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Conheça os bastidores da exposição Corpo a corpo, umas das atrações do novo IMS Paulista

Publicado em: 14 de setembro de 2017

Uma das atrações programadas para a inauguração do novo IMS Paulista no próximo dia 20 de setembro, a exposição Corpo a corpo exibe um recorte da produção brasileira contemporânea em fotografia, cinema e vídeo por meio de sete trabalhos desenvolvidos por Bárbara Wagner, Garapa, Jonathas de Andrade, Letícia Ramos, Mídia Ninja e Sofia Borges, com curadoria de Thyago Nogueira, editor da revista ZUM e coordenador de fotografia contemporânea do IMS, e assistência de Valentina Tong. Depois de São Paulo, a mostra segue para o IMS do Rio de Janeiro.

Os artistas participantes foram convidados a pensar sobre o retrato, individual ou coletivo, e sobre como as imagens podem nos ajudar a enxergar os conflitos sociais que emergiram no Brasil nos últimos anos. Em paralelo, o IMS Paulista promove uma série de oficinas com Letícia Ramos, coletivo Garapa e Mídia Ninja.

Leia abaixo entrevista com Thyago Nogueira sobre os conceitos que nortearam a exposição e os desafios para a produção e montagem de Corpo a corpo.

Como surgiu a ideia da exposição e como foi a conversa com os artistas convidados, que criaram trabalhos novos para a mostra?

Thyago Nogueira: Para o pontapé da nova sede do IMS em São Paulo, organizamos uma exposição que apresenta um pouco da nova produção brasileira em fotografia, cinema e vídeo, com artistas jovens e trabalhos novos, desenvolvidos em conversas com a curadoria. A ideia era aproveitar a oportunidade da exposição para estimular a produção contemporânea e pensar em como as imagens podem nos ajudar a enxergar melhor os conflitos sociais que brotaram no país nos últimos anos. Escolhemos artistas e coletivos interessados em temas políticos, de origens e formações diversas: alguns mais ligados ao campo da arte, como o Jonathas de Andrade e a Sofia Borges, outros oriundos do jornalismo, como a Mídia Ninja ou Bárbara Wagner. Todos eles inventaram novas formas visuais para representar questões sociais. E inventar formas é uma ação política.

A exposição reúne vídeos, fotos, transmissões ao vivo. A proposta também foi questionar fronteiras?

TN: Sem dúvida. Ou pelo menos evitar a segmentação. Teremos inclusive transmissões feitas realmente ao vivo durante a exposição. Toda vez que os jovens da Mídia Ninja cobrirem uma pauta importante no país, eles podem entrar ao vivo nos monitores da sala. Não foi fácil nem barato desenvolver essa tecnologia, mas era importante infiltrar o calor da ruas no museu, em tempo real, pra combater a ideia de que o museu é o arquivo-morto da arte.

Também estávamos interessados em refletir sobre como a onipresença das câmeras e dos celulares influencia a maneira como experimentamos a realidade. Quem vai a uma manifestação de rua quer engrossar a voz do grupo mas também já tem a consciência de que está ajudando a construir uma imagem. As pessoas já sabem como se posicionar para as câmeras, sejam elas reais ou imaginárias.

A exposição foi criada com o edifício do IMS Paulista em construção. Como foi lidar com um espaço expositivo ainda em projeto?

TN: Um desafio constante, ainda maior porque propusemos aos artistas que pensassem em novas formas de instalação das obras, de maneira a envolver o corpo do espectador, que às vezes precisa atravessar ou transpor um trabalho — como quando cruza a instalação suspensa da Sofia Borges ou desvia das tevês da Mídia Ninja. Também resolvemos pensar em novas maneiras de ocupar as paredes expositivas. A obra de Jonathas de Andrade, por exemplo, cobre a parede do teto ao chão, lembrando a página de um livro. Para desenvolver tudo isso sem um espaço concreto, foram muitos testes e maquetes, durante meses. Um trabalho de equipe, desempenhado em conjunto por artistas, curadoria e produção.

Diante da diversidade de abordagens dos artistas escolhidos, quais foram os principais desafios para montar a exposição?

TN: O principal desafio foi entender como construir uma exposição com obras que sequer existiam, que foram desenvolvidas ao longo dos meses. São setes projetos diferentes nascendo ao mesmo tempo, cada um mergulhado num universo complexo e profundo. Aprendi muito, para tentar oferecer aos artistas as melhores condições para que pudessem criar seus trabalhos.

 

Conheça os trabalhos de cada um dos artistas da exposição e veja imagens do processo de produção e montagem de Corpo a corpo.

 

À procura do 5o. elemento, de Bárbara Wagner

Bárbara Wagner (1980) explora as relações entre a cultura musical popular e as formas de produção e circulação de imagens. Com esse interesse, aproximou-se das produtoras de funk de São Paulo e dos brega-funk do Recife. O funk usa os corpos e a ostentação como elementos centrais do discurso, invocados nas letras, nos bailes e nos videoclipes.

