William Klein (1967)
Publicado em: 21 de outubro de 2022Ouvi dizer que, quando William Klein veio ao Japão para fotografar Tóquio, na primavera de 1961, começou a disparar a câmera no instante em que pôs os pés na escada de desembarque do avião. De fato, deve ser desse momento a foto em plongée, quase no meio do livro Tóquio, registrando uma verdadeira muralha composta de cartazes enormes enfileirados diante do aeroporto de Haneda, anunciando câmeras, gravadores e rádios transistores. Lembro que, quando ouvi essa história, eu, que sempre considerara o trabalho de Klein muito interessante, mas não conseguira até então compreendê-lo em sua totalidade, me dei conta repentinamente de que aquilo não era uma simples anedota artística, mas um acontecimento revelador em que o próprio Klein explicava a si mesmo. Desde então, toda vez que penso em William Klein, lembro-me de Albert Camus, que, em seu ensaio “Um raciocínio absurdo” (em O mito de Sísifo, de 1942), expõe uma teoria existencial pessimista e agressiva. Camus indaga com persistência se viver vale ou não a pena, se o absurdo leva o ser humano ao suicídio, concluindo enfim que a questão está em como se consegue a façanha de continuar vivendo pelo máximo de tempo em um mundo continuamente equilibrado entre racionalidade e irracionalidade – substituindo qualidade de vida por quantidade de vida –, e derivando daí sua filosofia do absurdo.
O filósofo francês do absurdo e o “furioso jovem fotógrafo norte-americano” (como Helmut Gernsheim chama Klein, em História concisa da fotografia, de 1965). Nessa união, à primeira vista um tanto esdrúxula, parece existir, contudo, um elo: a convergência do ceticismo e do racionalismo como método de perceber o mundo. Ainda que mantivesse certa desconfiança quanto à perspectiva racional, Camus não só nunca abandonou a razão, como fez dela o único recurso para desmantelar o mundo total e concluído em incontáveis fragmentos; e, acompanhando o pensamento de fenomenologistas como Edmund Husserl, pregou a observação contínua de cada fragmento de maneira cartográfica. Já William Klein, começou pelos enormes cartazes do aeroporto de Haneda, registrou Tóquio em sua real condição caótica em astronômicas 50 mil fotografias, e foi embora do país. Em 1956, aos 30 anos, Klein, que tinha sido discípulo de Fernand Léger e editor da revista de arquitetura Domus, publicou sua primeira coletânea de fotos: Nova York. O impacto provocado por esse único álbum fotográfico foi de uma intensidade nunca antes registrada. Na verdade, foi quase um pânico. Grão estourado, contrastes de preto e branco, predomínio de fotos desfocadas, a ponto de não haver quase nenhuma com foco definido e, sobretudo, descaso total com a composição, que por muito tempo foi considerada a alma da fotografia. Hoje em dia, essas inovações formais não são raras, mas pode-se imaginar que naquela época tenham sido literalmente chocantes. Sem dúvida, como em geral acontece com as novidades, as fotos caíram nas graças dos jovens. Por outro lado, é perfeitamente compreensível que, aos olhos da categoria de fotógrafos que tem Henri Cartier-Bresson como representante máximo e acredita com firmeza na estética do enquadramento estático, as fotos de Klein tenham sido consideradas insolências, brincadeiras amadorísticas ou, ainda, simples experimentos artísticos. Logo após a publicação de Nova York, a crítica estava polarizada, e a obra foi mais defendida por profissionais das artes plásticas e do cinema do que no próprio meio da fotografia.
Não obstante, William Klein, e em especial seu Nova York, é hoje um marco incontornável na história da fotografia, sendo sempre citado ao menos uma vez na maioria dos compêndios sobre o assunto. As opiniões, contudo, continuam extremamente variadas, e a aprovação parece depender do humor dos avaliadores, não sendo ainda possível encontrar um comentário que realmente se aproxime do âmago do pensamento de Klein, com raras exceções.
