A luz nas dunas de Cabo Frio e os bastidores de Tributo a Tarsila
Publicado em: 31 de agosto de 2018Tributo a Tarsila foi feita em 9 de junho de 1995, em Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro. A foto representa muito bem o trabalho de composição gráfica, de cunho pós-modernista, que desenvolvi nos anos 1980. O resumo desses trabalhos foi publicado no meu primeiro livro, norami (Rotovision, 1989).
Em meados dos anos 1990, voltei às dunas de Cabo Frio, que por vários anos foram meu estúdio de luz natural preferido, para fazer as fotos da campanha da agência Young e Rubicam de Frankfurt para a divisão europeia da fabricante de câmeras fotográficas Olympus.
O diretor de arte e meu amigo Jürgen Däuwel fez todos os leiautes baseado naquele trabalho gráfico. A campanha, com o inspirador nome Timeless [Atemporal], era institucional e me atraiu muito. A ideia era construir um grande relógio de sol nas dunas, o ponteiro representado por uma mulher nua, pintada de vermelho. Tudo muito gráfico e de forte impacto visual.
Chegamos à locação nas dunas às sete horas da manhã, sabendo que a luz ideal para a realização das fotos seria às dez. Na equipe enxuta estavam o diretor de arte, o meu fiel assistente Paulo Eduardo Dulla, a modelo Márcia Carvalho, a maquiadora Ana McLaren e a produtora de moda Martha Tadaieski.
Enquanto a modelo se preparava, o diretor de arte e eu montamos o relógio de sol: um semicírculo desenhado na areia, com pedras representando as horas. Um trabalho minucioso e complicado, que dependia da nossa criatividade. Mas às dez em ponto o cenário estava perfeito, lindo, como imaginávamos, e a nossa modelo, flecha, ponteiro, toda vermelha, pronta para se posicionar no centro do relógio de sol.
A foto ficou maravilhosa, melhor que o planejado. Aquele lugar era realmente muito especial. Eu já conhecia as condições de luz em cada horário e aquele céu, sempre muito límpido e azul.
Algum tempo depois, vi a modelo sentada, descansando nas dunas. Achei a posição e o contraste tão interessantes que resolvi fotografá-la com minha Pentax 6 x 7. Foram apenas três cliques. Para mim foi o suficiente. Eu só queria um registro dela naquela posição.
Acabei esquecendo daquelas fotos. O trabalho intenso que a gente estava fazendo era muito importante e eu estava ansioso pelo resultado. Em 2012, na preparação do meu livro KM Work (Damiani, 2013), encontrei por acaso aqueles cromos. Fiquei intrigado com eles, porque não tinha ideia do que eu tinha feito naquele instante único nas dunas. Escaneei as imagens imediatamente, e quando as vi na tela do computador, percebi que uma delas era simplesmente perfeita. Intensifiquei um pouco o contraste e fiquei feliz com o resultado. A composição inusitada daquele monumento vermelho na areia branca com meu céu dos anos 1980 era linda, e imediatamente me lembrou o quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral (1886-1973).
Naquele instante tive certeza que tinha criado algo especial. Para mim, era uma pequena obra-prima, que dez anos depois resumia um pouco daquilo que fiz por uma década naquelas dunas do meu pequeno paraíso.///
Klaus Mitteldorf é fotógrafo e cineasta. Foi o primeiro ganhador do Prêmio da Fundação Conrado Wessel de Fotografia, em 2001, e dirigiu o longa-metragem Rio-Santos, 2017.