Por Trás da Foto

Por trás da foto: o imaginário amazônico no olhar da fotógrafa Elza Lima

Elza Lima Publicado em: 16 de agosto de 2017

A cidade de Vigia, no interior do Pará, foi meu território de inserção com a família: primos, tios, avós, todos se reuniam na casa com a janela aberta para o rio. A paisagem vasculhada por um olhar investigativo, ora no ângulo do aprendiz de piloto de bicicleta, ora no ângulo do nadador se equilibrando na sua boia feita de miriti (Mauritia flexuosa) – palmeira esbelta que produz uma madeira leve e flutuante, característica das áreas inundadas da Região Amazônica –, confeccionada pelas mãos do meu avô, instrutor das minhas primeiras braçadas no Rio Guajará Mirim.

Antigo nadador, meu professor ensinava todos os netos. E a aula transformava-se em uma grande e prazerosa experiência sensorial, da cor, do gosto e dos sinais que o rio emite quando quer nos alertar para algo, tudo isso explicado com uma poética didática. O dia corria solto, com todas as nuances que o céu da Amazônia nos proporciona (veja a escrita de Mário de Andrade no livro “Turista Aprendiz”, uma das mais belas descrições de um entardecer no norte do país). A noite nos encontrava em um jantar ao redor da mesa, comungando as novidades do dia.

Mas o melhor estava por vir: Vidêncio, caboclo vigiense, dono de uma venda do delicioso mingau de banana, que adoçava nosso paladar na merenda da tarde. Depois de fechar seu quiosque, ele se acocorava, com todos ao seu redor, para contar aos ouvintes hipnotizados os causos e as lendas deste lado do Brasil. Ouvíamos atentos aos detalhes dos pés virados para trás do Curupira e ao pedido de fumo da Matinta Perera. E assim o sono nos encontrava, pedindo um pedaço da cama da mãe, com medo de que um dos personagens aparecesse para compartilhar nossos sonhos. Essa vivência me levou a olhar para esse espaço de forma muito viva nas minhas lembranças.

Fiz essa foto num Círio de Nazaré de Vigia, o mais antigo do Pará, no ano de 1989. Os planos que utilizo nela dão a dimensão da minha ótica de menina. A casa no quarto plano tem a medida de uma casa de boneca, enquanto o primeiro plano agiganta o menino, que comanda a cena. No segundo plano, a cabeça do boi contrapõe-se à do menino. No terceiro plano, a mulher dando a escala para a medida da casa no fundo, espelha bem a impossibilidade de morar naquela minúscula vivenda. Esse jogo de planos me vem das horas em que apreciava sentada na cadeira da sala a mudança das cenas, tendo como fundo o rio, emoldurado pela janela visor.///

 

 

Elza Lima é fotógrafa desde 1984. Já expôs nos Estados Unidos (Nova York), Espanha e França, Suíça, Alemanha, Portugal. Suas obras podem ser encontradas em coleções de Museus como o MASP e MAM do Rio de Janeiro. Atualmente desenvolve trabalho de documentação das manifestações culturais na região conhecida como Baixo Amazonas, no Pará.

 

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