Dalila Coelho e a beleza nos rituais estéticos da periferia
Publicado em: 5 de janeiro de 2022
Na busca por pautas para dar um aspecto mais pessoal para o seu portfólio de fotógrafa e jornalista recém-formada, a mineira Dalila Coelho deparou-se com as casas de bronzeamento de fita da periferia de Belo Horizonte: “descobri o mundo do bronze de fita em BH e foi amor à primeira vista. Eu não sabia que existiam essas casas em BH e fiquei maravilhada com a dedicação das profissionais de bronze, a quantidade de técnicas que elas estudam para fazer um bronzeamento perfeito, as variações de biquínis de fita isolante, os enfeites que elas colocam nesses biquínis, os diferenciais de cada casa de bronze, os discursos de inclusão, os espaços acolhedores”.
A curiosidade de Dalila foi além e ela decidiu registrar também o universo das barbearias e salões de beleza da região central de Belo Horizonte. O resultado foi o livro Beleza, lançado em 2021, e que combina o olhar da fotógrafa sobre esses dois mundos. Abaixo, ela nos conta mais sobre seus projetos em torno de rituais estéticos, a produção do fotolivro e seus próximos trabalhos.
Em que momento da sua vida você começou a se interessar pela fotografia?
Dalila Coelho: Desde a adolescência eu me interesso bastante por fotografia, tanto de celular, para registrar momentos e observações mais instantâneas do cotidiano, quanto pela fotografia analógica, por causa dessa aura da foto que você só vai ver em outro tempo e que é limitada pelo número de poses do filme. Eu comecei fotografando em analógica na adolescência, para registrar alguns momentos especiais, como viagens, passeios e festas com meus amigos. Quando me formei na faculdade vi ali uma ferramenta que eu poderia tentar explorar também profissionalmente.
Como surgiram as séries É verão o ano inteiro e Rituais estéticos da periferia?
DC: É verão o ano inteiro foi um clique que eu tive mexendo no Instagram. Tinha acabado de me formar em comunicação, estava desempregada e queria fazer alguma reportagem que explicitasse melhor a minha identidade no meu portfólio. Um belo dia uma modelo com quem eu tinha trabalhado em um projeto postou no stories dela o Bronze da Ludy. Eu fiquei encantada com o espaço, com o trabalho da profissional de bronze e com o fato de que em Belo Horizonte, uma cidade tão longe da praia, e a gente estava entrando no inverno, havia demanda por bronze de fita nas nossas periferias. Fiquei bastante obcecada com o assunto, com vontade de fotografar essas casas de bronze, contar essas histórias e investigar esse fenômeno.
Por isso passei alguns meses apurando a pauta, acompanhando as casas de bronze pelo Instagram e frequentando algumas para ver como era o dia de trabalho. Não consegui vender a fotorreportagem para nenhum site e acabei publicando por conta própria no Medium. Ao mesmo tempo, percebi que havia um potencial nessas fotografias que extrapolava a reportagem, e assim surgiu a vontade de expô-las. Enviei parte da série para algumas chamadas abertas e prêmios e tive resultados positivos, como o Prêmio Décio Noviello de Fotografia, da Fundação Clóvis Salgado, que resultou na minha primeira exposição solo.
Já Rituais estéticos da periferia surgiu da vontade de dar continuidade a esse olhar para a estética e os profissionais de estética da periferia, agora olhando para o baixo centro da cidade. Eu reparava muito as barbearias do centro que via no trajeto de ônibus para o estágio, e tinha vontade de fotografar essas portas com barbeiros, clientes e a rua movimentada. Uma dessas barbearias já não existia mais quando eu fui fazer as fotos, mas nela sempre ficavam uns meninos descolorindo o cabelo bem na entrada, em frente ao ponto de ônibus. Foi isso que despertou em mim a vontade de fotografar esses espaços.
Só que quando aconteceu esse impulso inicial para fazer essa série, após começar a ter um retorno positivo com as fotografias do bronze, veio a pandemia e eu não quis mais ir para a rua fotografar, porque não queria que o trabalho ficasse tão marcado pelo uso de máscaras. No final de 2020, quando percebi que a pandemia não ia passar tão cedo, tirei o projeto da gaveta para a seleção da Maratona Fotográfica do Festival Internacional de Fotografia de Belo Horizonte (FIF). Fui selecionada e tive a oportunidade de desenvolver a série durante um mês, recebendo orientação do Joaquim Paiva durante todo o processo. Foi bem interessante ter esse incentivo para voltar à rua para fotografar, recebendo orientação para guiar melhor o meu olhar e tendo esse objetivo final de produzir as fotos para o FIF.
Como você se aproximou desse universo de salões de beleza e de bronzeamento? Que pessoas você encontrou nesses lugares?
DC: O universo da estética me encanta desde sempre, tanto no cuidado que eu tenho comigo mesma para fazer as unhas, mudar o cabelo, quanto na admiração que eu tenho por essas profissionais que fazem trabalhos tão minuciosos e bem feitos nas suas clientes. Já fazia um tempo que eu imaginava registrar de alguma forma esses trabalhos, principalmente de manicures e de barbeiros que fazem obras de arte nos clientes, mas ainda não sabia como faria isso.
