Trabalho
Publicado em: 22 de julho de 2025
Estava gravando uma cena de Filme de aborto (2023), em que minha mãe aparece em primeiro plano no seu trampo de recepcionista de um consultório médico, quando pedi para que ela se retirasse do quadro e viesse junto a mim, atrás da câmera, para ver o enquadramento. Então, percebi: mais potente do que minha mãe trabalhando era a estranheza da cadeira que se movia suavemente com seu levantar, sua não presença, como um espectro do trabalhador que atravessa os tempos e atravessa a imagem e o som que o cinema tentou solidificar sobre nossa classe.
A convite da ZUM, apresento o processo de construção do meu novo filme, Trabalho. Por meio de inteligência artificial, altero imagens de arquivos cinematográficos, misturando-as com experimentações fotográficas – com a colaboração da artista Isa Katupyryb – e narração em off sampleadas da história do cinema e de depoimentos gravados com trabalhadores do meu bairro.
Escutem, nessas imagens, o pensamento reflexivo e inteligente de trabalhadores e pessoas como as da minha família, em que os homens viraram pedreiros e as mulheres viraram babás. Esses arquivos são visuais, mas carecem de interlocutores que possam agir escutando, movendo-se, pensando e atuando politicamente em suas comunidades.
– Lincoln Péricles
Intervenções em frames dos filmes O café: história e penetração no Brasil (1958), de Humberto Mauro; Cerâmica no Vale do Jequitinhonha (1975), de José Tavares de Barros; Cantos de trabalho: cana-de-açucar (1955), de Leon Hirszman; e Cantos de trabalho (1955), de Humberto Mauro. Roteiro, direção e montagem: Lincoln Péricles (LK). Direção de fotografia: Isa Katupyryb.
INCOMPLETO ABECEDÁRIO DA IMPROPRIEDADE
Por Juliano Gomes
Arquivo
Lincoln Péricles é um artista que nasceu e vive no bairro do Capão Redondo, na quebrada de São Paulo (SP). Além da biografia, esse dado é decisivo na lida audiovisual de LK – ou LKT –, pois prevalece na obra que ele desenvolve há uma década e meia: arquivar uma geografia instável, humana, urbanística, formal e afetiva.
LK começou a circular em festivais de cinema por volta de 2013, quando seu trabalho como educador audiovisual já se desenvolvia há algum tempo no extremo sul da cidade. A ideia de um cinema “fora do centro” ou “fora de centro” reverbera no conjunto de cerca de 20 curtas-metragens que ele realizou desde 2013, ano em que lançou Carta de interesse. Esse filme já carregava algumas características que encontraremos em toda sua obra: a dessincronia entre imagens e som, o registro do território e de uma sociabilidade ligada a ele, uma informalidade no tom, combinada a rupturas súbitas de montagem, produzindo a impressão de uma “conta que não fecha”, de certa inadimplência do sentido quitado. A premissa de convergência, de centralidade ou de unidade – com a função de conferir autenticidade –, que muitas vezes se exige da produção de imagens das periferias brasileiras neste século, é praticamente ausente nesses primeiros filmes, que, em conjunto, formam um desafiador caleidoscópio que parece nunca atingir um ponto de estabilidade em suas estratégias poéticas.
Beabá
Essa qualidade contracultural do trabalho de Péricles o distingue e, de certa forma, explica o atraso do seu reconhecimento e de sua incorporação institucional, especialmente em um momento histórico em que se busca desesperadamente a “fala autêntica do oprimido”. No entanto, o que seus filmes bradam é justamente um efeito de inautenticidade, produzido por diversas estratégias de estranhamento e desnaturalização.
Seu trabalho de educador se plasma nas realizações como cineasta na forma de um abundante expediente de ferramentas de ruptura do fluxo das imagens, colisões súbitas, transições de registro não anunciadas – que não nos deixam esquecer que estamos vendo um filme, uma colagem descontínua de imagens e sons. Há uma espécie de anti-ilusionismo permanente, que desequilibra nossa atenção e torna difícil antever a próxima peça do jogo, e uma constante interrogação sobre a natureza das imagens, em que texturas variadas, materiais de origens diversas e inventivas estratégias de montagem e composição nos colocam como espectadores de um cinema que destila sofisticação de forma bruta.
