William Eggleston – a cor americana

“A moça de vestido amarelo”, de W. Eggleston, comentada por Joaquim Marçal

Publicado em: 15 de junho de 2015

A convite da ZUM, o professor da PUC/Rio Joaquim Marçal de Andrade escreveu o texto a seguir sobre a obra do fotógrafo americano William Eggleston, em cartaz no IMS-RJ até 28 de junho.

 

Da série 5x7, 1973-1974 © Eggleston Artistic Trust. Cortesia de Cheim & Read, Nova York.

Da série 5×7, 1973-1974 © Eggleston Artistic Trust.
Cortesia de Cheim & Read, Nova York

 

A moça do vestido amarelo

Joaquim Marçal Ferreira de Andrade

 

Amarelo é a mistura de duas cores-luz primárias – o vermelho e o verde, que não eram satisfatoriamente registrados pelas emulsões fotográficas da primeira grande era da fotografia, a das chapas de vidro em preto e branco. Próximo ao final do século 19, com o desenvolvimento das “emulsões pancromáticas”, os filmes, já em grande parte flexíveis, passaram a registrar todas as cores com alguma precisão – mesmo que na linguagem monocromática, enriquecida pelos tons de cinza.

Quase nos meados do século 20, quando tornou-se viável a prática da fotografia colorida pelo processo cromogênico, que persiste até hoje, o amarelo continuou marcando forte presença e impondo desafios. Foi a cor escolhida pela Kodak – esta indústria de nome tão estranho – para revestir toda a sua identidade visual. Tornou-se, porém, um dos pontos fracos dos filmes coloridos de uso disseminado na década de 1960, cuja instabilidade cromática colocou aquela fotografia em cheque.

Rejeitada por colecionadores e quase ausente das coleções públicas, foi em meio a uma crise aguda que, em 1976, o trabalho de William Eggleston começou a ganhar projeção internacional, a partir da célebre exposição no MOMA.

A questão da instabilidade dos corantes dos filmes e papéis fotográficos tornou-se pública e ganhou maior repercussão em 1980, quando o cineasta Martin Scorcese encabeçou uma petição e uma campanha pela preservação dos acervos de cinema colorido (produzidos a partir da década de 1950) e buscou persuadir a Kodak e a Fuji, maiores fabricantes, a desenvolverem corantes mais estáveis – o que estava em jogo, ali, era a permanência da imagem fotográfica e cinematográfica colorida.

Mas Eggleston, bem assessorado, já havia optado pelas cópias produzidas pelo processo denominado “dye transfer”, introduzido na década de 1940, onde as cores do negativo ou diapositivo original eram “impressas separadamente. Essa tecnologia, já quase em extinção àquela época, proporcionava um excepcional controle sobre as camadas (assim como no Photoshop atual) e o resultado eram imagens incrivelmente fortes e expressivas, como agradava ao artista. Algo assim como se vê nesta imagem, onde o amarelo nos arrebata. Mas cumpre registrar que o amarelo era o corante mais instável desse processo, quando exposto à luz e que, na presente exposição, podemos apreciá-lo em uma impressão a jato de tinta (de 2007) à base de pigmentos minerais, bem mais estáveis e que nos remete às suas célebres cópias de quarenta anos atrás.

À primeira vista, uma figura feminina vestida de amarelo, contrastando com o fundo da imagem. Imponente retrato, documento etnográfico onde muitos aspectos de dois mundos, figura e fundo, tornam-se imbricados – o toldo branco e vermelho, assim como o ar condicionado, as esquadrias, o canteiro de tijolos com seu verde e o piso rústico; aquele corte de cabelo, o vestido amarelo de um tecido curioso e desenho curioso, a bolsa Chanel e o impecável par de sapatos…

Se, por um lado, amarelar é perder o viço ou a coragem, por outro é tornar maduro. Madura tornou-se a fotografia de Eggleston, sem jamais envelhecer. Ainda hoje, um grande trabalho fotográfico, capaz de evocar tanta história, como nesta imagem-síntese. E de convencer-nos, mais uma vez, do quanto a cor, na sua fotografia, é essencial. Sem ela, nada, ali, faria sentido. E por isso é tão importante mirá-la e admirá-la.///

 

Joaquim Marçal Ferreira de Andrade é pesquisador da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional, mestre em design pela PUC/Rio, doutor em História Social pelo IFCS/UFRJ e professor de fotografia na PUC/Rio. É autor de História da fotorreportagem no Brasil: A fotografia na imprensa do Rio de Janeiro de 1839 a 1900.