De taxista a ex-policial de trânsito: o fotógrafo norueguês Jonas Bendiksen retrata os messias do século 21
Publicado em: 13 de agosto de 2018De um motorista de táxi na Zâmbia a um ex-informante do serviço de inteligência britânico, chegando ao brasileiro INRI Cristo, o fotógrafo norueguês Jonas Bendiksen (1977) viajou pelo mundo para registrar o cotidiano de sete homens que alegam ser Jesus Cristo: o brasileiro INRI Cristo, o siberiano Vissarion, o sul-africano Moses Hlongwane, o japonês Mitsuo Matayoshi, o zambiano Bupete Chibwe Chishimba, o inglês David Shaylers e o filipino Apollo Quiboloy.
O resultado do projeto é o premiado livro O último testamento (2016), segundo o fotógrafo “fruto de um longo fascínio pela religião e uma necessidade de tentar entender o que é fé”. Bendiksen já esteve no Brasil, onde registrou os bastidores da Copa do Mundo de Futebol de 2014 para o projeto Offside Brasil, organizado pelo IMS.
De onde veio a ideia para o projeto O último testamento e como você chegou a estes novos messias? Você teve uma educação religiosa?
Basicamente, qualquer projeto que eu faço é resultado de algo que eu esteja pensando no momento, que desperte minha curiosidade. Assim, O último testamento surgiu de um longo fascínio pela religião e uma necessidade de tentar entender o que é fé, como é acreditar e em que alguém pode acreditar.
Não cresci em um ambiente religioso, então a natureza da fé é algo relativamente misterioso para mim. Ao mesmo tempo, sempre entendi que muitas pessoas TÊM fé e vêem o mundo através de lentes bem diferentes. E isso, de alguma maneira, era sedutor para mim.
Ao mesmo tempo, uma pessoa pode abrir um jornal em qualquer dia e ver o poder colossal da fé e da religião na sociedade, tanto historicamente como hoje. Essa foi minha chance para tentar tocar e sentir o tema de uma maneira mais próxima.
Assim, a ideia para essa série veio quando estava tentando achar uma maneira de falar sobre religião e fé. Lembrei que havia lido algo sobre Vissarion, o messias siberiano, em um jornal russo quando eu ainda estava começando minha carreira como fotógrafo no final dos anos 1990, morando e trabalhando na Rússia. Comecei a pesquisar no Google para ver se ele ainda estava por aí. Rapidamente descobri que ainda estava na ativa e tinha muitos seguidores. E na mesma pesquisa comecei a encontrar pistas de que havia mais pessoas além dele também alegando ser a Segunda Vinda de Jesus Cristo. Mergulhei nisso e encontrei os outros da mesma maneira que encontramos qualquer coisa hoje em dia – buscando na internet.
Quais as principais semelhanças e diferenças entre os novos messias que você fotografou? E essas diferenças mudaram o seu jeito de fotografar cada um deles?
São semelhantes no sentido de que fazem afirmações semelhantes – todos eles alegam ser a Segunda Vinda de Cristo. Eu acho que essa afirmação vem com uma visão única da sua própria estatura no mundo e da importância de sua missão para a humanidade. Mas dito isso, eles são totalmente diferentes na maneira como a manifestam, tanto teologicamente como esteticamente. Claro que há diferenças naturais entre um messias com cinco mil seguidores e outro com cinco. Mas em cada caso eu tentei fazer exatamente a mesma coisa: entrar nos seus mundos e tentar aceitar tudo que me mostravam e falavam como a total e inquestionável verdade. E então tentar descrever fotograficamente como o mundo se parecia a partir dessa perspectiva.
No entanto, tive níveis de acesso bem diferentes a cada um deles. De alguns me aproximei bastante, me senti amigo e compreendido. Outros ficaram muito distantes durante todo o processo. E isso aparece nas fotografias.
Como foi fotografar INRI Cristo, um personagem tão midiático e que, aparentemente, parece controlar muito a própria imagem?
INRI é realmente um destes personagens “maiores que a vida”. E sim, ele e seus discípulos têm ideias bem específicas sobre o que querem mostrar para o mundo e como isso deve acontecer. Na verdade, para mim isso não é um problema, já que eu queria que minha fotografia correspondesse ao modo como eles gostariam de ser retratados. Mas no caso do INRI e da Soust (Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade, ordem criada por ele), isso significa dizer que trabalhamos juntos e discutimos que tipo de cenas eu poderia fotografar, o que eu poderia testemunhar, etc. Eles também são pessoas bastante reservadas, que separam fortemente o público do privado.
Você esteve no Brasil para fotografar a Copa de 2014 para o projeto Offside Brasil. Essa vinda foi o seu primeiro contato com o país? A visita prévia afetou de alguma maneira a sua abordagem ao fotografar INRI Cristo?
Sim, essa viagem na Copa foi minha primeira experiência no Brasil. Um período fascinante e intenso. Mas eu não acho que tenha necessariamente influenciado meu trabalho com o INRI. De qualquer maneira, meu tempo com ele e os outros messias me fizeram sentir em outros mundos.
O último testamento é um trabalho definitivamente jornalístico na concepção e estruturação, mas o livro resultante tem uma narrativa que se aproxima do ficcional em alguns momentos. Você concorda com essa visão? O esmaecimento dessas fronteiras é algo que você busca em seus trabalhos?
Eu acho que isso é inevitável quando alguém mergulha no reino da fé. A verdade e a fé mais estabelecida de um é a loucura de outro. E vice-versa. E as pessoas não diriam isso das narrativas das religiões já estabelecidas?
Você seguiria algum desses messias que conheceu? Qual deles?
Bem, eu nunca escolho um favorito entre eles.///
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