destaque na imprensa internacional para o trabalho de Marina Amaral veio em 2018, quando o Museu de Auschwitz-Birkenau publicou em suas redes sociais uma fotografia colorizada por ela de Czeslawa Kwoka, garota polonesa de 14 anos prisioneira e assassinada pela ditadura nazista no campo de extermínio de Auschwitz. Em 2019, a artista mineira emprestou suas habilidades de colorização para o documentário Billie, em que momentos icônicos e performances de Billie Holiday puderam ser apreciados em cores vibrantes pela primeira vez.

Ainda que seu trabalho de colorização de imagens históricas forme um mosaico temático variado, são as histórias por trás dessas imagens e o momento histórico que representam o principal motivo que levam Amaral a encarar cada novo projeto. “No caso das fotografias de pessoas escravizadas no Brasil colonial, isso não foi diferente, uma vez que essas imagens carregam um peso histórico enorme e cada rosto conta uma história que me toca profundamente”, comenta.  

Além disso, – e um fator não menos relevante – dado que a maior parte de seu público é de pessoas estrangeiras, a artista percebeu que sempre que mencionava alguma informação sobre o sistema escravocrata do período colonial brasileiro, essas pessoas ficavam muito surpresas por simplesmente desconhecerem tais informações. Segundo ela “ao colorizar essas fotos, espero tornar esses indivíduos e as narrativas que eles carregam menos distantes e abstratas, e, quem sabe, estimular uma reflexão mais profunda e emocional sobre o impacto e as consequências da escravidão. Meu desejo mais profundo e pessoal é despertar novos olhares, reflexões e conversas”.

Rostos da escravidão, de Marina Amaral, colorização de fotografias de Alberto Henschel, 2019

Com a falta de informações detalhadas sobre a origem das pessoas negras retratadas, a maior parte das cores foi escolhida por Marina Amaral com base em seu olhar detalhista. “Isso me permite dar um ‘palpite’, que não é baseado em um achismo da minha parte, mas em uma análise cuidadosa e em toda a experiência acumulada. Sempre há uma margem para erros, claro, mas faço o possível para que o resultado seja o mais fiel e respeitoso possível”.

Seu objetivo com a colorização de retratos de pessoas africanas e afrobrasileiras escravizadas é que o público entenda que cada pessoa retratada há mais de um século foi um ser humano único, com sonhos, medos, ambições, amigos, família. “Não eram apenas figuras históricas anônimas, mas indivíduos com histórias e vidas reais. Se uma única pessoa começar a enxergar esse recorte da história com mais sensibilidade e entendimento, já vou me sentir realizada”. E a recepção desse público surpreende a artista por seu interesse genuíno em querer se aproximar da história da escravização no Brasil. “Recebo muitas mensagens de apoio e agradecimento, especialmente de educadores, e isso é para mim o grande motivador do que eu faço. Saber que meu trabalho pode provocar novas reflexões e conversas sobre um passado tão significativo é extremamente gratificante”. ///

Renata Martins (1980) é educadora, crítica de arte e curadora independente natural de São Paulo e residente em Bonn, Alemanha. É mestre em Literatura Alemã pela USP e especialista em Curadoria de Arte pela Universidade das Artes de Berlin. Foi residente do programa Vila Sul do Instituto Goethe de Salvador (2020-2022), onde concebeu e organizou o Catálogo Arte Mais – Panorama de Artistas Transvestigeneres nos Brasil @catalogoartemais.



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