No último ano, a artista acompanhou o concurso À procura do 5o. elemento, uma seleção de MCs organizada pela produtora KL, de São Paulo. Registrou mais de 300 jovens, de todos os cantos do país. Suas fotos formam uma galeria da fama, com quatro fundos que marcam as fases do concurso. Alguns jovens encaram a câmera confiantes; outros parecem sonhar com o resultado.

Já no filme Terremoto santo, os artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca estabeleceram parceria com uma gravadora de música gospel da cidade de Palmares, em Pernambuco, interessados em tratar dos aspectos sociais e estéticos da prática pentecostal. A liturgia dos cultos é especialmente musical nessa região da Zona da Mata, marcada pela história da cana-de-açucar e habitada por jovens que buscam nos cantos de louvor uma forma de trabalho.

 

Eu, mestiço, de Jonathas de Andrade

Eu, mestiço, de Jonathas de Andrade (1982), revisita uma pesquisa feita nos anos 1950 pela Unesco que pretendia estudar o “conceito científico” de raça para combater preconceitos e afastar a sombra do nazismo. “Raça e classe social no Brasil rural” (1952) conferia papel especial à fotografia. Nos vilarejos visitados, antropólogos apresentavam retratos de pessoas consideradas brancas, mulatas, negras e caboclas para que os habitantes elencassem quem parecia mais belo, rico, inteligente e honesto, entre outros atributos.

Surpreso com o estudo, Jonathas devolveu imagens às perguntas. Com um estúdio portátil em São Paulo, Maranhão e Bahia, fotografou personagens em poses espontâneas e dirigidas. Os retratos foram impressos em papelão usado para promover celebridades e produtos, e dispostos pela parede como páginas de um livro. O artista também extraiu palavras da pesquisa.

 

A máscara, o gesto, o papel, de Sofia Borges

Sofia Borges (1984) foi a Brasília para fotografar o Congresso Nacional. Em A máscara, o gesto e o papel, a artista exibe, de um lado, fotografias de bocas reproduzidas das pinturas à óleo de Urbano Villela que homenageiam os ex-presidentes do Senado; de outro, gestos capturados durantes as sessões legislativas.

A ampliação das bocas exagera a qualidade pictórica, expondo a trama da tela, o brilho e as tintas. Fora de contexto, as bocas ganham expressões nem sempre presentes nos quadros originais. Sem erotismo, lembram apenas a retórica inflamada da política, recheada com programas de governo e promessas impossíveis.

O zoom nos gestos também amplia os sentidos. Apertos de mãos, tapas nas costas, trocas de bilhetes e abraços camaradas formam um vocabulário metonímico, legível no Brasil e em qualquer lugar do mundo. São ações honestas ou corruptas, jogo sujo ou limpo? A artista apenas representa as aflições políticas.

 

A resistência do corpo, de Letícia Ramos

Letícia Ramos (1976), interessa-se pela história das formas de representar o mundo. Seus trabalhos costumam envolver o desenvolvimento de câmeras e técnicas, se suas fotografias são a expressão plástica dessa busca, como mapas de um percurso.

Em “A resistência do corpo”, remonta aos desdobramentos da Revolução Industrial, quando a fotografia foi usada pelo casal Frank e Lillian Gilbreth para estudar os movimentos dos operários a fim de ampliar a capacidade produtiva. Letícia testa o desempenho dos corpos em atividades associadas às manifestações de rua, como o arremesso de objetos, o impacto de jatos d’água ou a troca de mensagens em redes sociais.

 

 

#Aovivo, da Mídia Ninja

Em 2013, a Mídia Ninja usou as redes sociais para cobrir do chão e de dentro as manifestações contra o aumento das tarifas de transporte público. O impacto das transmissões ao vivo foi tremendo, em meio a uma produção que também incluía fotos, textos e vídeos.

#Aovivo, da Mídia Ninja, reúne pela primeira vez um arquivo das transmissões realizadas entre 2013 e 2017. Também permite que o coletivo transmita ao vivo as pautas que cobrirem nos país enquanto a mostra estiver em cartaz, infiltrando o calor das ruas nos monitores da sala expositiva.

Cenas pixelizadas, borradas ou travadas fazem parte de um novo vocabulário visual. O improviso inventa imagens e aumenta a sensação de autenticidade. A sincronia entre câmera e repórter cria a impressão de que vemos com os olhos de quem filma. Os dedos entram em quadro; o microfone é colado ao rosto nas entrevistas; a locução muitas vezes conduz o fio narrativo.

 

Postais para Charles Lynch, do coletivo Garapa

A exposição mostra o livro “Postais para Charles Lynch”, do coletivo Garapa, premiado com a Bolsa de Fotografia ZUM/IMS. Estarrecidos com dois notórios casos de linchamento em 2014, os três integrantes do coletivo decidiram enfrentar o problema da violência nas imagens por meio da construção de um livro-manifesto. O livro reúne fotogramas manipulados, um roteiro fictício – que ganhará leituras dramáticas durante a exposição – e uma fita com vídeos de linchamentos extraídos do YouTube, formando um arquivo fúnebre da barbárie em estado bruto.///

 

Mais informações sobre a exposição Corpo a corpo no site do IMS.

 

 

 

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