Entrevistas

A inegociável ironia de Caio Rosa

Caio Rosa & Daniele Queiroz Publicado em: 13 de junho de 2024

Sem título, por Caio Rosa, 2022

A primeira vez que tive contato com o trabalho de Caio Rosa foi por ocasião da exposição The New Black Vanguard: photography between art and fashion, apresentada no Festival de fotografia de Arles em 2021. Me interessou que houvesse um brasileiro na versão apresentada pelo festival e guardei o nome do artista, autor de Visões de Luvemba, um ensaio vibrante e performático sobre a cultura dos Bate-bolas, no Rio de Janeiro.

No ano seguinte, tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, durante a abertura de uma exposição de Eustáquio Neves, também no Rio de Janeiro. O trabalho de Eustáquio, uma referência para ambos, foi o fio condutor de nossa conversa e pude perceber que, para além das vanguardas, Rosa também tem um pé fincado nas tradições dos que pavimentaram o caminho antes de nós. Fomos trocando breves conversas ao longo dos meses seguintes e, ao ver o lançamento da obra For Sale Series, na edição de 2023 do Paris Photo, fiquei curiosa com sua disposição na parede, um políptico com uma porção de autorretratos onde ele, ironicamente, se coloca à venda, em um aceno explícito à história dos homens negros escravizados no Brasil e em outras diásporas africanas.

O trabalho deu então o impulso para que essa entrevista acontecesse ao longo de algumas semanas, onde Caio compartilhou seu modo de pensar imagem e palavra, suas reflexões sobre a história colonial brasileira, a cultura carioca e a performance em relação com a fotografia. Um artista jovem que também se enreda na música e trabalha como editor do acervo de seu pai, o etnomusicólogo Spirito Santo.

Sem título, por Caio Rosa, 2022

Oi Caio, vamos lá! Podemos começar com você contando um pouco da sua trajetória. De onde você vem e como acontece o encontro com as artes e, mais especificamente, com a imagem?

Caio Rosa: Nasci e cresci na Praça Seca, zona oeste do Rio de Janeiro na década de 1990, bairro bem distante dos cartões postais da cidade. Crescer na zona oeste me proporcionou uma compreensão abrangente da cidade, com todas as suas potencialidades e controvérsias.

Sou fruto de duas famílias migrantes pretas e indígenas, parte de Mogi das Cruzes (SP), e parte de Diamantina (MG). Minha mãe, Rita Rosa, é arte educadora e assistente social, dedicou-se ao acolhimento e à educação de jovens em situação de risco, trabalhando na equipe de Darcy Ribeiro durante a implementação dos Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) e em diversos abrigos para jovens da cidade. Meu pai, Spirito Santo, é músico e etnomusicólogo autodidata, com mais de 50 anos de pesquisa sobre a influência da música e da cultura africana no Brasil. Em 2023, ele recebeu o título de Doutor por Notório Saber em Etnomusicologia pela UFRJ, sendo o primeiro na história da universidade a ser aprovado neste processo desde a sua criação. Em casa, sempre tive acessos importantes, mesmo com as dificuldades de uma família de educadores da rede pública.

Durante toda a minha infância e juventude estive muito envolvido com a rotina de aulas, shows e oficinas de música, tudo sempre conduzido como uma forma de acessar as memórias da família, influência muito forte até hoje.

Um dos seus primeiros trabalhos foi a série Visões de Luvemba (2022), onde você registra e fabula a tradição dos Bate-bolas, grupos culturais carnavalescos que saem fantasiados pelas ruas dos bairros do Rio de Janeiro batendo bolas de borracha no chão. Como se dá a criação dessa série e qual a relação dela com o termo Luvemba? 

CR: A série nasceu basicamente de um sonho que tive. Decidi reproduzir essas imagens onde as máscaras de Bate-bola aparecem em várias situações e espaços de uma forma que ainda tento entender até hoje. Contextualizando, os Bate-bolas ou Clóvis nascem no carnaval de rua no subúrbio da cidade, entre as zonas oeste e norte, em uma dinâmica muito diferente do carnaval de rua no Rio como conhecemos hoje, com centenas de blocos, espalhados exclusivamente pela zona sul e centro. Esse crescimento e gentrificação do carnaval na cidade acabou sendo um reflexo de uma década e meia de políticas de sucateamento dos blocos tradicionais dos bairros suburbanos e os chamados carnavais de coreto. Na Praça Seca, onde nasci e cresci, era um dos maiores da cidade. Tenho boas lembranças das minhas saídas com amigos pelo bairro e partindo para outros pontos como Marechal Hermes, Vila Valqueire, Realengo, Madureira entre outros.

