Fotomontagem e inteligência artificial generativa
Publicado em: 18 de junho de 2025
No final de 1918, a recém-criada República de Weimar surgiu em um momento que coincidia com mudanças drásticas na cultura alemã, com foco particular em sua cultura visual. A fotografia já havia sido inventada muito antes (quando a Alemanha ainda era um mosaico de pequenos estados), mas levou um tempo até que sua característica mais definidora emergisse por completo: a reprodução em massa.
A reprodução em massa dependia da disponibilidade da tecnologia. Tão logo se tornou possível produzir fotografias com tinta sobre papel, elas passaram a ser utilizadas por jornais e revistas. Embora esse processo já existisse antes do advento da República de Weimar, o desaparecimento do regime imperial e de suas convenções estagnadas e retrógradas abriu caminho para a inovação em várias frentes.
Em agosto de 1919, a revista Berliner Illustrierte Zeitung publicou uma fotografia do presidente Friedrich Ebert e do ministro da Defesa Gustav Noske na capa. Ebert, um social-democrata (quando esse termo ainda significava alguma coisa), havia se tornado presidente apenas três dias antes, prestando juramento a uma nova constituição que não fora criada em Berlim (a capital ainda assolada por conflitos), mas na pacata Weimar (antigo lar do herói nacional Goethe e futuro local do campo de Buchenwald, uma desonra nacional), que deu nome à nova República.
Mas a fotografia escolhida pelos editores não poderia ter sido publicada sob o regime imperial anterior. Ebert e Noske foram fotografados na praia. Os dois estão com a água até os joelhos, posando meio desajeitados para o fotógrafo (um terceiro homem aparece parcialmente submerso, segurando um tridente, claramente fazendo o papel de Netuno).
Mesmo hoje, mais de 100 anos depois, fica evidente que as silhuetas roliças de Ebert e Noske em seus trajes de banho não são muito lisonjeiras. É difícil, porém, avaliar por completo o impacto que a fotografia e sua publicação podem ter causado na época: nosso mundo de hoje está saturado de imagens fotográficas, e nós estamos acostumados a ver nossos líderes em todo tipo de situação, seja lisonjeira, seja constrangedora – o que não era o caso dos cidadãos da República de Weimar.
Na verdade, o último imperador da Alemanha, o desafortunado Guilherme II, nascera com defeitos congênitos, incluindo não apenas dano cerebral leve, mas também um braço esquerdo visivelmente mais curto que o direito. Quem tem conhecimento desses fatos consegue perceber os esforços do sujeito para esconder essa diferença em fotografias oficiais. Mas seria impensável que uma revista de notícias publicasse uma fotografia como a que estampou a capa da Berliner Illustrierte Zeitung em agosto de 1919.
Antes de 1918, também seria impensável que um artista utilizasse essa mesma fotografia de capa em uma de suas obras e a exibisse. Mas foi exatamente o que Hannah Höch fez ao criar Staatshäupter (Chefes de Estado), uma de suas primeiras colagens (incluída neste artigo). Ela recortou as duas figuras da capa da Berliner Illustrierte Zeitung e as aplicou sobre um padrão de bordado.
Na época, Höch estava envolvida com o universo dadá. Mas Staatshäupter não é dadá: trata-se de uma obra explicitamente política, criada como resposta à fotografia da capa da revista, mas também às discussões que se seguiram a ela.
Pode-se considerar a publicação da fotografia de Ebert e Noske como uma crítica aberta à nova república. Afinal, a dignidade do cargo presidencial estava longe de ser retratada naquela imagem. Por outro lado, a fotografia poderia ser vista como o início de uma nova era democrática, em que até mesmo os líderes do país se mostravam como gente comum, aproveitando o dia na praia e se mostrando, talvez, menos apresentáveis do que gostariam os padrões tradicionais, os quais demoraram um pouco mais de tempo para deixar o país do que o imperador.
A obra de Höch, no entanto, era algo distinto. Reproduzir qualquer uma das duas interpretações acima teria sido simples demais. Não porque isso a transformaria em agitprop, propaganda política, mas porque seria a propaganda política errada.