“Sensação de crise iminente provocada pelo aumento exacerbado da cultura da automatização”; “A depressiva inquietude e solidão dos habitantes das metrópoles”; “Nova York simbolizada por ar, água, terra e dólar”; “Cultura de autossatisfação de coisas do tipo classe burguesa, classe proletária e classe dos que vivem de juros”; uma coletânea fotográfica extraordinária que apresenta o “cotidiano” de maneira “simbólica” e como “crítica cultural”. Variadas são as palavras conferidas a esse único álbum fotográfico, mas as avaliações mais aceitas são as citadas acima.
Porém, não acho que as coisas sejam tão simples. Tenho a impressão de que essas avaliações constituem meros comentários tranquilizadores per se, destinados a ligar diretamente a composição incerta à insegurança do homem moderno, o grão estourado aos arroubos da emoção e da psique humana, numa operação semelhante à decifração de um código. Certamente é possível atribuir um adjetivo que expresse certo clima a cada uma dessas fotos fragmentadas da Nova York atual e dos inúmeros homens, mulheres e crianças que nela habitam, e delas extrair algum tipo de sentido. Todavia, parece-me que, quando todos os fragmentos são reunidos, rechaçam um a um tais adjetivos. A questão é a seguinte: será que Klein tinha a priori uma visão de mundo capaz de ser resumida em adjetivos como “solitária” e “insegura”, e usou Nova York como tema para “expressar” e “desenvolver” essa visão? Ou seja, Klein, com o objetivo primeiro e último de transmitir um conceito ou uma ideia, teria escolhido Nova York como material fotográfico e, a partir disso, selecionado e arranjado apenas o que transmitia sua mensagem? Se esse foi o caso, não posso dizer que o projeto de Klein tenha sido bem-sucedido. Serei o único a considerar que, em Nova York, as fotos “boas” (ou talvez devêssemos dizer as “fotos de fato”), que parecem simbolizar solidão, angústia, irritação, tiveram sua tensão quebrada por uma sucessão de imagens somente classificáveis como impuras? Nesse caso, Robert Frank, nas fotos escolhidas a dedo para o livro Os americanos (1958) – basta citar uma ou duas: o busto de um ancião de aspecto infeliz recostado em um muro com um cartaz pendurado sobre o peito onde está escrito “Acorde!”; ou o grupo de jovens homossexuais afro-americanos que, diante da câmera, fazem pose levando a mão à boca em um gesto sedutor; ou ainda o casal de meia-idade em pé no convés de um transatlântico, debaixo de um céu nublado que ameaça chuva a qualquer instante –, não teria capturado de maneira incomparavelmente mais exata o espírito sombrio e gelado do homem moderno?
Mas Klein reverteu o esquema “concepção → expressão”. Provavelmente, o que o motivou a se decidir pela produção de Nova York não foi o sentido histórico, político-econômico ou sociológico da cidade, mas uma abordagem da própria Nova York sem visor, com grãos estourados e cortes marcantes etc. etc., ou seja, uma priorização do método. Em vez de desenvolver um tratado cultural, Klein optou por investigar metodologicamente a própria cultura.
Mas, ao contrário do que se imagina, método não é de modo algum recurso ou ferramenta, “porque os métodos envolvem metafísicas, traem na sua insciência as conclusões que, às vezes, pretendam ainda não conhecer” (Camus, “Um raciocínio absurdo”).
Outrora, a arte era uma das ocupações místicas do ser humano, por meio da qual se profetizava sobre o mundo em sua totalidade, apenas se observando a folha de uma árvore. O artista, muito antes de ser alguém que conhece ou pesquisa algo, era alguém que expressava alguma coisa, que simbolizava e desenvolvia em sua obra o sentido do mundo, captado previamente à obra. Nessa situação, o mundo é para o artista uma esfera translúcida, total e concluída; e aquém dele, estou “eu”, sempre imóvel e sólido. E, entre mim e esse mundo também imóvel, existe apenas uma linha reta que une os dois pontos, constituindo uma relação estática.