O parentesco com o cinema das atrações do fim do século 19 e início do 20 – que tinha como característica se dirigir diretamente ao espectador, mais interessado em produzir intensidade de sensações do que uma narrativa linear – se combina com o ecletismo de uma geração que já nasce e se forma em meio à circulação digital das imagens. Em geral, nos filmes de LK, uma estrutura de blocos heterogêneos, que se chocam entre si em termos de tom, registro e origem, produz um efeito antididático. O cineasta frequentemente recorre a arquivos coletados na internet, que podem variar de esquetes do seriado Chaves a cenas do documentário de vanguarda Longe do Vietnã (1967), de Chris Marker – como em Aluguel: o filme (2015).
Esse filme tem como núcleo a história de um técnico de cinema explorado, que é “comentada” pelos materiais de seu cotidiano árduo, dispostos em cena despretensiosamente e sem explicação aparente. A linguagem – a forma, pelo seu emprego mutante – é constantemente tematizada na experiência do filme, constituindo uma espécie de pedagogia, de alfabetização, sublinhada por uma arquitetura composicional heterogênea.
Capão Redondo
O território e o espaço formam um eixo que perpassa a obra de LK de maneira definidora. Muitos dos filmes marcam isso em seus créditos finais, enfatizando sua posição fora do centro geográfico, fora da capital, numa espécie de geografia antagônica. Curiosamente, nos últimos 30 anos, a região do Capão Redondo se tornou um território mítico no imaginário brasileiro devido à obra dos Racionais MCs. Nos filmes de LK, há um diálogo com o rap – muito presente nas trilhas sonoras –, em uma ética baseada na aspereza do trabalho, em favor da presentificação de uma memória da violência cotidiana. Apesar dos diversos momentos de comicidade, prevalece nos filmes uma atmosfera de gravidade, que soa mesmo como um compromisso, um cultivo. A experiência do trabalho precisa conservar certa brutalidade, para se proteger de uma eventual fetichização ou adequação aos regimes contemporâneos de docilização da expressão urbana periférica.
Definição
É difícil classificar os filmes de LK como ficção, documentário ou cinema experimental. Cada obra varia em sua forma, além de mudar internamente em termos de registro. Nesse sentido, se faz bastante presente a herança de uma arte dos primórdios, em que os filmes eram exibidos em feiras e parques, em salas improvisadas, circos e espetáculos mambembes; de um cinema que precede a própria “especialização” do que hoje chamamos “linguagem cinematográfica”, que, a partir de cerca de 1910, prioriza o longa-metragem de ficção baseado em fontes literárias, com uma forma fluida e transparente – hegemônica ainda nos dias atuais.
Observamos na produção cultural uma distribuição desigual da transparência: qualquer representante dos “condenados da terra” está fadado a falar a verdade, a testemunhar sua própria condição, enquanto os donos do dinheiro e da universalidade são proprietários também do direito à ficção, à invenção e à opacidade. No cinema de LK, contudo, o cultivo do aspecto áspero – o material bruto, a falta de polimento – põe ênfase no processo de construção das obras, expondo seus alicerces e desfazendo a tola antinomia entre uma tendência formalista, de um lado, e uma transparência testemunhal, de outro – caminho esse supostamente compulsório a qualquer “outro” (de classe, de raça, de gênero, de território). Apesar do intenso vínculo territorial, nos filmes aqui em questão, quase nunca temos garantido, como espectadores, o acesso à verdade indiscutível dos fatos.
Erro
Os filmes de LK e sua turma quebram constantemente as regras convencionais. Em Filme de aborto (2016), por exemplo, há um momento em que um plano fixo, provavelmente gravado de um tripé, se instabiliza. Pela nossa convenção visual, isso configuraria um erro técnico, que demandaria cortar e começar de novo. Porém, aqui, o plano se mantém, a instabilidade é incorporada e, mais do que isso, o expediente é repetido em uma sequência posterior. Assim, o erro se torna um mote de trabalho, explicitando suas condições de produção e, ao mesmo tempo, provando que o cinema não tem um abecedário fixo, mas um conjunto de situações ópticas e sonoras que podem se combinar de infinitas maneiras. Essa rasura do pacto de transparência é uma marca insistente e uma forma distintiva do cinema de LK.
