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De taxista a ex-policial de trânsito: o fotógrafo norueguês Jonas Bendiksen retrata os messias do século 21

Publicado em: 13 de agosto de 2018

No ponto culminante da peregrinação de Natal, Vissarion sai para saudar seu rebanho. Para os vissarionitas, a comemoração acontece no dia 14 de janeiro, aniversário de Vissarion. Em 1988, Sergei Torop perdeu o emprego como policial de trânsito na cidade siberiana de Minusinsk. Pouco depois, no momento em que a União Soviética se desfazia ao seu redor, teve suas primeiras revelações de que era Jesus Cristo e, no início dos anos 1990, fundou a Igreja do Último Testamento. Do livro O último testamento. Território de Krasnoyarsk, Rússia. 2015. © Jonas Bendiksen | Magnum Fotos

De um motorista de táxi na Zâmbia a um ex-informante do serviço de inteligência britânico, chegando ao brasileiro INRI Cristo, o fotógrafo norueguês Jonas Bendiksen (1977) viajou pelo mundo para registrar o cotidiano de sete homens que alegam ser Jesus Cristo: o brasileiro INRI Cristo, o siberiano Vissarion, o sul-africano Moses Hlongwane, o japonês Mitsuo Matayoshi, o zambiano Bupete Chibwe Chishimba,  o inglês David Shaylers e o filipino Apollo Quiboloy.

O resultado do projeto é o premiado livro O último testamento (2016), segundo o fotógrafo “fruto de um longo fascínio pela religião e uma necessidade de tentar entender o que é fé”. Bendiksen já esteve no Brasil, onde registrou os bastidores da Copa do Mundo de Futebol de 2014 para o projeto Offside Brasil, organizado pelo IMS.

 

Jesus de Kitwe passeando pelas ruas de Ndola. Nascido Bupete Chibwe Chishimba, opera dois táxis sem licença em Kitwe, na Zâmbia. Teve sua vida virada de cabeça para baixo aos 24 anos, quando recebeu a revelação de Deus de que era a Segunda Vinda de Jesus. Hoje, aos 43, é casado e tem cinco filhos. Do livro O último testamento. Ndola, Zâmbia. 2016. © Jonas Bendiksen | Magnum Fotos

De onde veio a ideia para o projeto O último testamento e como você chegou a estes novos messias? Você teve uma educação religiosa?

Basicamente, qualquer projeto que eu faço é resultado de algo que eu esteja pensando no momento, que desperte minha curiosidade. Assim, O último testamento surgiu de um longo fascínio pela religião e uma necessidade de tentar entender o que é fé, como é acreditar e em que alguém pode acreditar.

Não cresci em um ambiente religioso, então a natureza da fé é algo relativamente misterioso para mim. Ao mesmo tempo, sempre entendi que muitas pessoas TÊM fé e vêem o mundo através de lentes bem diferentes. E isso, de alguma maneira, era sedutor para mim.

Ao mesmo tempo, uma pessoa pode abrir um jornal em qualquer dia e ver o poder colossal da fé e da religião na sociedade, tanto historicamente como hoje. Essa foi minha chance para tentar tocar e sentir o tema de uma maneira mais próxima.

Assim, a ideia para essa série veio quando estava tentando achar uma maneira de falar sobre religião e fé. Lembrei que havia lido algo sobre Vissarion, o messias siberiano, em um jornal russo quando eu ainda estava começando minha carreira como fotógrafo no final dos anos 1990, morando e trabalhando na Rússia. Comecei a pesquisar no Google para ver se ele ainda estava por aí. Rapidamente descobri que ainda estava na ativa e tinha muitos seguidores. E na mesma pesquisa comecei a encontrar pistas de que havia mais pessoas além dele também alegando ser a Segunda Vinda de Jesus Cristo. Mergulhei nisso e encontrei os outros da mesma maneira que encontramos qualquer coisa hoje em dia – buscando na internet. 

Quais as principais semelhanças e diferenças entre os novos messias que você fotografou? E essas diferenças mudaram o seu jeito de fotografar cada um deles?

São semelhantes no sentido de que fazem afirmações semelhantes – todos eles alegam ser a Segunda Vinda de Cristo. Eu acho que essa afirmação vem com uma visão única da sua própria estatura no mundo e da importância de sua missão para a humanidade. Mas dito isso, eles são totalmente diferentes na maneira como a manifestam, tanto teologicamente como esteticamente. Claro que há diferenças naturais entre um messias com cinco mil seguidores e outro com cinco. Mas em cada caso eu tentei fazer exatamente a mesma coisa: entrar nos seus mundos e tentar aceitar tudo que me mostravam e falavam como a total e inquestionável verdade. E então tentar descrever fotograficamente como o mundo se parecia a partir dessa perspectiva.

No entanto, tive níveis de acesso bem diferentes a cada um deles. De alguns me aproximei bastante, me senti amigo e compreendido. Outros ficaram muito distantes durante todo o processo. E isso aparece nas fotografias. 

INRI Cristo (nascido Álvaro Thais) no final de uma sessão de orações na capela. Seu primeiro nome veio das iniciais da inscrição que os romanos colocaram na cruz: Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum, ou Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus. A maioria dos cerca de uma dúzia de discípulos que vivem no complexo do INRI são mulheres. Do livro O último testamento. Brasília, Brasil, 2014. © Jonas Bendiksen | Magnum Fotos

Como foi fotografar INRI Cristo, um personagem tão midiático e que, aparentemente, parece controlar muito a própria imagem?

INRI é realmente um destes personagens “maiores que a vida”. E sim, ele e seus discípulos têm ideias bem específicas sobre o que querem mostrar para o mundo e como isso deve acontecer. Na verdade, para mim isso não é um problema, já que eu queria que minha fotografia correspondesse ao modo como eles gostariam de ser retratados. Mas no caso do INRI e da Soust (Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade, ordem criada por ele), isso significa dizer que trabalhamos juntos e discutimos que tipo de cenas eu poderia fotografar, o que eu poderia testemunhar, etc. Eles também são pessoas bastante reservadas, que separam fortemente o público do privado. 

Você esteve no Brasil para fotografar a Copa de 2014 para o projeto Offside Brasil. Essa vinda foi o seu primeiro contato com o país? A visita prévia afetou de alguma maneira a sua abordagem ao fotografar INRI Cristo?

Sim, essa viagem na Copa foi minha primeira experiência no Brasil. Um período fascinante e intenso. Mas eu não acho que tenha necessariamente influenciado meu trabalho com o INRI. De qualquer maneira, meu tempo com ele e os outros messias me fizeram sentir em outros mundos.

O último testamento é um trabalho definitivamente jornalístico na concepção e estruturação, mas o livro resultante tem uma narrativa que se aproxima do ficcional em alguns momentos. Você concorda com essa visão? O esmaecimento dessas fronteiras é algo que você busca em seus trabalhos?

Eu acho que isso é inevitável quando alguém mergulha no reino da fé. A verdade e a fé mais estabelecida de um é a loucura de outro. E vice-versa. E as pessoas não diriam isso das narrativas das religiões já estabelecidas?

Você seguiria algum desses messias que conheceu? Qual deles?

Bem, eu nunca escolho um favorito entre eles.///

 

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