Diário de viagem #6: O Profeta do bálsamo de petróleo
Publicado em: 12 de maio de 2016O coletivo Trëma esteve na República Democrática do Congo com o intuito de registrar lembranças de uma recém-imigrada para o Brasil. O trabalho faz parte do projeto Memento, vencedor da Bolsa de Fotografia ZUM/IMS de 2015. O texto abaixo é de Tomás Chiaverini, colaborador do Trëma neste projeto.
A Igreja Palavra do Senhor é comandada por um homem que se autointitula O Profeta. A mansão onde vive O Profeta é decorada com motivos neoclássicos e ocupa uma quadra inteira de um bairro miserável de Kinshasa, na República Democrática do Congo. Há seguranças com rádios espalhados pela propriedade, além de um que se posta na esquina, controlando o acesso à rua do Profeta.
A alguns quilômetros dali, na garagem coberta de outra casa, centenas de devotos do Profeta se reunem para receber bênçãos do homem supostamente santo. O lugar é quente, abafado, e tem um forte cheiro de óleo diesel.
O Profeta costuma receber alguns fiéis na sala que fica além desse quintal. Os homens e mulheres que têm a honra desses encontros mais íntimos postam-se diante de uma escrivaninha de madeira brilhante, ao lado de um trono com assento de veludo vermelho e braços dourados.
Nos fundos da casa, os fiéis também têm a oportunidade de comprar um bálsamo de limão e petróleo. O líquido, vendido em garrafas plásticas de um litro, custa vinte dólares, e os devotos acreditam que ao ingerir pequenas doses diárias ficarão curados das mais diversas enfermidades.
Os cultos da Igreja Palavra do Senhor ocorrem em uma terceira edificação. Um imenso galpão, de cujo telhado metálico pendem pequenos ventiladores, incapazes de amenizar o calor ambiente. As mulheres, sentadas no centro e à esquerda do palco, usam vestidos coloridos; e os homens, agrupados à direita, vestem camisa social. Não há brancos por ali.
Na tarde em que visitamos o lugar, um assessor do Profeta interrompeu a fala do pastor, nos chamou ao palco e tomou para si o microfone. Falando em francês com um forte acento lingala, explicou que a Igreja Palavra do Senhor acabara de abrir uma filial no Brasil (verdade), e que nós estávamos ali para fazer um documentário sobre a igreja (mentira). Terminou a fala pedindo que os fiéis nos dessem as boas vindas.
A plateia obedeceu, liderada pelas mulheres. Munidas de chocalhos com fitas coloridas e acompanhadas pela banda amplificada e pelas palmas dos homens, elas se levantaram, dançaram e cantaram numa explosão de energia que tomou conta do galpão e quase nos fez acreditar que, no fim das contas, havia algo de mágico naquele bálsamo de petróleo.///
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