A nova República de Weimar havia concedido o direito de voto às mulheres, um feito inédito na história da Alemanha. A verdadeira igualdade de gênero continuava um ideal distante para elas (a Alemanha atual avançou, mas o sonho ainda persiste). Contudo, a garantia formal de que as mulheres deveriam ter o mesmo peso que os homens na escolha de seus líderes foi um reconhecimento claro, e há muito tempo esperado, das restrições artificiais impostas ao papel feminino.
Ao colocar o chefe de Estado e seu ministro de Defesa sobre um padrão de bordado, Höch os inseria metaforicamente em seu universo feminino. Obviamente, assim como nem todos os homens têm cargos de poder, nem todas as mulheres fazem bordado. O que Höch manipulava com sua faca de cozinha (para usar uma expressão retirada do título de sua obra mais conhecida, reproduzida parcialmente aqui) eram símbolos: fotografias e materiais visuais como fonte de um novo objeto, representando conceitos mais amplos.
Em outras palavras, e usando a linguagem atual, Staatshäupter apropria-se de um material original para criar um novo significado, idealizado por quem o produz. E esse significado estava atrelado a uma forma de crítica só possível nas artes, uma crítica que emerge da justaposição de elementos visuais normalmente não vistos juntos.
É importante manter em mente estes dois aspectos fundamentais: a justaposição/síntese de materiais visuais e a intenção crítica clara.
Dado o potencial da fotomontagem, não surpreende que essa nova forma de expressão visual tenha sido amplamente utilizada na República de Weimar. Outros artistas a abraçaram, como László Moholy-Nagy, que a incluiu em seus tratados sobre as artes visuais.
John Heartfield utilizou a fotomontagem com efeito devastador. Nascido Helmut Herzfeld (ele trocou de nome em protesto contra o forte sentimento antibritânico nos últimos anos do império), o artista chegou a ocupar o quinto lugar na lista de mais procurados da Gestapo por sua obra, de um antifascismo mordaz, como ao mostrar um industrial anônimo colocando maços de dinheiro nas mãos de Hitler.
Boa parte do trabalho de Heartfield é agitprop. E ainda assim, por ser crítico, é arte. Por exemplo, sua obra Der alte Wahlspruch im “neuen” Reich: Blut und Eisen (O velho lema do “novo” Reich: sangue e ferro) combina dois conceitos fascistas proeminentes, sangue e ferro, formando uma suástica com quatro cutelos, ainda com as lâminas ensanguentadas. É uma imagem bruta, sim, mas eficaz; se as coisas tivessem se complicado para Heartfield, como ocorreu com outros artistas, essa obra poderia ter lhe custado a vida, mas ele conseguiu escapar dos nazistas.
Muitas de suas montagens foram publicadas nas capas de revistas de esquerda, completando assim o ciclo iniciado por Höch. Dada a quantidade de contradições e impulsos conflitantes que existiam na República de Weimar (e que acabariam por condená-la), pode-se argumentar que a fotomontagem foi sua forma de arte definidora. Não a fotografia, nem o cinema; foi a montagem de imagens com vistas a criar outras imagens que caracterizava o espírito daquele tempo e que prenunciou o pensamento pós-moderno.
A fotomontagem, no entanto, não se restringiu à República de Weimar. Regimes totalitários como o da União Soviética ou o do Japão fascista também lhe deram papel de destaque em suas publicações. Comparar as fotomontagens soviéticas ou japonesas com as weimarianas é esclarecedor. Embora as técnicas e as ideias sejam semelhantes, as primeiras visavam principalmente à propaganda política, então seu valor artístico é limitado.
A fotomontagem prospera quando empregada de forma crítica; quando usada para propaganda, perde sua força rapidamente.
Cerca de 100 anos depois, a fotomontagem já não é tão utilizada quanto antes. Mas ela não desapareceu por completo. Christopher Spencer (conhecido pelo pseudônimo de Cold War Steve) vem trilhando os passos de John Heartfield há anos, empregando técnicas semelhantes, ainda que ampliando seu escopo. Em geral, ele usa pinturas clássicas como ponto de partida, e, com as ferramentas atuais, Spencer poderia criar imagens muito mais harmônicas do que as que de fato produz.
