Por trás da foto: o verão antes da queda do Muro de Berlim pelas lentes do fotógrafo Nino Rezende
Publicado em: 9 de dezembro de 2019Verão de 1989. Meu companheiro e eu morávamos havia um ano em Lisboa e achávamos que tinha chegado a hora de conhecer outras paisagens. A língua, os costumes e a cultura de Portugal me remetiam à casa da avó. Convidados por um amigo alemão, embarcamos para Berlim com a ideia de passar alguns dias, que no final se estenderam por 15 anos. Chegamos três meses antes de o muro que dividia a cidade em RFA (República Federal da Alemanha) e RDA (República Democrática da Alemanha) vir abaixo. Havia marchas e protestos, principalmente em Berlim Oriental e Dresden. Era enorme a tensão no ar. Alguns murmuravam sobre um novo massacre, como o que havia acontecido em junho de daquele ano em Pequim, na Praça Tian’anmen.
Comecei a fotografar intensamente, com uma ideia vaga sobre o que poderia acontecer com a história daquele lugar. Mas estava claro pra mim que estava diante de um evento importante. Morávamos no lado ocidental da cidade e fomos visitar o Portão de Brandemburgo, o simbólico portal da cidade, reconstruído no final do século 18, encimado pela Quadriga (estátua representando Irene, a deusa grega da paz, em sua biga puxada por quatro cavalos). Eu sempre andava com minha câmera pendurada no ombro e percebi o momento da foto: uma imagem silenciosa que mostrava dois mundos distintos, representando uma situação de conflito político e ideológico.
Usei uma lente grande angular para que o policial montado não percebesse a minha presença. Por estar em território desconhecido, melhor que ele pensasse que eu estava fotografando a bicicleta com o portão de fundo, que ele estaria fora do enquadramento. Essa imagem me marcou muito, por representar uma situação entre fronteiras que estava prestes a ruir.
Curioso é que essa imagem, e mais uma centena de outras feitas naquele verão, ficaram aguardando na geladeira por meses. Até que eu montasse meu laboratório P & B improvisado no banheiro e revelasse os filmes que estavam no silêncio. Não imaginava que aquele momento, que acaba de completar 30 anos, ficaria marcado pela história. ///
Nino Rezende (1962) nasceu em Brazópolis (MG). Estudou na Escola de Fotografia Imagem & Ação, em São Paulo. Entre 1989 e 2003 viveu em Berlim, onde trabalhou para os jornais Die Taz e Tagesspiegel. Participou de mostras coletivas no MIS, CCSP, Paço das Artes e MAM Bahia. Atualmente exibe a fotoinstalação A Queda – Berlim 1989 aos anos 2000 na Bienal de Curitiba.
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