Sumário 04
Publicado em: 4 de agosto de 2013O INDIVÍDUO, a multidão. Gênero tradicional da história da fotografia, o retrato pode descrever em detalhes um sujeito específico e, ao mesmo tempo, sugerir a existência de um tipo social. Bons retratos fazem isso, e ainda tocam em questões que dizem respeito a todos nós. As figuras marginalizadas escolhidas por Katy Grannan nas ruas da Califórnia habitam a fronteira que separa realidade e fantasia, e nos obrigam a pensar nos padrões de beleza e de gênero, nos ditames da moda e no mundo retocado pelo Photoshop. Quatro décadas antes, Garry Winogrand também trilhava as ruas para compor um retrato em preto e branco dos tempos inflamados e incertos que rondavam o pós-guerra americano.
Tempos turbulentos também agitavam o outro lado do planeta. Repórter fotográfico do Diário de Heilongjiang durante a Revolução Cultural, o chinês Li Zhensheng escondeu no assoalho de casa milhares de negativos que exibiam o fervor da multidão e a arbitrariedade do regime. Ao duvidar do entusiasmo inicial e tomar consciência do que acontecia, Li mudou, senão a história, pelo menos a memória do século 20.
A fotografia pode ser usada como forma de lidar com uma realidade opressora, de se aproximar do mundo ou apenas de enxergar melhor. É o que afirma o renomado sociólogo Pierre Bourdieu sobre sua temporada argelina. Em rara entrevista dada no fim da vida, Bourdieu comenta como suas 3 mil fotografias ajudaram a definir o olhar que está no cerne de sua sociologia.
Outros peregrinos talentosos desfilam nesta edição. O cineasta alemão Wim Wenders vai da Austrália ao Meio Oeste americano num diário que reúne anotações, amigos e fotografias. A pedido da ZUM, a mineira Rosângela Rennó resgata dos slides de família a viagem que seus pais fizeram em 1958 pelos Estados Unidos. Bárbara Wagner se aventura em Pernambuco para mostrar um maracatu diferente do que estampam os cadernos de turismo. E o português André Cepeda estreia o resultado de uma residência que fez em São Paulo, acompanhado de sua câmera 4×5.
Viagens também ampliaram a dimensão social e política do trabalho de Thomas Struth. Para analisar a obra do fotógrafo alemão, o sociólogo Richard Sennet arma um debate coletivo que discute como o passado, o presente e o futuro estão inscritos na aparência das cidades. Voltando a um dos temas desta edição, Struth acredita que suas fotos urbanas podem ser vistas como retratos. Entendidas como organismos vivos, as construções sempre diriam a verdade. “São o testemunho do caráter das pessoas, expressam orgulho, raiva, ignorância, amor – tudo o que os seres humanos são capazes de expressar”.