Exposição com fotos inéditas de Thomaz Farkas no DF; leia entrevista com o curador
Publicado em: 5 de outubro de 2015Abre nesta terça-feira, 6 de outubro, a exposição Thomaz Farkas – DF, no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. A individual do fotógrafo húngaro naturalizado brasileiro é composta por 21 fotografias da capital do país feitas entre 1958 e 1960, época da construção à inauguração da cidade, e entre 1998 e 2000, quando Farkas torna a visitar Brasília. Entre elas, 13 registros inéditos ocupam as paredes do museu paulista, até o dia 14 de outubro. Também será lançado o livro homônimo, quarto volume da Coleção Ipsis de Fotografia. Leia entrevista com Eder Chiodetto, curador da exposição:
Marcel Gautherot, fotógrafo favorito de Oscar Niemeyer, foi convidado pelo arquiteto a registrar a construção da nova capital. Quanto às fotos de Brasília, em que pontos a produção de Gautherot tangencia a de Thomaz Farkas, e em que pontos se distancia?
Na pesquisa que realizei com o apoio do Instituto Moreira Salles, ficou bastante claro que os fotógrafos contratados para fotografar a construção e inauguração de Brasília, tais como Gautherot, fizeram coberturas fotográficas salientando a exuberância e a monumentalidade do projeto arquitetônico de Niemeyer e Lucio Costa. O mesmo pode ser observado nos trabalhos de Peter Scheier e Jean Manzon. Não à toa, Gautherot se tornaria o preferido de Niemeyer. As fotografias dele fazem uma grandiosa homenagem às linhas e aos volumes que saíram da prancheta do arquiteto para se tornar a maior obra arquitetônica modernista. Raramente vemos um autor traduzir de forma tão eloquente – e entusiasmada – a obra de um outro como nas imagens em que Gautherot enfatiza a grande aventura idealista que foi a construção de Brasília nos moldes que conhecemos. No entanto, embora essas imagens hoje integrem com razão o nosso patrimônio iconográfico, não podemos deixar de lado o caráter propagandista que ficou colado a elas.
Thomaz Farkas não foi contratado. Aliás, ele sempre dizia que nunca fez trabalho encomendado. Isso o deixava numa posição talvez mais confortável. Suas fotografias não necessitariam ser aprovadas por ninguém. Nesse sentido ele não se sentia impelido a fazer propaganda. Fotografou apenas pelo prazer em ser testemunha ocular de um fato histórico. Nota-se claramente, desde as primeiras imagens realizadas em 1958, que Farkas não se empolga tanto com a arquitetura arrojada. Seus registros priorizam o tempo todo os “candangos”, o Núcleo Bandeirante. Em muitas imagens, mesmo quando a arquitetura tem primazia na composição, sempre vemos um grupo de operários em ação.
A seu ver, o registro da construção à inauguração de Brasília representaria uma guinada humanista no trabalho de Farkas? Por quê?
Farkas estava no núcleo de amigos e fotógrafos muito próximos a Geraldo de Barros – no Foto Cine Clube Bandeirante – e, com isso, foi um dos ícones da fotografia de caráter mais experimental, a partir do final dos anos 1940. Seria natural, portanto, que ele partisse para um enfoque mais metalinguístico ao se deparar com os volumes e linhas do eixo monumental. A arquitetura e os impulsos desenvolvimentistas, afinal, eram alguns dos motores da produção experimental da geração dele.
Mas, para minha surpresa, ele se mostra muito mais preocupado com o homem simples, os operários, a pouca atenção dada à periferia. O exercício de linguagem que tangenciava o concretismo perde lugar para esse viés mais sociológico, digamos. Essa atitude de se reforçaria a partir de 1968, quando ele inicia a Caravana Farkas, projeto pioneiro na área de documentação que gerou 19 documentários sobre a cultura popular brasileira.
Quando Farkas retorna a Brasília, 40 anos depois, vai novamente para as cidades satélites e fotografa aquilo que parecia já ter previsto entre 1958 e 1960. Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, diz: “A cidade mudou nas aparências. Mas, para o povo, a vida continua praticamente a mesma”. No livro e na exposição é chocante perceber que as imagens realizadas na periferia entre 1998 e 2000 são perversamente semelhantes às de 40 anos antes.
Qual a importância, em termos sociais e políticos, que o olhar de Farkas sobre a capital tem, ou poderia ter, a respeito do Brasil?
Reunir essas 100 fotografias de Brasília no quarto volume da Coleção Ipsis de Fotografia, fraturadas pelo distanciamento de 40 anos, faz-nos refletir muito sobre os rumos sociais e políticos no Brasil. É incrível perceber como o sonho de uma geração é esfacelado na próxima, remendado e tocado adiante de forma canhestra pelas seguintes. Como os projetos de grande envergadura não contemplam o todo, não pensam na progressão dele no futuro mais imediato. Hoje, Brasília é uma cidade completamente cindida entre Eixo Monumental e cidades satélites, com enormes problemas urbanos, muitos gerados a partir da ruptura entre um projeto idealista e a vida cotidiana. A obra de Farkas é poderosa para nos levar a esse tipo de reflexão.
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