Barro é palavra/matéria que carrega terra e água, e é recorrente em nomes de lugares de Minas Gerais: Barreira de Jaíba, Barreira da Onça, Barreira do Triunfo, Barreira dos Mamonas, Barreira Grande, Barreira Nova, Barreirada, Barreirama, Barreirão, Barreirãozinho, Barreiras, Barreirinha, Barreirinho das Pedras, Barreiro de Cima, Barreiro de Baixo, Barreiro de Dentro, Barreiro do Mato, Barreiro Fundo, Barreiro Grande, Barreiro Novo, Barreiro Velho, Barreiro Vermelho, Barro Alto, Barro Amarelo, Barro Azul, Barro Branco, Barro Frio, Barro Grande, Barro Preto, Barro Quente, Barro Serra, Barro Velho, Barro Vermelho, Barro da Égua, Barroca, Barroca da Viturina, Barroca da Água, Barroca Funda, Barrocão, Barroquinha etc.

O termo “barro” está contido em “barragem” – a estrutura que falhou em conter o rejeito no desastre de Mariana em 2015, que destruiu o rio Doce, e no desastre de Brumadinho em 2019, que sufocou o rio Paraopeba, matando mais de 270 pessoas sob uma enxurrada de 12 milhões de metros cúbicos de água e terra.

Lama é um barro mais líquido e também significa “miséria”. Ela está presente no nome de lugares como Lamas, Lamarão, Lameira, Lama Preta, Lameiro, Lamerão, e está implícita no cenário de destruição onde as barragens se romperam. A lama que se espalhou nos desastres é material denso e pegajoso que, ao se assentar, forma uma camada grossa, constituindo um novo terreno sem nome.

A lama é um material que tem plasticidade. No caso dos desastres, é um peso funerário em forma de mineral plástico, de consistência movente, que mesmo seco pode ser pegajoso, instável, desestabilizador. Nos eventos aqui referidos, a lama é uma invasora mortal, apenas lentamente lavada pela água do rio, que luta para passar, até atingir o oceano, espalhando morte por todo o caminho.

Vale, a companhia multinacional que lucra com a extração de minérios, de água e de vidas, é proprietária das minas onde as barragens se romperam e responsável por esses desastres criminosos, que espalharam medo: o país tem mais de 50 estruturas similares ameaçadas. “Vale” quer dizer “terras baixas”. A companhia, que é umas das maiores mineradoras do planeta, é eficiente em aplainar Minas Gerais, extraindo montanhas e destruindo com rejeito os vales nos quais correm os rios. Quanto ao “valor” implícito em seu nome, que significa lucro, ele é invisível e muito distante dos lugares dos quais a empresa extrai recursos e que ela recobre de lama e de miséria. Sua filial internacional na Suíça tem vista para os Alpes, se avizinha de pomares e maneja os ganhos dos negócios com a Europa, o Oriente Médio e a América do Norte, e é onde mantém um departamento de “gerenciamento de riscos”. ///

Mabe Bethônico (Belo Horizonte, MG, 1966) é artista, pesquisadora, mestra e doutora em artes plásticas pela Faculdade Real de Arte, em Londres. Seu trabalho foi exibido na 27a e na 28a Bienal de São Paulo, no MAM-SP e em instituições como a Pinacoteca (SP), o Museu de Arte da Pampulha (MG), o Centro Pompidou, em Paris, e o Centro de Fotografia, em Genebra.

Todos os esforços foram feitos para identificar os créditos das fotos dos jornais.

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