Festival ZUM 2019

Confira os dez destaques da exposição de fotolivros do Festival ZUM 2019

Publicado em: 14 de novembro de 2019

Parte das atividades do Festival ZUM 2019, a convocatória aberta de livros de fotografia deste ano recebeu cerca de 180 obras de várias partes do mundo e publicadas entre novembro de 2018 e outubro de 2019. Foram selecionados 55 livros, zines, revistas e catálogos que foram exibidos na Biblioteca de Fotografia do IMS Paulista durante o festival, com a presença de editores e fotógrafos responsáveis por esses livros para uma conversa sobre seus trabalhos. Dessa seleção mais ampla, dez livros foram destacados pela equipe da ZUM. Confira abaixo os destaques do festival de 2019.

Corpo Presente, de Felipe Ávila, Estúdio Margem, SP

O fotolivro apresenta imagens de protestos, mas esta não é uma frase que resolve o livro. O que vemos são registros de atos políticos. Não apenas aqueles convencionais, com cartazes nas ruas, mas também de festas e outros eventos. Em comum, todos propõem um embate físico com forças repressoras das mais diversas instâncias.

Embora a maioria das imagens seja dos corpos vulneráveis dos insurgentes, são as fotos dos policiais que mais saltam à vista. A primeira imagem do livro mostra um policial não identificado segurando uma escopeta. Na sequência, um deles porta uma câmera de vídeo e aponta para os manifestantes. Quase no fim, um policial com caneleiras segura um enorme escudo retangular enquanto avança na direção do fotógrafo.

As últimas páginas trazem fotografias do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no Largo do Paissandu em 2018.  O livro, impresso em risografia, está dividido em cinco capítulos que, embora não pareçam indicar qualquer ordem cronológica, contam uma parte importante da história de uma São Paulo às vésperas de uma nova década, habitada por corpos que resistem mesmo quando as ruínas do Estado desabam sobre cabeças e calçadas.

Gaijin, de Thais Suguiyama e Nikolas Suguiyama, autopublicado, SP

O Brasil é o país com maior população de descendência japonesa. No início do século passado houve forte campanha para imigração de europeus e japoneses, parte do projeto de branqueamento da mão de obra do país no momento pós-abolição da escravatura. A discriminação e a divergência entre culturas apartaram japoneses e brasileiros que muito aos poucos foram se misturando. O fotolivro Gaijin (estrangeiro, em japonês) reúne de forma fragmentada retratos e sentidos justapostos, elementos que, aos poucos, vão construindo essa narrativa da mistura de povos.

Thais e Nikolas Suguiyama se apropriam da encadernação japonesa, que permite que folhas de baixa gramatura dobradas recebam carga de tinta sem que o conteúdo passe para a folha seguinte. Geralmente este tipo de encadernação é associada a uma costura externa, aparente, que permite que folhas sejam encadeadas sem uso da cola. Alén disso, o livro pode ser lido tanto no sentido de leitura oriental, da direita para a esquerda, quanto da esquerda para a direita.

Insular Night: Invisible Gardens, de Rodrigo Sombra, Paper Journal, Reino Unido

Poucos territórios no mundo são tão sobrecarregados de afetos e mitologias quanto a ilha na América Central que abriga a República de Cuba. Em 24 imagens bem impressas em papel fosco, formando um volume fino e despretensioso, Rodrigo Sombra retrata um espaço em que novo e velho, claro e escuro, passado e futuro coexistem, sem a necessidade de apaziguarem contrastes.

Apesar do pequeno número de fotografias que compõem Noite insular, Sombra resiste à tentação de incutir em cada foto simbologias e significados generalizantes, que aspiram à síntese ou à representação do todo. Ao invés das imagens icônicas, ficamos com a incompletude dos fragmentos: alguns detalhes, formas, texturas; alguns retratos, gestos, olhares – como notas em tempo fraco de uma melodia bonita e sem refrão.

Assim como a “noite” e os “jardins invisíveis” do título, a Cuba de Sombra revela-se mais pelo que promete do que pelo que aparece, exuberante, sob a dura e cálida luz equatorial.

Maravilla del Mundo, de Thomas Locke Hobbs, Editorial Photogramas, Argentina

A cidade peruana de Iquitos empresta da selva amazônica seu esplendor para se autodenominar “maravilha do mundo”. No entanto, as imagens de Thomas Locke Hobbs apontam para uma outra direção: ruas de terra e sem esgoto, palafitas cercadas de lixo e outros símbolos de precariedade dominam a paisagem. Mas o objetivo do fotolivro de Hobbs não é denunciar o estado de abandono de uma cidade encravada na floresta peruana. O que o fotógrafo investiga em Maravilla del mundo é a relação entre a localidade e a sua comunidade trans e LGBT.

Iquitos é conhecido ponto de acolhimento de muitos jovens peruanos, que buscam na cidade uma espécie de pausa na heteronormatividade muitas vezes violenta que ameaça a vida de tantas pessoas na América Latina. Mas, mesmo nesse ambiente menos agressivo, os retratos de Hobbs estampam as cicatrizes e marcas de uma violência que paira sobre a simples existência dessas pessoas marginalizadas. Seus corpos e poses carregam restos de glitter, maquiagem borrada, olhares penetrantes e bocas úmidas. A umidade revela-se em lama, suor e tesão. Talvez a maravilha do mundo seja menos um lugar e mais uma possibilidade.

Mi color favorito es el rosa pero me gusta mucho el negro, de Talita Virginia, CdF Ediciones, Uruguai

Filha de um policial militar na cidade de São Paulo, a fotógrafa Talita Virgínia desde muito cedo viveu na própria família a violência silenciosa de conviver com, literalmente, uma arma em cima do guarda-roupa. Ao longo de 10 anos, Talita fotografou o cotidiano de sua família, a relação entre o trabalho do pai e as consequências no imaginário de uma criança apaixonada pela cor rosa, sua irmã 15 anos mais jovem.