Mas eu diria que é justamente o caráter explícito dessas montagens que torna as imagens de Spencer tão impactantes. A obscenidade de muitos dos alvos criticados por suas obras se revela, em parte, pela crueza com que Spencer costura sua matéria-prima. O efeito é poderoso. Se eu acreditasse em vida após a morte, provavelmente imaginaria Heartfield e Höch sorrindo diante de seu sucessor.
Dito isso, nada do exposto acima é o foco deste ensaio. O que quero realmente compreender é algo que tem sido apontado por Roland Meyer, professor de Culturas e Artes Digitais na Universidade de Zurique e na Universidade de Artes de Zurique. Por conta de seus textos e de sua presença ativa nas redes sociais, Meyer tornou-se minha principal referência para os debates em torno do que passou a ser chamado de inteligência artificial generativa (IA generativa) na criação de imagens.
Antes de tudo, uma observação: não acredito que a inclusão do termo “inteligência” nessa expressão faça sentido. A menos que se defina inteligência de forma extremamente restrita, o que essas ferramentas realizam não se enquadra, de fato, como inteligência artificial. É evidente que há um motivo para que os criadores dessas tecnologias escolham esse termo: ele funciona como uma barreira prévia ao debate. Afinal, quem ousaria se posicionar contra a inteligência?
Daqui em diante, seguirei utilizando o termo apenas por um motivo: não acredito que a minha argumentação seria beneficiada se eu criasse a minha própria definição para essas ferramentas. Pessoas como Roland Meyer estão muito mais capacitadas para propor termos mais adequados. Infelizmente, a maioria dos debates tem adotado esse vocabulário sem a devida reflexão crítica.
Uma das principais falhas que identifico nas discussões sobre IA generativa é que costumam tratar a ferramenta em seus próprios termos, sem levar em conta nem as estruturas econômicas que a sustentam (basicamente uma ladroagem em larga escala do trabalho alheio), nem as imagens que ela produz. Por conta de meu profundo interesse em cultura visual, acredito que não se pode debater essas imagens sem situá-las em um contexto visual mais amplo, muito mais amplo do que o nosso momento contemporâneo.
É justamente por isso que discorri em detalhes sobre a fotomontagem nos parágrafos anteriores. Acredito que há paralelos suficientes entre a montagem e a IA generativa que justificam uma análise conjunta. Claro, não estou dizendo que são a mesma coisa. Existem diferenças técnicas significativas entre elas; mas essas diferenças são irrelevantes para o que desejo discutir.
Em diversos artigos e entrevistas, Meyer comentou que as ferramentas de IA generativa alimentam a nostalgia e reforçam os clichês. Outro tema recorrente em seus escritos é o motivo pelo qual essas ferramentas, especialmente as que produzem imagens, vêm sendo tão amplamente utilizadas por grupos de extrema direita. Por que isso acontece? Tenho tentado compreender possíveis razões para esse fenômeno há algum tempo.
Muitas pessoas se recusam a usar IA generativa pelo mesmo motivo que eu: porque se baseia em material roubado. No entanto, há dois problemas com esse raciocínio. O primeiro é que, se essa tecnologia servisse a interesses fora da extrema direita, certamente mais pessoas a utilizariam.
Não quero insinuar que as pessoas sejam indiferentes ou que não se importem com o problema do roubo de conteúdo. Vivemos em uma época em que, considerando o grau de contaminação que o capitalismo neoliberal impôs a praticamente todas as esferas da vida, é quase impossível manter a integridade absoluta. Seja ao tentar comprar alimentos que não estejam embalados em enormes quantidades de plástico ou ao evitar produtos geneticamente modificados, seja priorizando empresas que não causem danos massivos, é muito, muito difícil contornar aquilo com que se tem algum problema.
Portanto, em teoria, imagens geradas por IA poderiam ser usadas para combater o fascismo. Mas isso não ocorre, uma vez que elas não cumprem esse papel. Por quê?
Segundo ponto: para ser direto, a fotomontagem também se baseia em apropriação de imagens. Hannah Höch e John Heartfield também “roubavam” imagens. Nas últimas décadas, o mundo da arte investiu tempo e energia tentando compreender e/ou justificar como e por que é aceitável utilizar o trabalho de terceiros em novas obras. Se eu concordo ou não com todas essas justificativas, isso não vem ao caso agora.