Então, por coincidência, descobri o mundo do bronze de fita em BH e foi amor à primeira vista. Eu não sabia que existiam essas casas em BH e fiquei maravilhada com a dedicação das profissionais de bronze, a quantidade de técnicas que elas estudam para fazer um bronzeamento perfeito, as variações de biquínis de fita isolante, os enfeites que elas colocam nesses biquínis, os diferenciais de cada casa de bronze, os discursos de inclusão, os espaços acolhedores. Foi incrível mergulhar nesse universo.
E ao mesmo tempo em que foi um desafio conquistar a confiança das pessoas para poder entrar nesses espaços e fotografar o trabalho dos profissionais, foi muito divertido passar dias acompanhando esse movimento. O que eu percebi nos salões de beleza e nas casas de bronze é que eles são verdadeiros templos para cuidar de si e experimentar novas formas de ser. Os profissionais de estética são artistas que se dedicam com muito esmero para cuidar de seus clientes e criar um espaço em que todos se sintam confortáveis para frequentar.
Como foi o processo de unir as duas séries em um único fotolivro? Quais foram os principais desafios para editar e lançar o Beleza?
Na verdade, o livro já nasceu com o intuito de unir as duas séries, por causa da semelhança de temas. A princípio, o Pedro Castro, editor da TONA, havia me convidado para publicar uma zine de É verão o ano inteiro, e eu pedi para ele esperar um pouco porque iria participar da maratona do FIF e teria mais material para trabalhar. E aí Rituais estéticos já foi produzida com a ideia de ser mais um desdobramento desse projeto de registrar trabalhadores e espaços de estética frequentados pela periferia. Por isso usei o mesmo filme para fazer os dois trabalhos e busquei retratar elementos que colocassem as duas séries em diálogo, mesmo sendo uma em espaços fechados no centro e outra em espaços abertos na periferia.
Todo o processo de construção do Beleza foi bastante coletivo, desde a organização das fotos na parede até a divulgação. Tudo foi feito a oito mãos e contando com o apoio e sugestões de todos para chegar no melhor resultado. Somos eu na fotografia, Pedro Castro na edição, Douglas Mendonça na produção gráfica e Bernardo Silva na digitalização e tratamento de fotos. Eu acho que os principais desafios foram não ter tanta expertise para lidar com os fornecedores e as limitações de recursos por causa da pandemia. Mas no final deu tudo certo e chegamos no resultado que queríamos.
Sua fotografia parece fazer pouco caso de rótulos, gosta de trafegar de forma livre tanto na forma de retratar seus personagens como pelos gêneros considerados mais “clássicos” (como fotojornalismo, retrato, etc). Você vê assim também? Quais são suas referências dentro (e/ou fora) da fotografia?
DC: Eu acredito que a formação em jornalismo guia muito do meu olhar para o mundo, mas eu tento não me apegar ao aspecto formal da fotografia e fazer os registros de maneira mais instantânea. Também não sei definir se se encaixa mais em fotojornalismo ou fotografia documental. Acho que o que importa para mim é me inserir na cena, tentar olhar com proximidade para o objeto, acompanhar de perto os meus interesses e ter a praticidade de usar equipamentos simples, como as câmeras saboneteiras, que me liberam de ter que me preocupar com o domínio técnico da fotografia vista como profissional.
As minhas referências também vêm muito do jornalismo. A VICE me inspirou desde a adolescência e foi um dos motivos de querer seguir essa profissão. Admiro muito o trabalho da Larissa Zaidan, que fiquei conhecendo porque ela trabalhava na VICE. Na faculdade aprendi mais sobre teorias da imagem e os fotógrafos ditos icônicos e me encantei por Cartier-Bresson e os enquadramentos que ele faz. Enquanto produzia É verão o ano inteiro fiquei conhecendo também os trabalhos do Martin Parr, a série Brasília teimosa, da Barbara Wagner, e o acervo dos Retratistas do Morro, dos fotógrafos Afonso Pimenta e João Mendes, que me inspiraram muito.
Você já está trabalhando em algum novo projeto? O que vem por aí?
DC: Eu tenho muita vontade de acompanhar mais profundamente outras cenas das juventudes de periferia daqui de BH, como os MCs e DJs de funk, os dançarinos de passinho e a galera do toque. Só que, por causa da pandemia, ainda não me sinto segura para dar continuidade nessas pautas.
Enquanto isso, entrei recentemente para um coletivo de fotografia analógica daqui de BH, o Coletivo Mofo, e quero me dedicar a dominar mais as técnicas e processos para ter mais autonomia para tratar meus materiais. Por isso pretendo, nos próximos meses, revisitar meus arquivos de desde que comecei a fotografar analógico, digitalizar, fazer algumas experimentações nesses filmes e ver o que sai dessas fotografias mais pessoais, intimistas. ///
Tags: Beleza, Belo Horizonte, Bronze de fita, fotolivro