Os melhores fotolivros de 2018
Publicado em: 18 de dezembro de 2018ZUM convidou um grupo de especialistas em fotografia para indicar uma seleção de livros de fotografia publicados em 2018. Veja abaixo os escolhidos.
Equipe ZUM
Conhecidos de vista, de Letícia Lampert (Editora Incompleta)
A publicação da artista gaúcha aborda a relação de proximidade entre prédios de apartamentos típica das grandes cidades brasileiras (no seu caso, Porto Alegre) ao retratar janelas e varandas que são praticamente a única paisagem vista por seus vizinhos, cada vez mais próximos fisicamente. Instigada por essa intimidade forçada de janelas tão próximas, Letícia decide avançar um passo e entrar nos apartamentos para ver aquilo que se esconde atrás das cortinas e venezianas. O resultado causa um estranhamento ao deslocar o olhar para a sua própria janela, algo bem explorado nos curtos depoimentos dos moradores que acompanham as tranquilas paisagens internas mostradas nas páginas do fotolivro. O recurso da encadernação sanfonada reforça visualmente esse jogo de esconde-esconde, de ver e ser visto.
Quando a pele incendeia a memória, de Angela Almeida (Edufrn)
O livro de Angela Almeida, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande Norte, apresenta parte da produção fotográfica de José Ezelino da Costa (1889), filho de escravos e primeiro fotógrafo negro do Seridó, região semiárida que atravessa a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Além do material garimpado nos arquivos de José Ezelino, o livro se destaca pelos textos que ressaltam características autorais do fotógrafo, um negro em uma sociedade predominantemente branca, e as intervenções artísticas de Angela sobre algumas das imagens originais.
Além destes dois livros, a equipe ZUM também selecionou este ano um conjunto de 46 livros, zines, revistas e catálogos participantes da convocatória aberta de livros de fotografia, parte das atividades do Festival ZUM 2018. Desta seleção mais ampla, sete livros foram destacados pela equipe da ZUM.
Daigo Oliva, jornalista, crítico de fotografia e editor-adjunto do Núcleo de Imagem do jornal Folha de S. Paulo.
TTP, de Hayahisa Tomiyasu (Mack)
O fotógrafo japonês Hayahisa Tomiyasu registrou, durante cinco anos, uma mesa de pingue-pongue a partir da janela de seu antigo apartamento em Leipzig, na Alemanha. A mesa é utilizada para tudo – ginástica, bate-papo, festas, troca de fraldas – , menos para tênis de mesa. Trata-se de uma maneira inteligente de discutir espaço público e a passagem do tempo – a função principal da fotografia. É lindo ver a mudança das estações do ano e como Tomiyasu construiu uma narrativa com quebras surpreendentes, numa edição inteligente e que foge do tédio. Vitória da simplicidade e da insistência.
Exceto as nuvens, de Bérangère Fromont (Void)
A Grécia será para sempre uma utopia, porque é o lugar onde conceitos cruciais da humanidade foram criados. O que se vê hoje, no entanto, é ruína. Ruínas literais, de edificações que se foram, mas também abstratas, da política e da economia. Alguma semelhança com o Brasil, o país do futuro que nunca chega? Em Exceto as nuvens, Fromont reúne imagens de objetos abandonados, paisagens destruídas e protestos em que manifestantes estão acuados pela polícia. É desilusão, mas também resistência. Atenção à escolha do papel, pesado e sujo na medida certa. Excelente exemplo de fotolivro produzido com lógica e ótimo acabamento.
Meu nascimento, de Carmen Winant (Self Publish Be Happy)
Quando meus filhos nasceram, estava ao lado da minha mulher. Nas duas vezes, os bebês apareceram como mágica, sem que eu assistisse ao instante decisivo (o uso do termo aqui é irônico, veja bem). Meu nascimento é um excelente fotolivro por refletir também sobre essas configurações hospitalares, em que ninguém – exceto os médicos – pode ver o momento do nascimento. A obra discute construções sociais e culturais sobre o corpo feminino a partir de 2.000 imagens encontradas em panfletos, livros e revistas (e é impressionante que poucas mulheres ali não sejam brancas). Um ano após Laia Abril materializar o que é o aborto em seu livro, Carmen Winant faz o mesmo com o parto. Design preciso para um fotolivro que poderia ser caótico da maneira errada.