Logo, a elaboração da obra não representava dúvida alguma para o artista. Só o fato de existir algo desconhecido ou imprevisto entre o artista e o mundo provavelmente já o desqualificaria. O artista apenas necessitava trabalhar com afinco para desenvolver e transmitir às pessoas, de modo mais efetivo, esse mundo previamente captado. Simplificando, era um problema técnico.
Vamos então chamar esse tipo de método artístico, independentemente da terminologia vigente, de simbolismo. A respeito desse simbolismo, deixemos claro que ele pressupõe um ponto de vista fixo, o eu. Uma pessoa observa o mundo a partir de um ponto de vista, isto é, o olho que observa já desvendou o sentido do mundo. No simbolismo, tudo se desenvolve de maneira, digamos, “consentida”, em relação ao sentido do mundo apreendido a priori. Assim, o que escapa é o significado do processo de produção, não a contínua transformação por que eu e o mundo passamos na elaboração da obra. Os olhos do autor não eram olhos humanos expostos às incertezas, mas olhos repletos de confiança, muito mais próximos aos de Deus.
Se me permitem acrescentar uma pequena digressão, pode-se também dizer que o simbolismo foi um método histórico válido durante todo o período moderno, ou seja, desde a Renascença até o começo do século 20. Uma forma de pensamento globalizado que, partindo da descoberta da razão e da individualidade, atravessou incólume o período do “triunfo da razão” e da “individualidade perfeita”, tendo sua validade seriamente questionada pela primeira vez no início do período contemporâneo, após a deflagração da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e o rápido desmoronamento do mundo e da humanidade.
Ao introduzir, no lugar de um ponto de vista imóvel, incontáveis pontos de vista em contínuo movimento, William Klein não teria enfrentado o próprio simbolismo? Esta é minha dedução e ao mesmo tempo minha conclusão.
O crítico Shigemori Koen, em seu livro A arte fotográfica, fala brevemente a respeito de William Klein: “Klein nutria desde o princípio dúvidas sobre como estabelecer corretamente a posição do ‘olhar’. Ele se negou terminantemente a medir com réguas ambíguas, ditas ‘objetivas’, a distância entre o sujeito e a realidade-alvo. Em outras palavras, sua metodologia se origina da desconfiança quanto ao próprio ato de ‘tirar’ uma foto. […] Seria mais adequado dizer que sua câmera não ‘vê’ o público, ela o ‘agarra’”, diz o crítico, ligando Klein diretamente a Robert Capa, na qualidade de “captador da realidade”, e opondo a eles fotógrafos que valorizam a composição, de Henri Cartier-Bresson a Robert Frank. Essa análise talvez tenha compreendido o cerne da questão. Aquelas imagens feitas por Klein sem olhar para o visor, que parecem se precipitar, em especial aquela muito citada de Nova York – em que homens e mulheres formam uma multidão desordeira entre prédios avançando em direção à câmera –, só surgiriam como resultado dessa experiência excitante, densa e humana que foi o encontro do fotógrafo com Nova York. Nesse sentido, Shigemori Koen está certo ao dizer que o visor de Klein não determina a realidade; ao contrário, é determinado pela realidade a partir de fora.
Contudo, quando o crítico Shigemori enfatiza a deferência de Klein em relação à realidade, ou seja, quando emprega palavras que fazem perder de vista a força do olhar reverso de Klein por trás da experiência, é impossível não questionar de imediato. (No caso de Robert Capa, o que sustentou suas fotos foi pura e simplesmente essa experiência. E eu, com certeza, admiro Capa, diferentemente de por que admiro Klein, acima de tudo como um honesto jornalista e como um personagem heroico de uma época ditosa, em que ser jornalista significava nada mais nada menos que viver integralmente um tempo de relevância histórica.)
Não obstante, em que consistiria a experiência de Klein? Em termos simples, é o seguinte: o escritor vivencia o mundo através das palavras; o músico, através do som; o fotógrafo, acima de tudo e apenas, através do olhar; e se perdermos de vista essa simples verdade, qual seja, a de que cada um não só lança mão de recursos diferentes, como também o teor das vivências que obtém por intermédio de seus respectivos recursos é discrepante, a questão terminará no domínio do panteísmo. Se não fosse assim, seria apenas a experiência rotineira de um indivíduo comum, degeneraria em vivência sem método.