O fotolivro dá conta de unir de forma bem resolvida os inocentes desenhos infantis da irmã da fotógrafa e as fotografias cruas e diretas do pai policial, expressando muito bem a tensão subliminar inerente à profissão do pai. O trabalho foi publicado após ser selecionado pela convocatória de 2018 do Centro de Fotografia de Montevideo (CdF).

Outro Olhar, do Coletivo Norte Comum, autopublicado, RJ

O livro Outro Olhar é fruto da exposição de mesmo nome realizada na favela do Jacarezinho (RJ) em 2017. A partir de uma pesquisa realizada na região do Azul, parte alta da favela, os membros do coletivo coletaram fotografias feitas pelos moradores, que foram selecionadas e impressas em lambe para a exposição. O livro/catálogo registra esse processo, com fotos da pesquisa e da exposição.

As imagens selecionadas destacam momentos festivos, de aniversários e celebrações na comunidade. Com isso, o coletivo quer desconstruir a narrativa visual de violência e ocupação normalmente vinculado às favelas cariocas. E também trabalha na tomada desse discurso pelos próprios moradores da região, desta vez realizadores de sua representação para fora do Jacarezinho.

Sete Quedas, de Shirlene Linny e Julio Cesar Cardoso, {Lp} press, RJ

Na manhã do dia 24 de março de 1979, o ex-embaixador José Jobim foi encontrado enforcado na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, pendurado a uma árvore por um fio de náilon. Dias antes, Jobim participara de um evento em Brasília no qual teria revelado que pretendia escrever sobre casos de corrupção na construção da usina de Itaipu. No fotolivro, os projetos de construção das usinas de Sete Quedas, durante o Governo de João Goulart, e de Itaipu, durante a ditadura, servem de pano de fundo para a exposição dos fatos que culminaram com a trágica morte do diplomata.

Fotografias em preto e branco da estrutura grandiloquente da hidrelétrica funcionam como metáforas visuais do aparato intimidador do Estado. Mobilizando registros autorais, matérias de jornais e documentos de arquivo, os autores remontam a história do brutal sequestro e assassinato do ex-embaixador e a suspeita investigação do caso, emblemático de um período obscuro da história brasileira.

Sete quedas é um documento perturbador do poder de construção (e destruição) da memória pelo aparelhamento do Poder Público e dos meios de comunicação.

The Best of Mr. Chao, de Guilherme Gerais, Editora Madalena, SP

Nessa obra estranha, híbrido de fotolivro e manual de ciência moderna, Guilherme Gerais colabora com um programa de Inteligência Artificial na geração de poemas de inspiração dadaísta. Gerais alimenta o programa com imagens de objetos e insetos (nunca seres humanos), e a máquina responde descrevendo o que “vê” com palavras e frases. Falha miseravelmente. É por acaso, portanto, que o programa gera associações inusitadas, imprevistas justamente porque equivocadas. O resultado da parceria é um manual quebrado, um catálogo inútil de idiossincrasias semi-aleatórias que o artista chama de “Poesia computável”.

Gerais dá roupagem contemporânea à disjunção fortuita entre imagem e palavra, coisa e conceito, superfície (aparência) e símbolo (interpretação), terreno fértil para a arte das vanguardas desde o início século 20. “Arte é pensada a partir do futuro”, diz o breve texto de Timothy Morton que arremata o livro. “Este futuro é impensável. No entanto, aqui estamos nós, pensando nele”, escreve o filósofo. The Best of Mr. Chao incorpora esse enunciado paradoxal: com sua estética estéril e impessoal emprestada dos protocolos de documentação científica, o livro é uma ode à capacidade humana para imaginar o inimaginável, contradição irreconciliável à lógica racional das máquinas.

Twelve, de Manuel Castillo, Zuni Zines, Chile

O fotógrafo chileno Manuel Castillo comenta que o número doze (twelve) é uma espécie de mantra que acompanha todo o livro. Segundo ele, são épocas, personagens e locais distintos que, na percepção subjetiva de Castillo, acabam terminando em múltiplos de seis. Essa numerologia ocasional é o mote para um coleção de fotografias em preto e branco.

Desde autorretratos em que o rosto do fotógrafo é subtraído até pequenas séries que mais parecem fotogramas de um filme, as imagens ganham força na ótima edição do fotolivro. Assim como a muito bem cuidada impressão em risografia, destacando os grãos e a porosidade das fotos. O resultado é uma narrativa onírica, com um certo tom de pesadelo, que se mantém por algum tempo em algum lugar (ou momento) de nossa memória (ou retina).

Velho Chico, Chico Velho, de Mico Toledo, autopublicado, SP

O brasileiro Mico Toledo, atualmente residindo em Londres, passou alguns dias viajando pelo sertão alagoano, registrando de forma livre o cotidiano de moradores de pequenas localidades. Influenciado pela cultura nordestina do cordel e da xilogravura, Toledo, também diretor de arte, decidiu seguir esse caminho para publicar o fotolivro Velho Chico, Chico Velho.

Toledo convidou a artista britânica Sophy Hollington para produzir ilustrações em xilogravuras a partir das suas fotos e ele mesmo escreveu versos em formato de cordel para inventar algumas aventuras. O trunfo do livro é manter a estética ao mesmo tempo precária e inventiva das publicações típicas do sertão nordestino, apostando principalmente no rico diálogo entre as fotografias e as ilustrações. ///

 

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