Adoraria ter incluído títulos nacionais nesta lista, mas não foi possível. Ainda que bons trabalhos tenham sido produzidos em 2018 no Brasil, o nível infelizmente foi baixo. Listas não provam nada, mas chamam a atenção para obras que merecem ser vistas. É tempo de reflexão sobre o que essa safra representa no longo prazo e o que esses artistas podem se tornar. Porém, uma obra que merece ser lembrada é Edifício Recife, de Barbara Wagner e Benjamin de Burca, pela simplicidade e objetividade. Como disse o artista holandês Erik van der Weijde, “se tiver limões, faça suco, e não champagne – fica azedo”.
Humberto Brito é fotógrafo e pesquisador. Doutorou-se em Teoria da Literatura na Universidade de Lisboa (2007). É professor da Universidade Nova de Lisboa. Escreve sobre literatura e fotografia.
John Gossage disse em entrevista recente ao site da ZUM, referindo-se à superabundância de fotolivros, que “é quase como se você pegasse uma senha e chegasse sua hora de lançá-lo”. Talvez a urgência da publicação seja um sintoma do estado da arte. Uma facilitação de processos, que passa por pragmatismo, tem gerado a ilusão de a fotografia poder dispensar a paciência e a tenacidade. Ao mesmo tempo, prevalece nos artistas um certo pânico da obscuridade, um medo de perder a vez, de desaparecer. Nos livros que mais me marcaram este ano, entre eles os três que destaco em seguida, esse pânico parece não ter lugar. Um motivo para os destacar em vez de outros, igualmente notáveis, além do facto de me parecerem livros extraordinários a vários títulos, é o de exemplificarem, melhor que outros, virtudes menosprezadas. De novo, a paciência, a tenacidade e, ainda, uma forma saudável de autoconfiança.
Pela estrada, Guido Guidi (Mack)
O livro de Guido Guidi é uma retrospectiva do seu trabalho ao longo das décadas de 1980 e 1990 na região de Cesena, na Itália. Inclui 285 imagens, a cor e a preto e branco, distribuídas por três volumes divididos por capítulos; e, em separata, uma entrevista com o autor. As imagens, tal como a entrevista, são um documento do seu pensamento (técnico e filosófico) sobre fotografia e sobre a história da fotografia, da pintura e da arquitectura, além de uma expressão continuada de afecto pelo mundo, pelo espaço público e pela superfície da vida. O conjunto forma uma autobiografia silenciosa, revendo e organizando uma obra magistral, de um gigante.
Depois de K-Ville, Mark Steinmetz (Stanley/Barker)
Na sequência de 15 Miles to K-Ville (Stanley/Barker, 2016), Past K-Ville tem como referência esta K-Ville ficcional, cidade cuja proximidade se depreende negativamente, como uma regra que não se aplica. Ou como a recriminação dos pais quando fumamos os primeiros cigarros nos fundos do colégio. Ou como o próprio colégio quando faltamos às aulas. K-Ville está sempre lá. Mas nunca aparece, ou aparece por antinomia, indirectamente, no aspecto livre, incerto e periférico do território. E no ar solto, não-citadino e, digamos, desplastificado, das pessoas fotografadas. Ao fixar-se em Knoxville (K-ville?) e mais tarde em Athens, Georgia, no começo dos anos 1990, é provável que Steinmetz tenha reparado na maneira como a distância das cidades grandes se manifesta nas superfícies e em diferenças de fisionomia e de gestualidade. Fotografadas em redor de cidades do sul dos Estados Unidos, as imagens deste livro (feitas entre 1992-1997) remontam ao período de trabalho que deu origem à trilogia formada por South Central, Greater Atlanta e South East (1991-2001). Mais dura e urbana, mas não menos lírica que estes dois últimos livros publicados. Tal como os anteriores, Past K-Ville se beneficia de um anacronismo saboroso: como se as imagens do livro tivessem sido feitas nos anos 90 ao estilo de hoje. Belo e contido, este é também o menos cínico dos livros saídos este ano. Aflorando o drama esquecido das primeiras esperanças, dos primeiros desgostos, das primeiras ligações, de como a vida adulta trai, por distracção, as promessas que tínhamos feito a nós próprios, Steinmetz explora neste livro a capacidade da fotografia de nos dar uma visão, não só da superfície da vida em dado momento, como pretendia Garry Winogrand, mas também da interioridade e da complexidade individual. Se restam imagens dos anos 1990 deste calibre nos seus arquivos, rezemos para que venha depressa o terceiro da trilogia.