Isso fica ainda mais claro quando relacionamos Nova York, de Klein, e Doce vida (1966), de Ed van der Elsken. Eu mesmo cheguei à conclusão de que Doce vida foi influenciado por Nova York. Mas, ao compararmos o olhar dos dois artistas, evidencia-se uma diferença, aliás, decisiva, entre eles, à primeira vista muito parecidos em questões como negação do enquadramento estático, uso do grão estourado, atmosfera de violência generalizada etc. (Van der Elsken, na entrevista ao crítico de fotografia Ito Soubei, diz que o fotógrafo que ele mais admira é William Klein, o autor de Nova York [“Van der Elsken no Japão”. Camera Geijutsu, fev. 1960].) No entanto, enquanto Elsken observa tanto pessoas como objetos com um olhar humano e doce, a ponto de por vezes parecer fetichista, como é frio e cruel o olhar de Klein para crianças e mulheres! Suas crianças não se parecem absolutamente com crianças, por pouco não são confundidas com criminosos.
Sempre carregando consigo a dúvida quanto à posição do olhar, ainda assim Klein não desiste de olhar. E foi provavelmente a partir disso que decidiu produzir Nova York. Aqui, percebo a agressividade do seu olhar reverso. Conforme escrevi no início, vejo em sua consciência reversa e em seu olhar metódico e seguro, ainda mais aguçado em virtude da reversão, o aguerrido pessimismo de Albert Camus, que, carregando sobre os ombros a desconfiança quanto à razão, ainda assim confronta o mundo absurdo de maneira cartográfica, amparando-se apenas na razão.
Sem dúvida, olhar é um ato extremamente consciente e, ao mesmo tempo, um extraordinário trabalho espiritual e racional. Chris Marker, diretor do filme La Jetée (1962), declara a respeito de Nova York, de Klein: “Vê-lo foi uma experiência em tudo semelhante à de ter um ‘pesadelo’, mas para mim o comentário extrapola a condição de simples crítica e me leva a pensar na enorme semelhança entre a estrutura de Nova York e a de um sonho. O que normalmente experimentamos num sonho é bem complexo: sonhamos que estamos voando, mas, ao mesmo tempo, nos vemos voando. Num sonho, o ponto de vista não se restringe a um só; ao contrário, um sonho é constituído de um, dois, três, por vezes incontáveis pontos de vista. Esta é a exata origem da ansiedade indescritível que nos assalta quando sonhamos. A situação subverte bruscamente o costumeiro intervalo do nosso espaço-tempo e libera a nossa consciência para um mundo inimaginável quando estamos despertos. Além disso, num sonho, todas as coisas surgem de maneira dispersa, bidimensional e em série. Nele, o sentido que minha perspectiva atribui às coisas está totalmente extinto”.
O espanto, a ansiedade e a irritação que as pessoas experimentam ao ver Nova York são do mesmo tipo. Profusão de imagens fragmentadas, o radical método bidimensional de imagens sucessivas que poderíamos chamar de composição não compositiva. Aqui, todos os homens, mulheres, crianças e coisas perderam sua tridimensionalidade e foram totalmente destituídos da aparência que costumam ter no cotidiano. Eis por que seria um esforço inútil apanhar uma foto que por acaso tenha nos agradado e nela introduzir sentimentos na tentativa de obter algum tipo de percepção. Em outras palavras, as fotos não dispõem de um sentido, de um “rosto” a partir do qual lhes seja atribuída uma nomeação. Elas estão aí apenas como componentes do enorme espaço de pesadelo de Nova York.
A essa altura, já deve ter ficado claro que a semelhança entre Nova York e o sonho não é mera coincidência, mas algo necessariamente derivado do método de Klein. Contudo, e embora esta citação seja um tanto longa, gostaria de que lessem a experiência alucinatória de uma jovem esquizofrênica, uma projeção direta de um sonho (subconsciente) no consciente, pois ela certamente tornará mais clara a relação entre Nova York e a estrutura do sonho.