Os Bate-bolas nascem há quase um século, com uma dinâmica muito complexa e particular, com um crescimento muito grande nas décadas de 80 e 90 junto com o desenvolvimento das Turmas, virando atores quase centrais nas ruas. No mesmo momento que o carnaval suburbano foi sendo sucateado, as Turmas sofreram muitas perseguições, tanto da polícia, do poder público quanto da grande mídia, muitas vezes proibidas de participarem da festa.

Nesse contexto, mesmo com diversas forças contrárias, as Turmas conseguiram se organizar entre si, mantendo a liberdade estética e se desenvolvendo. Fui muito atraído por essa anarquia, uma mistura de fascínio e medo, principalmente pela performance muitas vezes bem agressiva, dados os nossos códigos.

Sempre tive curiosidade em saber mais sobre as origens das máscaras e das fantasias, porém as escassas pesquisas às vezes me levavam a um lugar estranho, trazendo a uma suposta influência alemã, teoria que não me convence muito.

As máscaras são muito comuns em diversas culturas no mundo, mas pensando no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, e dadas as características performáticas da cultura, acredito muito que tenham suas raízes nas culturas africanas que vieram para cá. Não tenho elementos suficientes para provar essa tese, e no fundo nem é meu objetivo com esse trabalho.

Tentei organizar a construção das imagens de uma forma que fugisse da fotografia documental, de uma forma bem livre, como se deu no meu sonho. Construí e organizei a narrativa a partir do cosmograma Bakongo ou Dikenga dia Kongo, somando a relação que tenho há alguns anos com diversas Turmas. O cosmograma Bakongo pode ser lido como representação e base da cosmogonia dos povos Bantu, hoje presentes em Angola e Congo. Tive contato inicialmente a partir de trocas com o meu pai, além de ter lido alguns textos do filósofo Bunseki Fu-Kiau, principal responsável por traduzir e refletir sobre o tema.

O cosmograma é basicamente uma organização das fases da vida, separado em quatro partes, representando o nascimento, a fase adulta, a morte e a germinação. Essas fases ditam todas as relações humanas, os ciclos da natureza e a ancestralidade para esses povos. Escolhi a “hora” Luvemba, pois ela representa o momento da morte e/ou da passagem do mundo tangível para o intangível.

Nesse trabalho eu crio aproximações muito únicas entre a cultura Bate-bola e a cosmogonia Bakongo, trago uma série de proposições estéticas e sonoras que criam essa ponte intangível e contemporânea, um “sonho” onde essas duas matrizes, que estão vivas e em desenvolvimento, se reencontram. A visão demonstra que tudo é possível.

Na obra Sempre-Viva (2022), a autorrepresentação já aparece como mote do trabalho, o que vai se intensificar mais tarde na série For Sale (2023). Como se dá o trânsito entre a representação de si mesmo e do outro na costura da sua narrativa artística?

CR: Os dois trabalhos têm um diálogo muito forte com o passado. A série Sempre-Viva é uma busca pelas memórias do meu avô, José Cyrillo, nascido em Diamantina e soldado durante a Segunda Guerra Mundial. É uma tentativa de me aproximar um pouco mais, já que não tive a oportunidade de conhecê-lo. Eu entendo que a fotografia é uma ferramenta de acesso, gosto de conversar e me contrapor à violenta história da prática, além de pensar o meu corpo coletivo, criando novas imagens e mergulhando no acervo de imagens e documentos familiares indo contra o apagamento da história do meu povo. 

Eu não vejo a ação de fotografar como uma mediação neutra, eu faço parte desse todo, sou parte do que registro em imagem, sem afastamentos. É um exercício que faço desde que decidi adotar a fotografia como linguagem. As autorrepresentações partem daí.

Sobre a série For Sale. Como surge o impulso para essa série e quais são suas referências para criá-la?

CR: O projeto embrionário surgiu no meu segundo ano cursando História na Puc-Rio, mais ou menos em 2014. Na época criei junto com meu mano Rodrigo Rosm, que cursava Design, um estúdio de arte chamado Of Color. A intenção de produzir evoluiu muito com a troca que tive nessa época.