Inverno americano, Gerry Johansson (Mack)
Este não é sequer o meu livro preferido do sueco Gerry Johansson, mas entra por direito próprio nos meus destaques do ano. Para qualquer fotógrafo que tenha se dedicado a clarificar a unidade do seu trabalho (e, num sentido, da sua vida), ou a pensar sobre como montar um fotolivro — como estabelecer relações entre imagens, como estabelecer ritmos, tons, flutuações, rimas —, há algo de escandalosamente refrescante, elegante e sofisticado na solução a que Johansson tem recorrido desde sempre: livros quase rigorosamente iguais, ou com poucas diferenças, compostos por imagens quadradas, sempre legendadas, sempre de dimensão reduzida, formalistas, a preto e branco, ladeados por margens amplas e muitas vezes arrumadas alfabeticamente. Zero conversa fiada. Aprendemos com Johansson que não tem de haver uma justificação grandiosa para honrarmos o que nos desperta a atenção. Silencioso, taciturno, Inverno americano prossegue na toada de costume, repetitiva, mas apenas superficialmente monótona, coleccionando quadros austeros, ou mesmo inóspitos, da arquitectura melancólica e da paisagem de pequenas localidades norte-americanas meio caídas no esquecimento. Só isto: a fotografia como um fim em si mesmo. Chega e sobra.
Julieta Escardó é fotógrafa, editora, gestora cultural e professora de fotografia contemporânea. Atualmente dirige a TURMA, dá cursos de edição em vários países, é co-diretora da Editorial La Luminosa e faz parte da equipe de editores da revista Sueño de La Razón.
Guadalupe Arriegue é fotógrafa, pesquisadora e docente. Atua na conservação dos arquivos patrimoniais de Buenos Aires (Universidade de San Martin), coordena a catalogação da biblioteca da TURMA e a comunicação da FELIFA.
Heróis do brilho, Federico Estol (El Ministerio Ediciones – Uruguay e Hormigón Armado – Bolívia)
Um projeto afetivo-criativo social e coletivo que resultou em uma publicação visual, que supera em muito a definição do que é um fotolivro. Destaca a importância de compreender modos de produção contemporâneos e espaços de circulação e disseminação de uma cultura visual popular. Para nos perguntar como queremos dar vida às imagens.
O mundo é um lugar horrível cheio de coisas belas, Florencia Reta (La Luminosa)
Um livro sobre a amizade e a luta ao lado dos animais para nos defendermos, juntos, da civilização que criamos. Ou o livro de uma menina que vagueia entre pastos e espera horas para que o movimento de outro ser vivo lhe dê um sinal de fraternidade.
E um dia, o fogo, Belén Blanco e Sebastián Pani (TURMA Asoc. Civil).
Vencedor da convocatória aberta Não vamos desistir, este livro destaca casos de mulheres sobreviventes de tentativas de feminicídios com fogo. Com uma tiragem de 3.000 exemplares, ações de distribuição são realizadas em conjunto com organizações e movimentos sociais para atividades em oficinas de conscientização sobre a violência contra a mulher.
88 pedaços, Federico Paladino (La Balsa e Frente Editorial Abierto)
A publicação de uma coleção das pedras que foram lançadas durante a repressão à manifestação contra a reforma previdenciária de dezembro de 2017, que representou um revés em termos de direitos trabalhistas e sociais na Argentina. O livro nos fala sobre a memória, a manifestação coletiva, o tempo e o que resta. São pedaços da história, são uma recordação. O repertório de nossa memória.
Revolta, Guadalupe Arriegue e Magdalena Fumagalli (Metta)
Um canto épico escrito em forma de poesia visual. As fotomontagens e a maneira como os textos dançam na página provocam uma desarticulação progressiva da linguagem e seus limites de expressão. Com um aceno às vanguardas históricas latino-americanas, o livro fala da memória, de epifanias e percepções alteradas, laços familiares, castelos no ar e a fotografia como objeto poético.///
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