Filme
Em um gesto paradoxal de afirmação e desafirmação, nos títulos de Mutirão: o filme (2022), Aluguel: o filme (2015), Filme de aborto (2016), Filme de domingo (2020) e Filme sem querer (2025), o autor sublinha a palavra “filme”, como se dissesse, ao mesmo tempo, que, “sim, isso é um filme”, e que “todos os filmes são assim, sempre foram assim: pedaços descontínuos, colados de forma a produzir ilusão de fluidez e continuidade”. Não só os títulos mas também o rico expediente de variação formal empregado nas obras enfatizam o gesto de criação em seu aspecto inerentemente artificial.
Gesto
Uma atenção à forma de expressar, ao gesto audiovisual, é outra marca desses filmes. Eles nos sintonizam em um ritmo que inverte nossos hábitos cognitivos, nos acostumam à instabilidade, de modo que, quando a estabilidade vem, e uma cena se demora mais, sentimos um certo estranhamento. Essa inversão do automatismo se converte em uma autêntica política da percepção, em que nossa atenção se aguça em direção a territórios incomuns.
História
É notável como, por acúmulo, os trabalhos vão construindo um vigoroso exercício de contra-história. Estamos diante de um projeto de longo prazo, que quer produzir uma memória de um espaço e de um conjunto de pessoas que não segue as caligrafias dos poderes constituídos e, ao mesmo tempo, busca lutar contra o apagamento histórico do ponto de vista dos vencidos.
A destituição da história é um dos principais trunfos políticos para desarticular os despossuídos, para nublar o padrão de exploração que permanece inalterado desde os tempos das navegações. O espaço na quebrada é essencialmente instável: remoções, puxadinhos, obras em ano de eleição; a mudança é cotidiana nos becos e vielas. Na obra de LK, a energia iconoclasta se combina a uma força inventariante, que conserva e registra ruas de terra e asfalto, escadarias, becos, praças, terrenos baldios, nomes, gírias, silêncios e ruídos. Com o tempo, todos esses filmes passarão a narrar o que esses lugares não são mais e servirão como um estranho álbum de fotografias, ao qual se retorna para ver o já sido.
Impropriedade
A difícil tarefa de sintetizar esses diferentes trabalhos encontra um caminho possível na ideia de antiassinatura. A irreverência, a heterogeneidade de ferramentas utilizadas, de tom, de origem, e a constante desobediência às formas tradicionais são traços do que podemos resumir como “impropriedade” – no sentido do que é inadequado, do que não cabe no momento, do que não consta nas regras e, acima de tudo, do que não tem dono. Trata-se de não ser proprietário nem da própria experiência, pois ela é compartilhada, dividida, refratada.
A propriedade – a invenção mesma da ideia como mecanismo de expropriação, roubo, pilhagem – é característica inerente da colonialidade em todos os seus aspectos. O impróprio, por outro lado, é inadequado, impreciso, incorreto, desaconselhável, inconveniente, imoral, indecente, indecoroso. Essa escolha ética, essa afirmação de despossessão, é o que confere ao trabalho seu aspecto impróprio, sua derivação inapropriada – em que o contexto é essencial para gerar novos significados.
Isso ocorre em um momento histórico de enorme pressão por adequação, por uma clareza discursiva, constituindo muitas vezes a única forma de um artista de periferia conseguir inserção institucional: cumprindo o papel que os proprietários esperam dele. Portanto, manter-se fiel à infidelidade do impróprio é cultivar sua própria reserva de invenção, buscando soluções novas para contextos distintos, sem nunca se fechar em traços unificadores, de assinatura autoral, compro- metendo-se a não se tornar um só, a não individuar a própria caligrafia fílmica.
Jogo
Dentro da economia contemporânea das identidades, LK sabe jogar o jogo, protegendo a autonomia de seu trabalho. Por mais que o cineasta afirme publicamente uma autenticidade em relação ao seu território de origem e de atuação, sua obra diverge, requisita independência, não obedece ao dono e não se permite ser limitada por essa chave de leitura. Com frequência, o que se vê é opaco para quem não domina os códigos de procedência, para quem não conhece o lugar filmado, o nome da ocupação, da banda que toca o som ou do padre que ajuda os moradores – como o que aparece em Mutirão: o filme.