O que importa é que, apesar das diferenças técnicas, tanto a fotomontagem quanto a IA generativa se baseiam em apropriação. Eu queria entender por que me incomodo com as imagens criadas por IA, mas não com as obras de Höch, Heartfield e Christopher Spencer. Isso não seria hipocrisia?
Disse a mim mesmo que a resposta deveria ir além do simples fato de que, na maioria das vezes, um lado representa os fascistas e o outro não. Mesmo tendo fortes objeções ao fascismo, essa explicação me parecia insatisfatória.
Então, por que a extrema direita se apoia tanto na IA generativa?
O primeiro ponto relevante é que o fascismo contemporâneo não conta com uma continuidade visual de sua ideologia. Após 1945, a produção de imagens fascistas praticamente cessou por conta do estigma gigantesco associado a elas. Os fascistas não desapareceram, mas, na maioria dos países que me vêm à mente, vigorava um pacto social de que o fascismo era inaceitável, tanto do ponto de vista político quanto cultural.
Esse pacto foi rompido. Ainda assim, não se viu, por exemplo, cidadãos alemães (artistas ou não) criando ou celebrando abertamente a arte fascista no pós-guerra. Ou melhor, houve obras que se valiam de ideias fascistas, mas sem serem reconhecidas ou discutidas como tal. A extrema direita contemporânea, portanto, precisa construir sua iconografia praticamente do zero.
Além disso, a extrema direita não conta com artistas talentosos. E há uma razão simples para isso: a arte boa e verdadeira nasce da dúvida e da incerteza, e a extrema direita rejeita ambas. O fascismo contemporâneo é, em grande parte, composto por homens inseguros e insatisfeitos, que cultivam mágoas muitas vezes imaginárias entre si. Esses homens não sabem lidar com as próprias dúvidas e incertezas.
Para os fascistas, incerteza e dúvida são sinais de fraqueza, e portanto devem ser rejeitadas. Assim, não pode haver uma arte verdadeiramente fascista. O que existe como “arte de direita” obedece a convenções genéricas de representação, mas, em termos de crítica de arte, mesmo no sentido mais amplo, beira o ridículo. Se você duvida, basta assistir a este vídeo curto (atenção: ele é ao mesmo tempo cômico e perturbador).
A ideologia da extrema direita rejeita abertamente a crítica, tanto artística quanto de qualquer outra natureza, e a substitui por uma simulação tosca. Sua arte reflete esse traço essencial.
E, no fundo, pode-se dizer o mesmo de qualquer ideologia totalitária. Se a União Soviética ainda existisse, seus líderes adotariam as mesmas restrições à arte. Regimes totalitários, em geral, não permitem liberdade artística. (Basta analisar as representações visuais utilizadas pela Alemanha nazista e pela União Soviética, as semelhanças são claras: o líder heroico, a família tradicional formada por belos indivíduos, o poder do Estado representado pela força militar, e assim por diante.)
Além disso, diferentemente do comunismo, o fascismo não apresenta uma visão de futuro. Seu projeto se limita à exaltação de um passado idealizado e nacional. Em termos práticos, seja qual for essa visão, ela não tem nada a ver com um futuro melhor; o futuro idealizado é apenas uma repetição do passado.
Em outras palavras, o fascismo não precisa imaginar o que ainda poderia existir. Basta-lhe imaginar o que poderia existir novamente, uma versão levemente modernizada do passado (modernizada, é claro, apenas em termos de conforto material, não de pensamento ou cultura). Mesmo as comunidades imaginárias idealizadas por bilionários da tecnologia ligados à extrema direita (seja em Marte, seja na Groenlândia ou em Gaza) não passam, no fim das contas, de versões estilizadas das aldeias românticas de um passado (de novo, em grande parte) imaginário.
Em termos artísticos, o fascismo, portanto, não oferece uma visão. A verdadeira arte depende da visão de alguém para imaginar algo diferente, algo melhor; algo que, para que a arte seja realmente boa, talvez ainda não esteja completamente definido e possa conter impulsos contraditórios.
Tudo isso faz com que os geradores de imagens por IA generativa, que se baseiam em imagens passadas e já existentes, sejam as ferramentas ideais para o projeto fascista. As muitas limitações que a maioria dos artistas, com razão, identifica nessas ferramentas não representam um problema para os fascistas: não se trata só da ausência de necessidade por impulsos contraditórios, trata-se também da recusa absoluta a qualquer contradição. (Não por acaso, Hitler começou sua trajetória como um artista muito ruim.)