Um dos primeiros projetos que produzimos foi o ensaio de promoção do estúdio que chamamos de Campanha For Sale que inicialmente trazia retratos com nossas características físicas e profissionais em Lambe Lambe, que espalhamos em vários pontos da cidade. Foi um choque para muita gente e conseguimos girar bem esse marketing do estúdio. Na época eu já tinha iniciado o caminho na fotografia, tinha feito alguns cursos dentro e fora da universidade, trabalhando como assistente para alguns fotógrafos. Mas ainda muito imaturo na minha produção pessoal. Naqueles primeiros anos eram muito turvos os caminhos e com poucas referências que apareciam, principalmente artistas e fotógrafos com uma trajetória próxima à minha.

Já nessa época eu vinha me dedicando muito a pesquisar como a fotografia ao longo da história foi uma prática muito controversa e violenta. Foi um exercício inicialmente intuitivo, sem entender muito bem de onde vinha o desconforto, principalmente com os grandes nomes da fotografia brasileira, curiosamente muitos deles franceses radicados aqui. Esse olhar gringo para o corpo não branco sempre me deixou incomodado, mesmo parecendo ter boas intenções.

Especialmente em 2023, um ano de uma certa consolidação da minha produção e pesquisa, comecei a  pensar muito sobre como me relaciono com a prática e como eu construo um caminho na contramão de como se produziu imagem.

O primeiro ponto é que eu me vejo como mediador com um olhar que não parte da neutralidade, aquela lente que procura ser invisível ou que só está ali para ver o “outro”. Em minhas fotografias eu faço parte, eu sou quem eu fotografo e quando me coloco nesse papel de ser o “outro” ironizo esses códigos seculares e exponho a violência. Trabalhei nessa série a partir de muitas referências estéticas como fotografias de escravizados e a época trágica da influência do eugenismo nas etnografias sobre povos originários.

A chave teórica e uma das principais motivações em ter resgatado a ideia embrionária da campanha do estúdio foi ter lido os textos da pesquisadora/curadora Ariella Azoulay. Sua revisão sobre a história da fotografia, os exemplos de como a prática foi violenta e como no decorrer dos últimos séculos ela foi uma das ferramentas mais importantes para o colonialismo, me fez navegar em águas mais “ácidas” comparado a outros trabalhos que produzi.

Vejo essa produção como uma forma de virar a mesa da opressão que vai contra a minha existência, com ela consigo debater temas que me cercam atualmente, com muita ironia e controvérsia. Tento jogar nessa série uma forma de comunicação mais direta, com um interlocutor muito claro.

Como se misturam ficção e autobiografia na série?

CR: Na série busquei relacionar experiências que tive nesses últimos anos e questões que de certa forma estão no inconsciente coletivo, tanto no Brasil quanto fora. Com isso, foi uma possibilidade de conversar com um público maior, além de entender que esses códigos são comuns em muitos países com a mesma trajetória colonial do Brasil.

A minha experiência como pessoa, jovem artista e homem negro é comum a muitos outros. As frases que trouxe nessa primeira fase do projeto falam muito sobre diversos assédios que sofri, caixinhas que tentam colocar meu trabalho dentro da nossa indústria. Isso tudo se relaciona com como a minha imagem e a dos meus pares circularam e circulam até hoje nesse inconsciente coletivo.

For Sale é uma série onde você, ironicamente, se coloca “à venda”. Estamos em um momento onde os artistas negros muitas vezes evitam esse lugar, preferindo narrativas em que seus corpos e histórias são inegociáveis. Como você lida com essa tomada de decisão em seu trabalho e com as contradições que ele possa oferecer? 

CR: A origem histórica dessa fotografia, em que sou um exemplo de oposição, colocou corpos como mercadoria,  hipersexualizou e os desumanizou, perseguiu e dizimou. Esses pontos se fazem presentes até hoje, mas a principal característica que trago neste trabalho é me opor a esse lugar que meu corpo e cultura foi colocado. A ironia é um elemento que utilizamos pouco para questionar a branquitude. Acredito que as imagens refletem a minha liberdade como artista, trazendo uma proposta que vai além da beleza, utilizando esses códigos e revertendo-os. A For Sale Series tem um interlocutor bem claro.

