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Um inglês em Nova York

Alexandre Matias & Bob Gruen Publicado em: 1 de abril de 2020

Crédito: Bob Gruen / MIS-SP (Divulgação)

“Ele foi a pessoa mais legal que eu conheci”, alegra-se o nova-iorquino Bob Gruen quando lhe pergunto sobre a importância de John Lennon em sua vida. Fotógrafo de longos anos de serviços prestados ao rock, ele registrou cliques históricos de nomes tão diferentes quanto Led Zeppelin, David Bowie, Ramones, Kiss, Alice Cooper, Elton John, Clash, New York Dolls e Blondie. Mas seus retratos mais conhecidos foram os que fez do beatle que se tornou seu amigo pessoal. Algumas dessas imagens deram origem à exposição John Lennon em Nova York por Bob Gruen, que o Museu da Imagem e do Som de São Paulo inaugurou pouco antes da pandemia se alastrar pelo Brasil, obrigando o museu a fechar suas portas – a informação é que a exposição continua logo após o período de quarentena.

A mostra convida o público não apenas a conhecer as obras de Gruen, mas também a Nova York que foi lar de Lennon nos seus últimos anos de vida. “É um trabalho incrível, são tantos detalhes sobre a vida de John e Yoko na maneira como as fotos são apresentadas”, anima-se Gruen. Bob fez fotos que foram parar na capa de dois discos que Lennon lançou em vida (Some Time in New York City e Walls and Bridges), além de vários discos póstumos, e retratou o beatle em imagens que o distanciaram da vida que vivia ao lado de Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr nos anos 60, transformando o garoto de Liverpool num adulto nova-iorquino. Em conversa com a ZUM, Bob Gruen comenta algumas fotos que fazem parte da exposição.

 

Crédito: Bob Gruen / MIS-SP (Divulgação)

“Conheci John e Yoko quando fui chamado para fazer as fotos de uma entrevista com o grupo Elephant’s Memory para uma revista – a matéria era sobre a banda, mas quando soube que os dois estariam lá, pedi para ir para o estúdio fazer as fotos. Eu tirei fotos dos dois e mandei pra eles, que gostaram, tanto que usaram uma delas na capa do disco Some Time in New York City. Depois começaram a me pedir para aparecer mais e eu comecei a ir para o estúdio só para ficar ali com eles. Tirava as fotos, mostrava para eles, eles gostavam das fotos e de mim e aos poucos ficamos próximos. Eu sou amigo da Yoko até hoje, fui ao aniversário dela em fevereiro”. Uma das primeiras fotos que Gruen tirou do casal foi no meio da banda Elephant’s Memory, que funcionou como banda de apoio para John e Yoko em 1972. Deitado na frente de todos está o famoso produtor Phil Spector.

 

Crédito: Bob Gruen / MIS-SP (Divulgação)

“Quando comecei a encontrá-lo em Nova York e me tornar seu amigo tudo foi muito normal. Claro que eu sabia que ele era um beatle, mas ele era um cara legal acima de tudo. Só que teve um dia, quando eles começaram a ensaiar para o show que fariam no Madison Square Garden e ele estava cantando músicas do disco Some Time in New York City e rocks velhos, coisas do Bo Diddley, Chuck Berry, Elvis Presley… E de repente ele começou a cantar Imagine. E era aquela voz. E era aquele cara. Não era só aquele meu novo amigo que se chamava John, era um beatle, ele mesmo. E eu fiquei sem fôlego, foi quando percebi que eu era amigo de um dos Beatles. Ele era um cara muito especial. Mas ao mesmo tempo era um cara muito legal. Todo mundo tem um amigo que é mais carismático e engraçado. Ele era um desses caras.” Na foto cima, John e Yoko se apresentam ao vivo no único show que fizeram depois que os Beatles se separaram, no Madison Square Garden, em 1972.

 

Crédito: Bob Gruen / MIS-SP (Divulgação)

“Todos os momentos que eu tive com eles foram muito queridos. Normalmente, eu tiro foto das pessoas fazendo o que eles estão fazendo. Quando passeava no parque com John e Yoko, a gente ia inventando o que fazer no caminho, fica aqui, olha pra lá. Eu tenho tantas fotos dos dois felizes, sorrindo. E você consegue ver como eles se amam, se gostam e se respeitam. Era assim com ele o tempo todo.” A foto, tirada no Central Park, em 1973, flagra uma destas saídas do casal com o fotógrafo, pouco antes de John brigar com Yoko e sair de casa, indo morar com uma nova namorada, a assistente May Pang, no período de dezoito meses que mais tarde John se referia como “o fim de semana perdido”.