Assim, a nostalgia detectada por Roland Meyer nas imagens geradas por IA está longe de ser inofensiva. A nostalgia, por si só, já é problemática, pois distorce o passado em função de idealizações pessoais. Nas mãos dos fascistas, ela se transforma em ameaça real. E, como temos visto ao redor do mundo, essa nostalgia se converte em violência concreta.
Não surpreende que, assim que as ferramentas de IA passaram a simular o estilo visual do Studio Ghibli, os fascistas estadunidenses as tenham usado para criar imagens violentas. Sem violência e dominação, o fascismo não existe. E qualquer ferramenta que facilite a criação de representações visuais dessas práticas se encaixa como uma luva nesse projeto.
Em termos técnicos, enquanto a montagem não só celebra como se vale das imperfeições que lhe são inerentes (por exemplo, figuras humanas desproporcionais), nas imagens geradas por IA, esses “defeitos” são vistos como falhas. Uma imagem de IA perde credibilidade quando uma pessoa aparece com seis dedos.
Na montagem, o artefato é um recurso expressivo; na IA generativa, é um erro. Como a IA busca evitar qualquer imperfeição, não vejo como um artista comprometido com sua prática poderia adotá-la. A boa arte nasce da dúvida e dos erros, precisamente o que os desenvolvedores da IA generativa se esforçam para eliminar.
Além disso, a homogeneização visual das imagens geradas por IA, responsável por aquele aspecto realista repetitivo e genérico, se reflete na estética padronizada que a extrema direita adota. Basta assistir a qualquer programa da Fox News: parece que as pessoas diante das câmeras decidiram aplicar sobre si um filtro de suavização para se enquadrar em uma versão bastante limitada do que seria um homem ou uma mulher “aceitável”. Isso é muito perturbador, em parte porque reativa a iconografia da Alemanha nazista.
Como ficou evidente em maio de 2025, quando o chatbot do X (antigo Twitter) começou de repente a reproduzir discursos sobre “genocídio branco” na África do Sul (artigo; e, pouco depois, passou a negar o Holocausto), muitas ferramentas de IA generativa se tornaram instrumentos a serviço do fascismo.
Está claro, pelo que ocorre no X (hoje equivalente a um bar neonazista) e pela resposta da empresa, que o verdadeiro problema não foi o chatbot propagar teorias conspiratórias de extrema direita, e sim o fato de que isso gerou uma exposição negativa para a plataforma e seu proprietário, também alinhado a essa ideologia.
É pouco provável que Hannah Höch tenha realmente utilizado uma faca de cozinha em sua obra, como sugere o título de uma de suas montagens mais conhecidas. Mas o que é certo é que ela fazia questão de informar ao público que aquela criação tinha sido feita por uma mulher.
Seja com uma faca, seja com uma tesoura, suas ferramentas lhe conferiam controle total sobre o que produzia. Com a IA generativa atual, quem a utiliza abre mão de boa parte desse controle e o entrega aos cuidados de pessoas como Elon Musk. Uma ferramenta talvez não revele os vieses de seus criadores de forma tão explícita quanto o chatbot do X, mas eles estão lá, e fora do alcance do usuário.
Considerando que tantas empresas de tecnologia têm se aproximado de ideias autoritárias, está mais do que evidente: as ferramentas de IA generativa não são o equivalente da faca de cozinha de Höch. São o equivalente dos cutelos usados por Heartfield em sua fotomontagem antinazista. ///
Tradução do inglês por Bia Nunes de Sousa
Artigo originalmente publicado na Conscientious Photography Magazine em maio de 2025
Jörg M. Colberg é fundador e editor da Conscientious Photography Magazine, site dedicado à fotografia contemporânea. É autor dos livros Understanding Photobooks: The Form and Content of the Photographic Book (Focal Press, 2016) e Photography’s Neoliberal Realism (MACK, 2020). Seu primeiro fotolivro, Vaterland, foi publicado em 2020 pela Kerber Verlag.
Tags: arte contemporânea, Cultura visual, Inteligência artificial, Neofacismo