“Fotos contam fatos”: leia entrevista com a curadora da coletiva
Publicado em: 27 de novembro de 2015A exposição Fotos contam fatos é uma investigação da curadora Denise Gadelha sobre a narrativa fotográfica e seus suportes. De que maneira fotos podem narrar algo, contar uma história? Instalação, escultura, objeto, vídeo, livros e publicações em geral, bem como fotografias dispostas em grupo ou imagens que representam unidades semânticas estão expostos na Galeria Vermelho até 16 de janeiro de 2016. É a fotografia “vista como um ponto de partida, e não um fim em si mesma”, como diz o texto curatorial.
Contemplada no XIII Prêmio Marc Ferrez de Fotografia da Funarte, a coletiva reúne uma lista de mais de 100 de artistas brasileiros, como Claudia Andujar, Felipe Russo, Gilvan Barreto, Gui Mohallem, Guilherme Gerais, Ivan Padovani, Joaquim Paiva, João Castilho, Jonathas de Andrade, Julio Bittencourt, Lucia Mindlin Loeb, Mauro Restiffe, Rafael Assef, Rafael Adorján, Rosângela Rennó, Pedro David, Waltercio Caldas, e o coletivo Garapa, entre outros. Algumas obras foram produzidas para a exposição. Edições da revista ZUM também estão em exposição, em seções que a curadora identifica como bases teóricas para a pesquisa.
O Garapa participa com o projeto vencedor da Bolsa de Fotografia ZUM/IMS de 2014, “Postais para Charles Lynch”, um ensaio sobre linchamentos públicos no Brasil com imagens retiradas do YouTube, cujo resultado final foi um fotolivro de artista com tiragem de apenas dois exemplares (um deles está em exibição). ZUM entrevistou a curadora, que falou sobre os pontos de partida para sua pesquisa e suas visões da narrativa fotográfica, de fotolivros e do mercado. Leia abaixo:
ZUM: Você poderia falar um pouco sobre o que motivou seu recorte de pesquisa – narrativas fotográficas?
DENISE GADELHA: Eu venho da academia, e uma coisa que me incomoda é que pensar a fotografia ocorre quase sempre por um viés ontológico, é sempre a fotografia. Mas a fotografia já nasce plural, são as fotografias, uma coisa híbrida por natureza; para se ter uma ideia, o historiador Pierre Harmant contou 24 pessoas que, em várias partes do mundo, afirmaram ter inventado a técnica fotográfica, e isso num curto período de tempo. Definir a fotografia necessariamente como técnica, ou como memória, por exemplo, sem pensar no estado cultural, é descartar o olhar, que muda tudo. A fotografia é uma ferramenta discursiva, é construtora de versões da realidade. Esse fato fotográfico que ela registra é algo relativo. Era isso que eu queria pesquisar.
Outra linha da pesquisa era a fotografia para além do suporte bidimensional, como corpo físico no espaço. Disso inevitavelmente surgiu a investigação do livro, que convive com o eixo da tridimensionalidade na exposição.
Entre todas as formas narrativas que a fotografia proporciona e que você encontrou no decorrer de sua pesquisa, você diria que há alguma mais eficaz? Muitos talvez concordassem em dizer que é o fotolivro.
Não dá pra falar em termos de eficácia, nem de conclusões. A pesquisa é um processo aberto, encontramos materiais e vamos pensando a respeito deles, eles ganham vida própria e vão nos mostrando coisas. Mediei um debate na última SP-Arte/Foto em que o tema era fotolivros. A opinião do Ronaldo Entler, que era um dos debatedores, é que o termo gerava uma separação desnecessária. Na época eu concordei, achava que podia ser muito redutor mesmo, e que o termo tinha uma função muito específica dentro de um circuito de mercado, mas desconfiava dos benefícios que isso trazia para a fotografia.
Mas uma coisa que fui descobrindo ao montar a Fotos contam fatos é que existe de fato uma linguagem, um jeito de tratar a narrativa fotográfica, ou de editar a sequência, que são próprios do que podemos chamar de fotolivro. E há um volume considerável de narrativas assim, embora dentro da exposição não represente nem 20% dos materiais recolhidos. Talvez essa proporção tenha a ver com meu olhar, que é formado nas artes visuais – penso a fotografia a partir das artes visuais, o que difere da perspectiva de quem tem uma formação que parte do fotográfico em si. Hoje eu teria uma posição distinta daquela que tive no debate, porque acho que sim, a nomenclatura é válida para esse tipo específico de produção, mas ela não é a única forma de narrativa fotográfica, como pode ser visto na exposição.