“Ao ver que todas as coisas reluziam como minérios, que cada uma estava separada da outra sem que houvesse qualquer relação entre elas e que brilhavam de maneira aguda e agressiva, senti um medo inacreditável. Ao observar uma cadeira ou uma jarra, por exemplo, não pensava nos meios de usá-las ou em suas funções, não pensava na jarra para pôr água ou leite, na cadeira para sentar, ou seja, eu as via como coisas que perderam nome, função ou sentido. Em outras palavras, elas se tornaram ‘entes’ e adquiriram vida. Seres desse tipo provocam extremo pavor. E numa cena irreal, em meio ao silêncio lúgubre de meus sentidos, repentinamente esses entes saltaram no ar” (M. A. Sechehaye, Diário de uma esquizofrênica).
Depois dessa descrição, a jovem relata uma experiência por que passou no auge de sua loucura, quando se transforma em sua boneca de estimação e fica triste pela tristeza da boneca; essa ruptura de ponto de vista provoca pavor e ao mesmo tempo uma profunda empatia. Isso acontece porque estilhaça de uma só vez o nosso mundo petrificado e refém de significados e nos arrasta à força para um mundo infinito que nunca vimos.
Eis por que o olhar de Klein em Nova York difere estruturalmente do olhar do simbolismo. Esse olhar não é mais algo estático do tipo “estou aqui e o mundo está aí” de até então; mas um olhar que se move de maneira contínua e irrestrita e se apoia em incontáveis pontos de vista. Certamente é por isso que, ao verem Nova York pela primeira vez, as pessoas se incomodam com a discrepância entre as fotos e têm a impressão de que falta coerência a elas. Pois o olhar que o fotógrafo lança ao mundo não é uma camada única, mas um olhar complexo, multicamada, cujo pré-requisito é o fato de que seu posicionamento muda, assim como a aparência do mundo muda, infinitamente. Para ser mais exato, talvez se possa dizer que seu olhar já contém a sistematização desse tipo de olhar móvel. O mundo não é mais um universo estático e concluído, mas muda de aspecto a todo instante, metamorfoseando-se em uma nebulosa que flui e se transfigura de maneira incessante conforme o movimento do olhar.
Com o olhar apurado, Klein vai fixando em filme essas imagens fragmentadas do mundo. Seria exagero afirmar que, para ele, o ato de fotografar não significa expressar o mundo capturado, mas uma viagem interminável de pesquisa e reconhecimento rumo a um mundo nebuloso e infinito?
William Klein viu muita coisa em Nova York. Dedicou-se a anotar cada um dos inúmeros fragmentos de realidade que testemunhou. “Não existe nada além disso.” Nova York e as pessoas que ali vivem talvez sejam solitárias, alienadas, ou talvez estejam mergulhadas no mais profundo desespero. Mas Klein jamais procurou chegar a uma conclusão. Muito menos explicar de maneira simbólica e facilmente compreensível uma conclusão que porventura já existisse. Pois como seria possível afirmar que o mundo é de determinada maneira?
Assim, não é correto pensar em Nova York como “um projeto destinado a apreender Nova York como uma mistura de cultura materialista com cheiro de morte” (Shigemori) ou como “um tratado cultural contemporâneo sobre a sensação de crise iminente provocada pelo exacerbado aumento da automatização”, tampouco é correto pensar que Nova York pretenda “desprezar e afrontar a cultura de autossatisfação de coisas do tipo classe burguesa, classe proletária e classe dos que vivem de juros”. Pois Nova York nada tem a ver com os chamados “tratados culturais”. Se me permitem uma breve digressão, como é grande a quantidade de tratados culturais descuidados nos trabalhos dos ditos fotógrafos socialistas! Às vezes, são representações óbvias da multidão solitária do sociólogo americano David Riesman, ou explicações fotográficas de situações despreocupadas ou alienadas de uma sociedade de massa, as quais acabam sendo simples cópias de coisas já teorizadas em palavras. Podem até ser vistas como paródias nascidas de uma compreensão errônea de Klein. De fato, em Nova York estão capturadas imagens da América como uma sociedade de massa, sobretudo, imagens humanas sombrias que, por vezes, pressagiam a morte em uma cidade que é a expressão máxima do país. Mas tudo isso, no final, não passa de algo secundário no olhar investigativo do fotógrafo.
