Entrevista: a pesquisadora Yara Dines fala sobre o seu livro Fotógrafas Brasileiras, Imagem Substantiva
Publicado em: 5 de maio de 2022Lançado no início do ano, o livro Fotógrafas Brasileiras, Imagem Substantiva, da antropóloga e pesquisadora Yara Dines, surge como uma importante obra de referência sobre a participação das mulheres na história da fotografia brasileira. O livro apresenta o perfil 60 mulheres com atuação nos séculos 20 e 21, um conjunto variado de olhares e diferentes interesses dentro da linguagem fotográfica, um recorte com foco em memória, gênero, antropologia visual e história da fotografia no país.
“A mídia destaca três ou quatro fotógrafas brasileiras que são excelentes, mas percebi que havia muitos nomes esquecidos e invisibilizados, cujas obras potentes merecem um lugar ao sol”, comenta a pesquisadora. Leia abaixo entrevista com Yara Dines sobre a história das mulheres fotógrafas brasileiras
Como surgiu a ideia do livro?
Yara Dines: Fiz o pós-doutorado na Escola de Comunicação e Artes, da USP, sobre as fotógrafas imigrantes Hildegard Rosenthal e Alice Brill, para o qual escrevi o livro – Hildegard Rosenthal e Alice Brill, fotógrafas de além-mar: cosmopolitismo e modernidade nos olhares sobre São Paulo – a respeito de sua produção e linguagem moderna. Constatei como a pesquisa realizada integrava o recorte instigante e rico sobre imagem e gênero. Elaborei vários cursos livres a respeito deste tema sobre fotógrafas brasileiras, fotógrafas da Europa e EUA. Porém almejava realizar um projeto perene, por isso a ideia da publicação. A proposta deste livro (feito em parceria com a Grifo Projetos Históricos e Editoriais e apoio do IMS) é visibilizar, valorizar, empoderar e mesmo buscar a equidade da participação de mulheres fotógrafas no mercado fotográfico. A mídia destaca sempre três ou quatro fotógrafas brasileiras que são excelentes, mas percebi que havia muitos nomes esquecidos e invisibilizados cujas obras potentes merecem um lugar ao sol. Há quem diga que a mídia é preguiçosa, e acho que é verdade.
No livro, a organização dos nomes segue uma linha cronológica, partindo das pioneiras e chegando em nomes da fotografia contemporânea. O que motivou essa escolha por uma visão histórica da presença das mulheres na fotografia brasileira?
YD: A cronologia seguida pelo livro não é estanque, procurando também aproximações entre linguagens fotográficas e mesmo diálogos na edição das fotos. A publicação abrange mais de 100 anos de história da fotografia no Brasil, e neste sentido é fundamental mostrar a participação das mulheres desde o início do século 20. Neste período, elas eram assistentes, fotocopiadoras, laboratoristas, retocadoras, e nas décadas de 1920 e 1930 os nomes dos ateliês eram sempre dos maridos. Mesmo quando algum deles falecia, o nome permanecia como ateliê da Viúva Pastore, por exemplo. Além disso, foi importante mostrar como a partir dos anos 40 e 50 algumas fotógrafas vão ocupando outro lugar social que é o da rua, o espaço público, a cidade à noite, como acontece com Hildegard Rosenthal.
Quais as principais contribuições de tantos nomes europeus (como Alice Brill, Hildegard Rosenthal, Gertrudes Altschul, Maureen Bisilliat, entre outras) para a história da fotografia brasileira a partir da metade do século passado?
YD: A questão da vinda dessas fotógrafas imigrantes da Europa é muito instigante. Nesta época, os fotógrafos/as já tinham a possibilidade de carregar uma câmera leve, e além disso não era necessário dominar a língua do país para trabalhar. Alice Brill, Hildegard Rosenthal, Gertrudes Altschul e Claudia Andujar emigraram em virtude da Segunda Guerra Mundial e a perseguição aos judeus. Há mais nomes de fotógrafas imigrantes que aportaram em São Paulo, mas que são pouquíssimo conhecidas.
Alice Brill e Hildegard Rosenthal, provindas da Alemanha, foram fotógrafas pioneiras em São Paulo e passaram a explorar o espaço urbano, fotografar a rua e os habitantes da cidade. Gertrudes Altschul, também originária da Alemanha, vem sendo descoberta mais recentemente e deixou uma obra fotográfica significativa também com influência moderna. Claudia Andujar, originária da Hungria, é um ícone da fotografia brasileira, sendo marcante a sua atuação e celeiro imagético, principalmente junto aos yanomami e o registro de população migrante do nordeste, gays e o modo de vida no interior do Brasil, na década de 60, que o Instituto Moreira Salles trouxe à tona em exposições realizadas desta fotógrafa.