No começo desse curta, observamos uma criança jogando no celular o famosíssimo Minecraft – jogo de sobrevivência e construção de espaços. Em seguida, a menina narra, em voz over, a memória da ocupação que deu origem ao prédio e ao bairro onde mora, construído por meio da mobilização coletiva dos mutirões. A montagem de LK, assim, produz um choque entre a imagem sintética dos games e a imagem granulada das fotografias analógicas do mutirão, atravessadas pela narração à moda youtuber da criança – justaposição essa que opera, simultaneamente, uma crítica da história urbana da região e da história dos modos de imagem.
Leitura
Diante da alteridade radical, a Ordem sente-se autorizada a englobar tudo na cegueira de sua própria língua. Diante da exigência de visibilidade imediata imposta pelo capitalismo de dados, o que não se entende, o que é incompleto, deve ser deletado; o que não pode ser convertido em enunciado se torna, cada vez mais, um estorvo. A constante sensação de incompletude, de não entender tudo, que assola a experiência de assistir aos filmes de LK – especialmente para quem, como eu, não tem a memória empírica dos territórios filmados –, torna-se uma oportunidade de desautomatizar o olhar, de operar um descondicionamento que boa parte do cinema atual parece ter abandonado como tarefa política. Num tempo em que há nichos de mercado para tudo, em que tudo é permitido – desde que encontre seu público-alvo –, a insistência tenaz na opacidade é uma negação à inserção em um sistema de inscrição alheio.
A passagem histórica do espectador para o modelo de cliente/consumidor é tema de O cinema acabou, que narra a transformação de uma sala de cinema em loja de uma grande rede de varejo. O filme, ainda inédito, mistura documentário, fantasia, registro e performance, compreendendo uma trajetória que vai do fordismo ao Instagram.
Montagem
Em grande parte de seus filmes, Péricles assina as principais funções técnicas – fotografia, som e montagem. Seu modelo de produção foge da regra fordista do “cinema profissional”, de divisão publicitária do labor, que prioriza processos de curta duração por meio da maximização do trabalho em jornadas desgastantes, com equipes infladas. LK, ao contrário, aposta em um cinema feito a longo prazo, de permanência no território, em que os processos duram o tempo que precisam durar – modelo sustentado por uma estrutura de trabalho mais artesanal. Essa duração estendida revela-se essencial não apenas na fase de montagem, mas em seu método mesmo: um fazer contínuo e permanente que, além de se concretizar nas obras, confunde-se com a própria sociabilidade e a vida coletiva.
Necessidade
Em 2014, LK publicou o manifesto Por um cinema pedreiro: “O pedreiro sabe em todos os seus poros ser arquiteto e engenheiro, não como condição de uma classe opressora, mas como uma necessidade bruta de levantar um espaço, um lugar, uma coisa”.
Outros
A sinopse de Filme dos outros (2014) diz: “Primeiro cinema. Os playboy filma, e nóis assiste.” O filme consiste em fragmentos que seguem um padrão: em cartelas pretas com letras brancas, lemos, na primeira linha, o modelo de um telefone celular ou de uma câmera fotográfica digital; na segunda linha, a indicação do bairro de São Paulo em que o objeto foi roubado; e, na terceira, a data do roubo. Em seguida, vemos imagens com resoluções variadas de pessoas em momentos de lazer: uma visita ao estádio de Itaquera, uma criança brincando, um passeio de bugue nas férias, uma viagem de metrô.