For Sale parece ser pensada já considerando o espaço expositivo, se contrapondo a trabalhos que olham a fotografia sem um formato específico, muitas vezes de maneira virtual, desmaterializada. Como você concebeu esse pensamento e quais as dificuldades que encontra em relação a esse tipo de escolha?

CR: O trabalho ainda está no início, a primeira experiência expositiva foi na última edição da Paris Photo. As fotografias são pensadas em múltiplos e foram feitas em filme analógico e ampliação manual utilizando um processo experimental de intervenção que criei. Pensei em uma narrativa que construa um diálogo entre as expressões corporais, as frases e as características físicas. Com isso as fotografias fazem mais sentido estando em conjunto, e isso acaba facilitando muito as possibilidades futuras. Tenho o sonho de expor esse trabalho em grandes proporções, mas dentro dessa proposta que parte do laboratório existe um certo limite. Mas estou aberto a testar novas possibilidades.

Sem título, por Caio Rosa, 2022

Qual a relação entre imagem e palavra em seu trabalho? Como você pensa as intervenções nas fotografias presentes em For Sale e outros trabalhos recentes?

CR: Nos últimos anos desenvolvi alguns experimentos no processo de ampliação dos negativos. A minha mudança para São Paulo ajudou muito e logo nas primeiras semanas conheci o laboratório do mestre Gibo, pessoa muito importante para a evolução do trabalho, além de ser um grande amigo de boas conversas. O acesso ao quarto escuro e aos ampliadores me fizeram pensar em possibilidades de intervenção na fotografia, mas de uma forma que não caísse na pintura ou desenho. Criei uma forma particular de introduzir frases, desenhos e texturas, onde crio uma “proteção” da luz do ampliador. Com isso as informações que quero ficam gravadas na imagem. 

Muito dessa busca de introduzir outras camadas na foto surgiu após conhecer o trabalho do mestre Eustáquio Neves. Para mim, ele chegou onde nunca ninguém conseguiu na história da fotografia. Ele é uma das minhas maiores referências. Eu particularmente penso muito em todas as fases da fotografia, na idealização, no contato, o clique, tudo o que vem nesse processo e como isso se apresenta pro mundo.

As frases e informações na For Sale Series são importantes para construir um contraponto às expressões corporais. Elas criam justamente as controvérsias e ironias que dão o tom às imagens.

Você tem uma relação próxima com o acervo do seu pai, o músico e pesquisador Spirito Santo, que registrou manifestações culturais como a congada e os vissungos em Minas Gerais. Como se dá a relação com esse acervo, seu papel de editor e de artista, à medida em que você também está criando novas imagens desses rituais?

CR: Acredito que o meu caminho como artista seria quase inevitável, principalmente por conta dessa influência familiar na música, artes visuais ou educação. Durante as décadas de 1970, 80 e 90 meu pai construiu uma pesquisa muito densa sobre as culturas africanas no Brasil e Minas Gerais foi a sua principal paixão, até por nossas raízes familiares. Após muitas visitas e uma relação familiar com congadeiros, principalmente nas cidades de Machado e Oliveira, foi produzida um imensa gama de fotografias, entrevistas em áudio e registros dessas comunidades, até hoje culturalmente marginalizadas.

Esse material ficou mais de 40 anos guardado, por motivos financeiros e talvez por um desinteresse sobre o valor cultural e acadêmico desses registros por parte das instituições. Com o passar dos anos, a pesquisa e a contribuição do meu pai foi sendo visitada e valorizada, mas o acervo ainda se mantinha obscuro. Acredito muito que meu interesse e entendimento no valor desses registros motivou meu pai a começarmos o processo de digitalização, mas ainda nem chegamos perto de digitalizá-lo por completo. Ano passado fizemos a primeira exposição no Itaú Cultural, que fez parte de um dos núcleos da exposição Ensaio para o Museu das Origens, com curadoria de Izabela Pucu e Paulo Myiada, onde algumas fotografias aparecem, juntamente com os instrumentos africanos que meu pai produz e é especialista em sua construção e organologia.

O trabalho de resgate e organização, a contextualização e curadoria do acervo acabam sendo um caminho também inevitável. Esse contato com as fotografias me fez entender muito como Minas Gerais faz parte da minha construção como pessoa. Meu avô paterno é de Diamantina, infelizmente faleceu muito novo e não tive a chance de conhecê-lo. O retorno foi a fagulha que iniciou as pesquisas do meu pai, e anos mais tarde pavimentou o caminho que faço hoje.