Essas mulheres artistas trouxeram novos ares à fotografia brasileira e são exemplos de liberdade em relação aos seus modos de vida na época. Elas circularam livremente pelo país, no seu interior, como é o caso de Maureen Bisilliat, Claudia Andujar e Alice Brill, numa época que havia uma série de dificuldades para estes deslocamentos. Vemos que estas fotógrafas revelaram faces ainda pouco conhecidas de seus habitantes, de sertanejos, indígenas, ribeirinhos e moradores urbanos. Fizeram também autorretratos, como é o caso de Hildegard Rosenthal, em sua faceta mais ficcional, além da experimentação com técnicas inovadoras com filmes infravermelho, como Claudia Andujar.
A diversidade de estilos e abordagens estéticas das fotógrafas apresentadas no livro é grande, do fotojornalismo mais tradicional a experiências mais vanguardistas com a linguagem fotográfica. Mesmo assim, você acredita que é possível encontrar alguma característica que seja comum a essas mulheres e suas obras?
YD: Busquei introduzir no livro várias linguagens fotográficas e mesmo diferentes áreas da fotografia, como o fotojornalismo, a fotografia documental, a fotografia publicitária, a fotografia de arquitetura, a fotografia de teatro e a fotografia híbrida, contaminada, expandida. Acho que um aspecto comum nestas mulheres é a trajetória única, singular, a busca de sua própria expressão e a criação de um percurso artístico individual, além dos percalços enfrentados no universo artístico da fotografia, que é ocupado principalmente por fotógrafos do gênero masculino, algo que acontece principalmente nas redações de jornais e revistas e na cobertura do futebol, ainda hoje, mas também em galerias de arte. Consegui captar as particularidades de suas histórias e trabalho por meio de suas imagens e da oralidade que traz à tona de modo fecundo sua vozes e subjetividades.
No decorrer da pesquisa, surgiu algum nome menos conhecido ou mesmo “esquecido” pela história da fotografia? Alguma obra que mereça ser mais estudada?
YD: Durante a pesquisa surgiram muitos nomes de fotógrafas esquecidas ou apagadas, como Alice Kanji, Dulce Carneiro, Avani Stein, Bia Parreiras, Lita Cerqueira, Cynthia Brito, Claudia Ferreira, Jacqueline Joner, Eneida Serrano, Vilma Slomp, entre outras. Algumas são de São Paulo, outras do Rio, há também aquelas da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Paraná e do Pará. No livro, lanço luz sobre os celeiros visuais destas mulheres, para que sejam conhecidas, valorizadas e incluídas no sistema artístico fotográfico. Um aspecto crucial em relação à uma mudança de paradigma na questão de imagem e gênero é que haja uma política cultural inclusiva nos acervos documentais, referentes à sua produção e presença. Somente com esta ação a produção das fotógrafas brasileiras será estudada e analisada. E assim incluída na história da fotografia e da arte.
O que há de novo sendo feito por mulheres artistas na fotografia brasileira?
YD: Nesta última década vejo o surgimento de coletivos formados por fotógrafas brasileiras, como o Movimento Fotógrafas Brasileiras e o Negras(fotos)grafias, do Rio de Janeiro; o Mamana e o Coletivo Fotógrafas Guarulhenses, além do site Mulheres Luz, coordenado pela produtora cultural Monica Maia, de São Paulo; o Nítida, do Rio Grande do Sul; e o YVY Mulheres, além do 7Fotografia, de Recife. Estes coletivos são integrados por jovens fotógrafas que buscam firmar os seus caminhos de expressão, mas também lutar pelos espaços de trabalho, sua valorização e equidade de participação no concorrido mercado da fotografia no país. ///
Yara Schreiber Dines é antropóloga, historiadora e pós-doutora em Fotografia pela ECA-USP. Professora da Pós Graduação em Cinema, Fotografia e Vídeo da Universidade Anhembi-Morumbi e pesquisadora associada do Grupo de Arte & Fotografia ECA-USP e do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia – LISA/USP e da Rede de Arquivo de MUlheres – RAM. É também autora dos livros Hildegard Rosenthal e Alice Brill, fotógrafa de além-mar – cosmopolitismo e modernidade nos olhares sobre São Paulo (Editora Intermeios, 2020) e de Cidadelas da Cultura no Lazer – uma reflexão em antropologia da imagem sobre o Sesc São Paulo (Editora do Sesc, 2013). Além de ter realizado curadoria de várias exposições.
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