Fato e ficção na história da fotografia de guerra: quatro perguntas para Hilary Roberts
Publicado em: 13 de fevereiro de 2015Fotomontagem O portão da despedida, Londres, c. 1917, Francis James Mortimer. IWM HU 83640a | © Imperial War Museum
Imagem montada a partir de mais de 20 fotos diferentes, a maioria tirada no estúdio de Mortimer. A cena ambientada na Victoria Station, em Londres, teve grande popularidade na época, e enganou até a imprensa britânica, que acreditou na autenticidade da imagem.
No artigo “Uma batalha de imagens”, publicado na ZUM #7, Hilary Roberts, especialista em história da fotografia de guerra, trata da relação entre fato e ficção nas fotografias da Primeira Guerra Mundial. Cem anos atrás, o conflito foi um divisor de águas na história desse tipo de cobertura fotográfica.
A seleção de imagens que acompanha o ensaio na revista, garimpada por Roberts no acervo do Museu Imperial da Guerra de Londres – do qual ela é curadora-chefe de fotografia –, mostra o quanto as imagens manipuladas tiveram papel central na narrativa do combate. Fizemos quatro perguntas para Roberts sobre esse tema, conversa que você lê abaixo. A foto acima é parte da seleção publicada na revista, disponível na loja do IMS.
Você é curadora de fotografia Imperial War Museum, que abriga a maior coleção de fotografias da Primeira Guerra Mundial. O que despertou seu interesse em pesquisar a manipulação fotográfica nesse período?
Eu estou interessada em traçar as origens das influências-chave na formação da fotografia de guerra como a compreendemos hoje. A Primeira Guerra Mundial foi o conflito no qual a fotografia pela primeira vez desempenhou um papel significativo como meio de comunicação de massas. Foi nele, também, que o princípio de verdade documental foi incorporado como uma influência dominante e duradoura na constituição do gênero da fotografia de guerra. Em diversos aspectos, os fotógrafos da Primeira Guerra Mundial lançaram as bases para a cobertura de todos os conflitos subsequentes, embora tão pouco se conheça sobre eles, as técnicas que empregavam e os desafios que enfrentaram. É notável, quando você considera que o trabalho deles foi (e é) tão importante para formar o entendimento público da Primeira Guerra Mundial.
É comum associarmos manipulação fotográfica à pós-produção, mas, como mostra seu artigo publicado na ZUM #7, muitas vezes a manipulação está na encenação de uma situação que se pretenderia flagrar. Qual é sua definição de manipulação fotográfica?
Eu defino manipulação fotográfica como a criação deliberada de uma imagem que difere, em conteúdo ou aparência, do que ocorreu na realidade. Como eu explico em meu artigo [publicado na revista ZUM #7], manipulação não é sempre uma coisa ruim. Isso depende das circunstâncias e das intenções.
Você acha que o debate fotográfico produzido durante a Primeira Guerra se esgotou ali ou continua a ser relevante nos conflitos de hoje?
Eu acredito que a discussão permanece tão relevante hoje quanto era há cem anos. A tecnologia pode ter mudado, mas os fatores que compelem um fotógrafo ou um editor a manipular fotografias de guerra não. O que é e o que não é aceitável permanecem como questões abertas ao debate, e é importante que este debate seja aberto e transparente.
Você acha que a facilidade e rapidez com que se pode manipular as imagens digitais hoje alterou a relação entre fotografia e verdade? Isso mudou muito comparado ao período anterior à tecnologia digital?
O velho dito “a câmera nunca mente” se tornou tão enganoso quanto algumas das fotografias às quais ele se refere – embora as fotografias hoje não sejam necessariamente objetos tangíveis e a tecnologia digital tenha a capacidade de manipular imagens de formas que são imperceptíveis ao olho humano. Em minha experiência, isso tem fomentado um crescente senso de mal-estar sobre a veracidade na fotografia. As pessoas estão mais inclinadas a questionar uma imagem e a ativamente buscar mais informações sobre as circunstâncias nas quais ela foi produzida. Enquanto permanece aceitável manipular fotografias para criar trabalhos de arte, há pouca tolerância a tal manipulação no campo da fotografia documental. As câmeras digitais e suas lentes são agora tão boas e ubíquas que as pessoas estão muito menos inclinadas a aceitar as justificativas usadas no passado, tais como as limitações da câmera ou falta de acesso, como razões válidas para se manipular uma imagem hoje.
Hilary Roberts é especialista em história da fotografia de guerra e curadora-chefe de fotografia nos Museus Imperiais da Guerra, na Grã-Bretanha. É coautora de The Great War: A Photographic Narrative (2013).
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