Vijai Maia Patchineelam nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, em 1983, filho de mãe baiana e pai indiano, geólogo que emigrou para o Brasil nos anos 1970. Vijai cresceu em meio ao trabalho fotográfico do pai, cientista por profissão e fotógrafo por vocação. A ideia para o projeto desenvolvido na Bolsa zum de Fotografia surgiu de uma admiração pela dedicação do pai à fotografia e do papel que a fotografia desempenhou em sua infância de aproximar a parte indiana de sua família de sua casa no Brasil. Concebido durante uma residência artística na Áustria, o livro Samba Shiva tomou forma definitiva em 2016.
Nele, Vijai revisita o arquivo fotográfico do pai e desloca seu papel de artista para a função de editor. A estrutura do livro é mais emotiva do que cronológica ou temática, e é na organização das imagens do pai que Vijai procura desvendar a jornada pessoal do fotógrafo por trás delas. Essa troca de papeis, e a investigação da função do artista em instituições contemporâneas, é parte de outros projetos de Vijai, em especial sua pesquisa de doutorado na Universidade da Antuérpia, intitulada The artist job description: a practice led artistic research for the employment of the artist, as an artist, inside the Art institution.
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Você se propôs a discutir a questão da autoria no seu projeto, ao assumir o papel de editor de fotografias de seu pai. Quais os temas centrais deste trabalho?
Vijai Patchineelam: A troca de papeis entre artista e editor, por um lado, e entre cientista e autor, por outro, é fundamental. Um outro tema que anima a concepção do trabalho é a questão histórica da fotografia na Índia. O acesso à fotografia para o cidadão comum foi dificultado primeiro pelos ingleses e em seguida de forma não intencional, após a independência, pelo governo indiano, que promoveu o desenvolvimento de uma indústria nacional que não vingou.
Houve também um certo elemento de imprevisibilidade. Eu não tinha como prever como a proposta de publicar um livro comercial com as fotos do meu pai seria tratada dentro da instituição. Foi preciso elaborar um contrato de venda, e depois reelaborá-lo, para dar conta dessa condição dupla de artista e editor, uma publicação que é resultado de uma bolsa, e não um livro concebido e produzido de formas mais usuais. Me parece uma situação incomum, e um processo muito interessante. E certamente muito gratificante também, ver o livro com as fotografias do meu pai sendo vendido ao lado de fotógrafos como Claudia Andujar e Robert Frank nas livrarias.
O projeto tem um fundo pessoal, familiar. Qual foi o ponto de partida do projeto? Como ele se relaciona com outros trabalhos seus?
VP: O ponto de partida foram as fotos do meu pai e seu projeto de documentar sua vida adulta com certa dedicação e profundo interesse pela fotografia. Crescemos, minha irmã, meu irmão e eu, em uma casa habitada por essas imagens, de parentes fisicamente distantes, que moravam do outro lado do mundo e com os quais tínhamos pouco contato na época.
Sempre gostei de observar não apenas a atividade de fotografar de meu pai, mas também o cuidado que ele foi desenvolvendo em sua prática. Me faz refletir sobre minha própria atividade de artista. Meu pai é cientista, viajou o mundo por causa de sua profissão, e a fotografia sempre o acompanhou. No caso do artista, isso tem outro sentido, pois o ato de criar, seja pela fotografia ou outro meio, se torna profissão. Tenho certa reserva de assumir esse papel, não me sinto à vontade e, para ser sincero, ele não me interessa — como, por exemplo, publicar um livro de fotografias minhas. Penso que existem outras formas mais interessantes de trabalhar, de forma mais colaborativa, capazes de tratar de questões por outros pontos de vista.
O outro disparador do projeto foi uma troca de e-mails com o escritor Hemant Sareen. Ele me contou sobre a história da fotografia na Índia, a escassez de fotos feitas por cidadãos comuns naquela época, e da importância da inclusão desses exemplos hoje, como no caso do meu pai. Isso me motivou a publicar esse material, e tornar pública essa história pessoal.
Está planejada uma continuação do projeto? Quais os próximos passos ou planos em suas pesquisas e trabalhos fotográficos?
VP: Ano que vêm, junto com a artista Adrijana Gvozdenovic, vamos a Mumbai programar um espaço chamado cona Foundation. Além de programar, vamos coeditar junto ao escritor Aveek Sen e os fundadores da cona, os artistas Hemali Bhuta e Shreyas Karle, um livro sobre os sete anos de atividades do espaço. Penso que isso seria uma continuação, embora nesse caso a fotografia não seja o foco principal. O livro do meu pai abriu para mim essa possibilidade de agora trabalhar como editor em outros projetos, colaborar com ainda mais pessoas que admiro e com material menos familiar. Essa forma de continuar me parece mais consistentes com as intenções iniciais do livro, do que, por exemplo, apresentar o livro em si em diferentes formatos.
Quais as duas ou três imagens mais emblemáticas do projeto, na sua visão? Como elas condensam o conceito proposto?
VP: A minha mãe nasceu na Bahia, por isso gosto muito das imagens das páginas 136 e 137 do livro, onde tem uma justaposição de Salvador e de Rajahmundry, a cidade onde nasceu meu pai. Gosto também das primeiras páginas do livro, onde começa um passeio de barco pelo rio Godavari que aos poucos se torna uma viagem de pesquisa no barco alemão Sonne pelo oceano Pacifico. Mas o mais interessante do ponto de vista fotográfico são as imagens de testemunhos de sedimentos para a pesquisa que o meu pai fez sobre poluição no litoral do estado do Rio de Janeiro. Ali se vê um outro tipo de fotografia, mais prática. A justaposição, no livro, entre a vida intima e profissional, é um dos aspectos que acho mais emblemáticos.///
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Vijai Maia Patchineelam (Niterói, RJ, 1983)Vive em Berlim. Expôs no Centro Cultural São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foi selecionado pelo Itaú Rumos Artes Visuais 2011-13 e em 2008 pela Bolsa Iberê Camargo. Em 2017 publicou o livro Samba Shiva – As fotografias de Sambasiva Rao Patchineelam (Instituto Moreira Salles).