Então existem publicações fotográficas que contêm narrativas e que não são fotolivros propriamente ditos?
Com certeza. O livro A última foto, da Rosângela Rennó, por exemplo. Ela pega câmeras que estão saindo de linha e entrega para fotógrafos fazerem as últimas fotos com ela, sempre do Cristo Redentor, no Rio. Depois recebe o material, revela o filme, escolhe uma foto (junto ao fotógrafo) e a seguir veda a câmera, que nunca mais vai fotografar nada. Ou seja, há uma narrativa aí, na forma como esse processo é mostrado, mas não diria que se trata de um fotolivro, e sim de uma publicação que navega entre fronteiras, em várias instancias do processo artístico, pois não é apenas um catálogo da exposição, ou um desdobramento da obra em si, mas também uma fonte de referência teórica acerca da discussão de assuntos extremamente relevantes no campo da fotografia ou da cultura contemporânea, como o uso do direito autoral, o questionamento do que é publico ou privado etc.
A discussão sobre essas categorias é importante, mas ficar rotulando, nem tanto. O rótulo é educativo, porém, como diz meu amigo e professor Charles Watson, é como uma alça para carregar uma mala: depois que você carregou, abre e tem de lidar com o conteúdo que encontra; a alça perde a função, só serve para ir de um ponto ao outro – não importando se é fotolivro, livro de artista, catálogo ou o que seja.
É notória a grande movimentação no meio fotográfico em torno do fotolivro hoje. Há alguma explicação para esse fenômeno, a seu ver?
É um fenômeno de mercado, principalmente; há um circuito consumidor por trás. Mas tem uma coisa em relação a esse mercado do fotolivro que tenho achado muito interessante e muito sintomática: o quanto a internet também alimenta certo revival do físico.
Por um lado, pense em como o Napster, os mp3 e a pirataria geraram também uma volta do vinil; uma mídia não exclui a outra, como diz o Antonio Fatorelli. Com a imagem ocorre algo parecido: você perde o controle dela no repost do repost do repost, e ela perde seu contexto original. Talvez essa nova geração esteja querendo voltar ter um controle de edição, daí os fotolivros. Além disso, e também por conta da internet, redes vão sendo criadas, e a distância entre o autor e o público diminui. Vários artistas me relataram o prazer que têm em saber quem está comprando o livro, em ir no correio pessoalmente postar e ter noção de para quem o livro vai. Gostam de interagir com esse comprador, que muitas vezes diz como ficou sabendo do trabalho do artista, como chegou ao livro, e muitos dizem preferir a autopublicação a ter uma tiragem maior por uma editora mais convencional. A internet está possibilitando algo que não existia antes: o autor criar seu próprio mercado. Há os sistemas de crowdfunding também. Os públicos aumentaram, se estratificaram. Me parece que essa facilidade do acesso tem a ver com o aumento do número de fotolivros. E, claro, cria-se um circuito – prêmios, concursos, exposições, editoras independentes etc. –, uma demanda que se retroalimenta.
A maioria dos livros expostos podem ser manuseados pelo público visitante. Qual a importância disso, pensando que alguns são livros de artista, de tiragem limitadíssima ou mesmo únicos?
Praticamente tudo é manipulável, como você disse. Eu queria que a exposição fosse uma biblioteca também. Uma biblioteca-exposição. Não estamos pensando na fotografia da maneira tradicional, e sim nela como veículo de comunicação, de narração. Esse tema da biblioteca pautou bastante nossas escolhas conceituais e expositivas. O livro enquanto obra não pode estar ali só com a capa à mostra, ou com uma dupla interna. É uma exposição para você passar um tempo, consultando, lendo, vendo.
Também queria que a exposição servisse como plataforma para criar uma rede de difusão. O Walter Costa, que trabalhou comigo na exposição, criou junto com a esposa, Talita Virgínia, uma catalogação online (www.fotoscontamfatos.wordpress.com), com capa, ficha técnica, contatos de editoras ou artistas, e talvez futuramente incluamos sinopses dos livros. Hoje em dia quase tudo está na internet, mas se nem sempre temos o caminho das pedras para chegar no que queremos, não é tão óbvio assim, por isso vimos a importância de criar esse dispositivo.///
Fotos contam fatos
Curadoria de Denise Gadelha
Mais de 100 artistas participantes
25 de novembro a 23 de dezembro de 2015 e 11 a 16 de janeiro de 2016
Galeria Vermelho (Rua Minas Gerais, 350, São Paulo, SP)
www.galeriavermelho.com.br