Entrevistas

Oásis

Samantha Prado & Seif Kousmate Publicado em: 16 de dezembro de 2022

Foto da série Waha, de Seif Kousmate, 2020-2022

O vocabulário visual do fotógrafo marroquino Seif Kousmate (1988) usa a fotografia como um elemento no seu processo de contar histórias. Autodidata, começou a fotografar tarde, como ele mesmo diz: “apenas aos 26 anos”, ao abandonar uma carreira como gestor de projetos na engenharia civil. Seif viu na fotografia um meio de se conectar a diferentes culturas e pessoas, especialmente em temas relacionados à migração e à juventude.

Waha (oásis, em árabe), seu mais recente projeto, registra as consequências das alterações climáticas e da globalização sobre os oásis do Marrocos a partir de um ponto de vista marroquino, deixando de lado a idealização e os clichês comumente vistos nas representações visuais do ocidente sobre esse território. 

Atualmente, esses territórios são lar de quase 2 milhões de habitantes do país, tendo grande papel para o desenvolvimento econômico e cultural do Marrocos. “Como fotógrafo, perguntei-me: como posso evitar reproduzir representações orientalistas, semelhantes às do Éden, do oásis? Como o meu trabalho pode expressar de forma mais verdadeira a realidade da deterioração que observei?”, comenta o artista.

Ao adicionar à fotografia camadas de elementos orgânicos e efeitos de degradação – com uso de terra, palha de palmeira, ácido e fogo – o fotógrafo quer evidenciar os perigos dessa deterioração ambiental. Segundo números oficiais, o Marrocos perdeu dois terços do habitat natural do oásis ao longo do último século. Cerca de 14 milhões de palmeiras desapareceram em meio a um processo acelerado pelas mudanças climáticas, o que tem um pesado custo econômico para os habitantes dessas regiões e coloca em perigo seus meios de subsistência. Dessa forma, comunidades inteiras acabam abandonando suas terras e migrando para as cidades em busca de melhores condições de vida.

Foto da série Waha, de Seif Kousmate, 2020-2022

O que despertou seu interesse pela fotografia? Por que começou a fotografar?

Seif Kousmate: Comecei a fotografar tarde, aos 26 anos de idade. Tudo começou a partir de um desejo de conhecer o mundo e de me conectar com outras pessoas e culturas. Comecei a viajar, comprei uma câmera para documentar esses momentos e pouco a pouco percebi que a fotografia é um meio de acessar e registrar a história de outras pessoas, para depois transmiti-las a um público. Então, aos poucos, comecei a desenvolver uma narrativa visual e a me interessar pela história da fotografia e o storytelling. De forma natural, passei a adaptar a fotografia à minha personalidade para contar minhas experiências no mundo. Bem antes de começar a fotografar, já era muito sensível às questões sociais e ambientais da nossa sociedade, mas não sabia como poderia intervir para trazer mudanças, para colocar o meu olhar sobre o tema ou para falar sobre esta situação. Depois dos meus 26 anos descobri o a fotografia e pareceu-me natural falar através dela sobre os assuntos que me interessavam.

Você fez do oásis seu objeto principal da série fotográfica Waha. Como foi essa escolha? Essa série dialoga com seus outros trabalhos?

SK: Como disse, sempre estive interessado em denunciar injustiças relacionadas às mudanças climáticas e à comunidade. No meu país, o Marrocos, fui tocado pela degradação que vi neste território ao longo dos últimos anos e busco encontrar histórias que contem isso. Em primeiro lugar, essa série registra um lugar que é bastante histórico, diria que é o encontro entre o fim do deserto e a vida. Os oásis se desenvolveram graças ao papel das caravanas e ao trabalho de várias gerações de homens, é realmente uma pena que não tenhamos uma boa documentação desse território, que registrem as mudanças climáticas pelas quais eles passaram. Pouco a pouco, comecei a me interessar pela vida nesse ambiente, pelas tradições, pela forma como as pessoas vivenciaram essas mudanças, os ensinamentos das antigas gerações para as mais novas, etc. Senti que era necessário contar essa história como forma de contribuir para o debate sobre o futuro de um outro planeta e nossa responsabilidade nisso, ao mesmo tempo que trago a perspectiva local com o tema do oásis.

No seu trabalho você retrata os oásis marroquinos do ponto de vista de um marroquino, algo que nem sempre acontece, especialmente na representação estereotipada do ocidente. Como você vê a representação desse território e de seus habitantes pela cultura ocidental?

KS: O meu trabalho começa com a pesquisa de arquivos sobre a representação deste território no passado. Vi principalmente postais e fotografias ocidentais, em especial do exército na época da colônia, e percebi que há uma verdadeira orientalização deste território. Assim como acontece nas representações em filmes e livros, ainda existe este “misticiesmo” em torno do oásis. A minha abordagem é totalmente diferente. Passo muito tempo no local discutindo a complexidade da vida neste território, sobre o passado do ponto de vista das gerações mais velhas e sobre como os mais jovens veem o presente e o futuro. A partir disso começo a construir minha narrativa visual e coletar material orgânico do lugar. É um trabalho de criar diálogos entre estes elementos que representam um pouco esta comunidade que está vivendo essa transição climática e o meu olhar de fotógrafo para criar algo que se aproxime da complexidade e da realidade deste território. Não é só estar ali durante duas ou três semanas e tirar fotografias pouco colaboram para a compreensão do contexto e das pessoas. É um trabalho de investigação que me tomou quase três anos. É preciso investigar, escutar o lado científico, escutar os habitantes. É muito complexo. A transparência da narrativa não é apenas para dar um olhar sobre como imaginamos o oásis, é para chegarmos ao mais próximo da realidade.

Várias das fotos da série contam com a adição de elementos externos (como casca de palmeira ou solo) ou efeitos de degradação (marcas de fogo ou de ácido). O que motiva a escolha desses efeitos nas fotografias?

SK: Como disse antes, passo muito tempo trabalhando neste território, para compreender sua complexidade. Há uma frustração com a fotografia clássica, que não consegue mostrar essas camadas mais complexas. Quando se fotografa a paisagem de um oásis, cai-se um pouco na imagem idílica, orientalista, onde tudo é perfeito. Então começo por recolher as matérias orgânicas, elementos que trabalham na metáfora da degradação. Faço também um texto para acrescentar uma camada extra e permitir ao público se conectar diretamente e emocionalmente a essa deterioração que está acontecendo. Naturalmente, esse processo me dá um resultado mais experimental e, ao final, tenho esta coleção de imagens que contam de uma forma muito emocional e surrealista a transição que esses territórios atravessam.  

Foto da série Waha, de Seif Kousmate, 2020-2022

Atualmente está trabalhando em algum novo projeto? Pode adiantar algo para nós?

KS: Na verdade, o projeto do oásis ainda não está terminado. Até agora, eu fiz duas partes dele, ou seja, consegui cobrir dois terços do território. Falta uma última parte para a qual estou apenas à espera de financiamento, uma bolsa cujo processo está sendo finalizado. Quero terminar a última parte e, eventualmente, continuar a expor este projeto e publicar um livro com o todo do trabalho. ///

Samantha Prado é jornalista e graduanda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atualmente contribui para o Le Monde Diplomatique Brasil e editora na agência O Observatório