 

“A foto na Estátua da Liberdade foi uma das poucas fotos que eu pensei antecipadamente. Naquela época, os Estados Unidos estavam querendo deportar John porque ele estava falando em paz numa época de guerra. E eu achei que a Estátua da Liberdade, um símbolo de boas vindas aos Estados Unidos, poderia estar dando as boas vindas para John Lennon aos Estados Unidos. Quando eu sugeri que fizéssemos a foto lá, ele concordou. Ele sabia muito sobre o meio e a mensagem e sabia do impacto da imagem. O mais difícil foi enquadrar uma pessoa de 1,80m ao lado de uma estátua de quase 100 metros e acertar a proporção – e eu não conseguia ir muito pra trás, porque a estátua fica numa ilha. A foto ficou ótima e depois de sua morte ganhou outro significado para muita gente, porque tanto John Lennon como a Estátua da Liberdade são símbolos da liberdade pessoal. E pra mim, rock’n’roll é sobre expressar seus sentimentos de forma barulhenta. Eu acho que é minha foto favorita”, diz Gruen sobre a clássica sessão de fotos que fez com Lennon em 1972.

 

Crédito: Bob Gruen / MIS-SP (Divulgação)

“Eu passava na casa deles só pra assistir TV juntos e conversar. É engraçado que eu não tenho muitas fotos dessa época, a não ser a que eles me pediram para tirar, quando Sean nasceu. Além disso, não tenho mais fotos dessa época. E um momento privado e que eles não estavam querendo tornar público. E eles já tinham a própria câmera, se quisessem tirar fotos”, ri Gruen, comentando sobre o período que John Lennon saiu de cena, após o nascimento do filho Sean, em 1975.

 

“Eu convidei John para ir para o CBGB’s e ele falou ‘já fui para o Star-Club em Hamburgo, não preciso ir ao CBGB’s’. Durante o período entre 75 e 80, quando estava criando Sean, ele não ouviu nada. Desligou o rádio, cancelou as assinaturas das revistas de música e passou a dar atenção para sua mulher, seu filho… À sua família. Em dezembro de 1980, na semana em que ele morreu, eu dei a ele uma fita de vídeo do Don Letts, que filmava as bandas punk na Inglaterra. E a fita tinha o Clash, os Sex Pistols, Boom Town Rats, Slits… Várias bandas novas e eu dei pra ele ver o que ele tinha perdido. Na segunda-feira, ele mencionou que tinha visto a fita e que ia deixar para que eu pegasse de volta e falou: ‘Eu falo sobre isso essa noite’. Mas ele morreu naquela noite. E assim, eu e Don ficamos sem saber o que ele achou da fita e das bandas…”, explica Gruen, que tirou várias fotos de John e Yoko no estúdio, quando ele resolveu voltar a gravar discos, em 1980.

 

Crédito: Bob Gruen / MIS-SP (Divulgação)

“Eu estava em casa, revelando fotos, quando o porteiro do meu prédio me ligou e perguntou se eu tinha ouvido o rádio. Ele me contou que ouviu no rádio que John tinha morrido. Foi a pior notícia que eu já recebi, até hoje. Não é algo que você se recupera, você se acostuma, mas é como quando você se corta fundo e dói muito e o corte vira uma cicatriz que quando você encosta nela, você lembra da dor. Eu realmente sinto falta do tempo que tive com o John. 40 anos depois as pessoas ainda estão interessadas no que ele disse e só posso imaginar o que ele poderia ter dito. Eu tento não ficar triste sobre isso o tempo todo e sim ficar feliz que eu pude conhecê-lo. Passei muito tempo com ele, muito tempo em casa e indo a bares com ele. Sou muito sortudo e privilegiado por ter tido esse tempo”, Bob lembra-se de quando ouviu a notícia sobre a morte de Lennon. ///

 

Alexandre Matias (1975) é jornalista, curador e diretor artístico e cobre cultura, mídia e tecnologia há mais de vinte anos. Seu trabalho está baseado no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br)

 

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