O que diferencia definitivamente William Klein de Cartier-Bresson e de Robert Frank resume-se a um único ponto: enquanto Klein vê a fotografia como um método de pesquisa e reconhecimento, um plano de aventura em um mundo infinito, Bresson e Frank, muito embora isso possa parecer óbvio, consideram a fotografia um meio para expor de maneira direta uma visão do mundo, como o fato de que o homem é um ser trágico e triste.
Em nosso cotidiano, encaramos o mundo como se ele já estivesse totalmente elucidado. E se assim não fosse, provavelmente nunca conseguiríamos viver um dia a dia contínuo e estável. Mas o que de fato sabemos sobre o mundo? Achamos que sabemos – não seria apenas isso? E, nesse caso, não há liberdade na ignorância. No momento em que tomamos consciência disso, acabamos expostos a uma indescritível ansiedade. Contudo, uma vez que chegamos a esse ponto, o que podemos e devemos fazer é acompanhar Klein e lançar um olhar frio para esse mundo nebuloso, infinito e, em seguida, registrar com perseverança só as coisas visíveis e que tenham forma, recompondo assim o mundo que foi estraçalhado. Pois a câmera é um instrumento que se presta muito mais a isso do que a simplesmente validar sentimentos individuais como alegria, tristeza ou desolação.
O jovem e talentoso fotógrafo Thomas, protagonista do filme Blow-up – depois daquele beijo (1966), de Michelangelo Antonioni, testemunha involuntariamente um assassinato e, apavorado e ansioso, abandona a câmera no momento em que o mundo deixa de ser um objeto sólido e se transforma em algo disforme, somente compreensível por intermédio da palavra “mundo”. Mas é exatamente nesse ponto, em que a era moderna se põe de joelhos, que William Klein pega a câmera e começa a contemplar o mundo.
Na sequência de Nova York (1956), Klein publicou Roma (1959), Moscou (1964) e Tóquio (1964), mas depois deu a impressão de ter encerrado sua atividade produtiva; apenas vez ou outra suas fotografias surgiam em trabalhos publicitários ou em revistas de moda. Contudo, ouvi dizer que recentemente ele concluiu em Paris, quase ao mesmo tempo, dois trabalhos não fotográficos, mas cinematográficos: o documentário de curta-metragem Cassius Clay (1964-65) e o drama Quem é você, Polly Magoo? (1966). De acordo com um amigo que assistiu a eles, o método de Klein, que descrevo neste breve artigo, em nada se alterou. Nos filmes, Klein também interrompe o fluxo da narrativa e a termina de maneira abrupta, deixando os espectadores perdidos em meio ao caos e à ansiedade. Apesar de a relação entre filme e fotografia ser bastante íntima, o filme expressa um tempo. Como sua duração equivale ao tempo que as pessoas levam para assistir a ele, todos os filmes apresentam algum tipo de conclusão, e me interessa muito saber como Klein eliminou ou usou essa característica básica em seu método.
Seja como for, assim como sua obra até hoje nunca alcançou uma conclusão, seus filmes também não serão concluídos ou limitados. Não há conclusão nos filmes de William Klein pela mesma razão que não há conclusão para o mundo. ///
Publicado na revista Foto Critica, N 1, 1967, PP. 30-36, e revisto em Por Uma Linguagem Futura (Tóquio:Fudosha, 1970). Tradução do japonês de Leiko Gotoda.
Texto de Takuma Nakahira © Gen Nakahira, cortesia de Osiris. Fotografias de William Klein © William Klein.