É muito curioso o poder da fotografia como ferramenta de acesso a memórias, acredito muito que essas pessoas estão vivas, contando as histórias do meu povo, tanto pela oralidade, música como pelos registros fotográficos.

Em janeiro de 2022 meu pai e eu, a partir de um destino talvez inusitado, nos encontramos com os descendentes do Terno do Penacho, registrados em situação de escravidão tardia em 1889 pelo fotógrafo José Severino Soares, comissionado pelo Governo de Uberaba e presente atualmente no Arquivo Público Mineiro.

Recebemos uma mensagem de um dos descendentes da foto histórica de 1889, que viu em uma colagem que forma a capa do livro escrito por meu pai, intitulado Do Samba ao Funk do Jorjão lançado em 2011. O descendente direto da família congadeira presente na foto era Bruno Rafael, capitão-general de um dos ternos, também pesquisador, que os reconheceu nesse difuso registro que faz parte da capa do livro. A partir desse primeiro contato, talvez um ou dois anos depois, conseguimos organizar a visita a Uberaba, cidade localizada no triângulo mineiro.

O encontro e a produção feita na ocasião me fazem até hoje pensar muito como elas se contrapõem à dinâmica de expropriação de muitos dos fotógrafos brancos e europeus comissionados pelo estado escravocrata durante o último século de escravidão no Brasil. Em algumas situações, a expropriação perdura até hoje.

A imagem de 1889 é um dos mais importantes registros das congadas mineiras. Ali, os fotografados se encontravam em escravidão tardia já que, pela lei, todos os negros e negras se tornaram libertos em 1888.

Com a mediação do capitão-general Bruno Rafael do Terno Carijó – Esquadrão Vermelho de Santana, conhecemos e aprendemos muito sobre a história da família de congadeiros e as nuances e controvérsias por trás do registro histórico.

A despedida, depois de uma semana, foi coroada com uma festa e reencontro dos grupos congadeiros descendentes da fotografia, que se formaram a partir da sua matriz (Terno do Penacho), onde tivemos a grande honra de reproduzir a histórica fotografia após 133 anos.

Para mim é muito simbólico estar nesse lugar que, em todos os sentidos, faz oposição à realidade e à relação vivida entre o fotógrafo e os fotografados em um passado ainda muito recente. Toda a negociação e criação da imagem se dá em liberdade plena, sem a prisão em que os meus antepassados se encontram até hoje na imagem de José Severino: longe dos seus familiares, em alguma gaveta ou prateleira no Arquivo Mineiro de um Estado que os aprisionou em vida.

Sua prática artística passa também pela música. Como a pesquisa musical influencia a visualidade do seu trabalho?

CR: A música é talvez a linguagem mais importante para as culturas africanas que vieram para o Brasil, responsável por celebrar todas as fases da vida, do nascimento até o momento de passagem, além de ser uma das formas de compartilhar a memória desses povos. Muito além de ser somente uma forma de entretenimento, ela é central em toda cosmovisão em que eu sou criado.  Consecutivamente, por minha família ter uma relação direta, ela vai influenciar direta ou indiretamente, se fazendo presente em todos os trabalhos e na minha vida em geral. ///

Caio Rosa (1992, Rio de Janeiro) é artista visual, fotógrafo e pesquisador. Agencia a fotografia, a música, a escultura, o vídeo e a instalação como meios de reflexão acerca da imagem e representação do corpo e cultura negra. É idealizador e apresentador do programa Rio Doce, Rádio NTS (Londres) e participou do Festival Rencontre D’Arles (2021), na França, com a exposição coletiva The New Black Vanguard em parceria com a Aperture Foundation.

Daniele Queiroz é curadora, pesquisadora e educadora. Atua na curadoria da Fotografia Contemporânea, no Instituto Moreira Salles e é fundadora da plataforma de ensino e pesquisa A história é outra.  É co-curadora das exposições Entre nós: dez anos de Bolsa ZUM/IMS, parceria entre o IMS e o Pivô, em SP; Constelações latinas: encontros em fotolivros (2022) e Realidade e corrosão: fotolivros japoneses contemporâneos (2022), também no IMS.

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