Colunistas

Pingue-pongue

Geoff Dyer Publicado em: 17 de dezembro de 2013

Hoje já se sabe que a internet e as muitas geringonças eletrônicas — e-readers, tablets, Kindles etc. — que iam acabar com aquela coisa antiquada, o livro, levaram a um renascimento do… livro! Agora, já que se tem acesso a “conteúdo” on-line ou eletronicamente, os leitores podem fruir o prazer da fisicalidade de um livro, e de suas possibilidades únicas e aparentemente inesgotáveis de design — em suma, de seu  livrismo — como um luxo e não como uma imposição decorrente de seu sistema de “entrega”. Pode-se constatar isso na forma como obras clássicas da literatura, que durante décadas estiveram disponíveis como brochuras baratas, estão sendo reeditadas como livros de capa dura, com projeto visual requintado — livros para serem comprados, contemplados e admirados (como objetos). Esses livros se tornaram não só textos a serem lidos, mas também fonte de prazer hedonista, como caixas de bombons com uma qualidade especial: nunca se esvaziam, repõem a si mesmos continuamente (e também a nós, seus leitores). Se passamos a ter livros nos quais o componente visual é tão ou mais importante do que seu texto é porque estamos entrando em alguma coisa que podemos chamar de uma nova idade áurea.

Em nenhum outro lugar vi isso com mais clareza do que na Art Book Fair, no MoMA PS1, no Brooklyn, Nova York. Essa feira de livros de arte foi uma coisa de dar água na boca e nos deixar embasbacados em todos os níveis: havia desde produções caras e sofisticadas, do tipo coffee-table, oferecidas por grandes editoras, como a Aperture, até livrinhos e zines, em pequena escala — porém engenhosos e criativos —, feitos por pequenos grupos dos quais poucos já tinham ouvido falar. Os livros de fotografia, em especial, provocaram em mim desejos conflitantes: comprar tantos quanto eu pudesse — e sair do prédio sem deixar ali mais que mil dólares; lançar meu próprio selo independente, especializado em livros de fotografia com edições limitadas. E não lançar meu próprio selo independente, especializado em livros de fotografia com edições limitadas, porque todas as ideias que eu poderia ter para um livro desse tipo já tinha ocorrido a alguém, e esse livro fora planejado em detalhes e produzido. Isso só me deixava uma opção: contribuir, de alguma forma, para um livrinho perfeito e em edição limitada. Só que alguém já tivera essa ideia também!

Recém-saído do forno, estava a venda um lindo livrinho (e o sufixo -inho realmente lhe cabe bem, pois são só 50 páginas, de 15 x 20cm), intitulado Ping-Pong, produção da Little Brown Mushroom Press. Trata-se de uma coletânea de fotografias encontradas, de pessoas jogando tênis de mesa, organizada por Alec (Sleeping by the Mississippi) Soth, que é tão fã de pingue-pongue que tem uma mesa em seu estúdio, em Minneapolis. As fotos em si são ótimas, mas o todo — o livro — é muito mais do que a soma de suas partes. A capa e a quarta capa (verdes, divididas ao meio por uma linha branca horizontal) formam as duas metades de uma mesa de pingue-pongue. Abrindo-se o livro, a lombada (branca com linhas pretas entrecruzadas) torna-se uma rede. Ponha o livro, aberto, sobre uma mesa, e o livro é, realmente, uma mesa de pingue-pongue em miniatura.

É uma coisa tão inteligente e bonita que é com um pouco de vergonha que revelo o papel que desempenhei em sua criação. Alec me falou de sua pilha de fotos de pingue-pongue e me perguntou se eu gostaria de contribuir com um texto. No devido tempo, apareci com um texto de mais ou menos 2.500 palavras, algumas das quais falavam de minha antiga rivalidade, no pingue-pongue, com o escritor Pico Iyer. Por isso, Alec teve a ideia de fazer com que Pico contasse também seu lado da história. E foi isso o que ele fez, num texto de extensão semelhante. Depois de ver esses dois artigos alentados, Alec resolveu reduzi-los para cerca de uma dúzia de koans que não iam além de uma frase ou um parágrafo, de modo que Pico e eu estávamos todo o tempo respondendo um ao outro, num diálogo de frases breves. Eu topei, lamentando constantemente todo o trabalho perdido que tivera para produzir a versão mais longa, supérflua, do texto original. Pico concordou, com sua bonomia habitual. E depois, quando vi o livro com esses textinhos saltando e ricocheteando nas páginas, ficou óbvio que aquela era a única forma de apresentá-los, que o esforço envolvido na produção de meu minitratado sobre o pingue-pongue era irrelevante diante do resultado. O livro tinha de ter aquela leveza, e a carga de palavras que eu apresentei originalmente teria feito dele, irremediavelmente, uma coisa chata e pesadona.

Quanto às fotos propriamente ditas, elas mostram que é mais fácil capturar a paisagem social do pingue-pongue — as circunstâncias e o ato de armar a mesa numa sala, no jardim ou no porão — que o jogo em si. As imagens são ricas em detalhes históricos (roupas, camisas, cabelo: ou seja, toda a informação visual que podemos extrair de fotografias de outras coisas que não seja o pingue-pongue), e ao mesmo tempo quase nada informam sobre a experiência de jogar pingue-pongue (o que, na melhor das hipóteses se reduz a esquecer de tudo menos de pingue-pongue).

O pingue-pongue é um dos relativamente poucos esportes — talvez o único — que pode contribuir para um começo de namoro. Em muitas cidades, homens e mulheres agora podem decidir a sair juntos da maneira como poderiam, no passado, resolver ir ao cinema. Isto, o romance do pingue-pongue, também está documentado de forma abundante no livro. O que falta nele, gritantemente, são pessoas jogando tênis de mesa a sério. Quer dizer, na verdade elas jogam. O que acontece é que muitas vezes elas parecem estar imóveis, segurando raquetes em ângulos esquisitos, olhando para uma bolinha branca parada no ar sobre a mesa. A velocidade e a movimentação constante do jogo estão quase inteiramente ausentes. O problema, para resumir, é que são fotografias, e não filmes. Ora, eu gosto muito de uma foto (não incluída no livro, infelizmente) de um astro do pingue-pongue, meio envelhecido e pouco conhecido (eu), jogando como se a sua vida dependesse daquela partida. (Isso é um exagero, é claro. Se a vida dele dependesse daquela partida, ele estaria morto.)

Por uma questão de honra, o autor se sente na obrigação de acrescentar alguns detalhes sobre seu envolvimento no livro de Soth. O almoço de lançamento realizou-se no Spin, o clube de pingue-pongue em Manhattan onde Alec Soth derrotou a mim — e a todos os outros que ele convidou — não uma vez, mas várias vezes, num período de três horas. Em minha defesa, eu diria que era uma festa, e eu tinha bebido cerveja demais. A propósito, isso é uma coisa que algumas fotografias conseguem captar: o despreocupado casamento entre o pingue-pongue e o álcool.///

Tradução de Donaldson M. Garschagen

meppchin

Geoff Dyer é escritor e colunista do jornal The New York Times. Autor de O Instante contínuo (2008), além de inúmeros outros textos sobre fotografia.