Estruturado como uma espécie de cinema dos primórdios, com planos únicos, o filme conceitual faz uma cartografia da cidade através do roubo, pela colisão de classes sociais – de proprietários e não proprietários –, invertendo a perspectiva tradicional e retornando o olhar àqueles que costumam ser os donos das formas de ver e de saber. A expressão “dos outros”, no título, adquire múltiplos sentidos: designa um filme que usa material alheio e, ao mesmo tempo, um filme feito por aqueles que sempre foram os outros – que sempre foram expropriados do exercício de feitura de sua história e de sua imagem. Filme dos outros faz com que a eventual ternura dos vídeos caseiros de quem teve o telefone furtado seja vista através de um véu de violência histórica, urdindo o impessoal ponto de vista do ladrão. Assim, as imagens são destituídas de qualquer virtude moral; não ostentam bondade ou caridade; e, acima de tudo, não têm “lado certo”.
A quebra do acordo de propriedade é acompanhada pela ruptura de expectativa sobre o que constitui um filme. O inventário de planos aleatórios – espécie de mapa multimídia incompleto – constrói uma história, uma geografia, um modo de vida, como no restante da obra de LK. Aqui, contudo, a imagem devolve o olhar para os tradicionais detentores das câmeras e de todos os direitos – inclusive ao lazer. Desse modo, Péricles quebra o pacto do “outro de classe”, eternamente condenado a só falar de si, a ser sujeito enunciativo apenas da própria experiência. Afinal, nessa obra tudo é impróprio: a forma, a moral e a técnica são vigorosamente desobedientes às convenções do cinema.
Esse estado fronteiriço produz uma curiosa desorientação em relação à nossa capacidade de identificação: afinal, quem é você nesse mapa – o ladrão ou a vítima? Ao mesmo tempo, os filmes de LK e seu grupo produzem uma estranha “empatia técnica” – um sentimento de que “eu poderia ter feito esse plano” –, dissolvendo a fronteira entre o cinema e o não cinema, entre o amador e o profissional, entre a imagem full e a “imagem pobre” – termo cunhado pela cineasta alemã Hito Steyerl para refletir as imagens de origem e resolução precárias, cujo valor estaria mais em sua capacidade de circulação do que em atributos materiais ou técnicos.
O clipe de rap no final de Filme dos outros não é só a parte mais plenamente narrativa da obra, mas a evocação de uma arte que se alimenta da reapropriação e da ressignificação de materiais alheios, de animar e energizar “coisas dos outros” – método que atravessa toda a produção de LK.
Pré-visibilidade
Estamos diante de um artista cuja obra se coloca em pleno estado de afronta às forças majoritárias de seu tempo. O rap, as imagens amadoras, as práticas de trabalho coletivo, antes de serem tema, são motes de uma escrita sensorial da história que, acima de tudo, desobedece às normas dos donos. As batalhas sociais e políticas brasileiras são, em grande parte, guerras gramaticais – de linguagem. Toda palavra é local, todo ritmo produz forma histórica. E toda história organiza – recalcando ou enfatizando – a presença da violência. No cinema de LK, cada corte descontínuo, cada dessincronia evoca o registro do saque original, a expropriação absoluta – e a criação de um mundo novo, com regras impróprias, faminto de tudo, sem cercas ou divisões, mas repleto de tensão e instabilidade. O que se insinua é um cinema do século 21: eclético, zoeiro, sofisticado, bruto, brincado, infiel e brasileiro, que trafega com desconcertante naturalidade sobre tudo o que as imagens ainda podem ser e fazer, para além de todo o controle e a previsibilidade que hoje as assolam. ///
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Por um cinema pedreiro (2014), publicado originalmente na revista Zagaia.
“Em defesa da imagem ruim” (2009), de Hito Steyerl, ensaio publicado na revista serrote #19 (2015), do IMS.
Lincoln Péricles (LK) (São Paulo, SP, 1989) é cineasta autodidata e educador popular. Idealizador da Cinemateca da Quebrada, membro do coletivo Astúcia Filmes, dirigiu e roteirizou Meu amigo Pedro Mixtape (2023), Roubar um plano (2023), com André Novais Oliveira, e Mutirão: o filme (2022), entre outros.
Juliano Gomes (Vila Velha, ES, 1982) é cineasta, crítico de cinema, professor da Faap (SP) e mestre em comunicação social pela UFRJ. Editor da revista Cinética, publicou artigos nas revistas Film Quarterly, World Records Journal e piauí, entre outras. Dirigiu os filmes As ondas (2016), com Léo Bittencourt, “…” (2007) e Nada haver (2022).