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Mauro Restiffe, a frustração e o fascínio do caminhar como procedimento artístico

Joaquim Marçal Publicado em: 12 de setembro de 2014
Praça da Bandeira, 2014, Mauro Restiffe

Praça da Bandeira, 2014, Mauro Restiffe

São Paulo, fora de alcance: na fotografia antrópica de Mauro Restiffe, a frustração e o fascínio do caminhar como procedimento artístico

Joaquim Marçal F. de Andrade

 

Praça da Bandeira, 2014 – a fotografia de abertura no catálogo da exposição é prenúncio do que nos aguarda. Na passarela que se estende entre os paredões de edifícios há uma figura humana, central, que caminha em nossa direção. O homem atrás dos óculos, da barba e do bigode caminha sério, diria Drummond. Ele traz um envelope grande e volumoso. E nos adverte que além de vermos, seremos vistos. É São Paulo na veia.

O primeiro impacto após a visita à exposição de Mauro Restiffe (ou seria um passeio?) pode fascinar, mas também desencadear estranhamento ou mesmo desapontamento. É que estamos todos (os conhecedores da fotografia paulistana) impregnados daquela tradição da fotografia documental, que se estende desde a simplicidade de Militão Augusto de Azevedo e da sofisticação de Guilherme Gaensly, passando ainda pelas imagens de Aurélio Becherini, entre outros “grandes” e chegando até Cristiano Mascaro – cuja linguagem acompanha a evolução de sua própria tecnologia e da sociedade local. Nela, o fotógrafo vai ganhando mobilidade, mas sem perder o rigor, qualquer que seja: até mesmo o fotógrafo flâneur detém o passo para enquadrar e disparar o obturador.

Mas, diferentemente desses trabalhos, o mais relevante nas fotografias da exposição de Restiffe, e que se reflete na expografia, é o percurso. Nosso fotógrafo – um bacharel em cinema – parece capturar suas imagens durante o deslocamento. Assim, o caminhar está presente em sua proposta visual, integrando o partido de suas fotografias, desde a primeira, já mencionada. Inevitável a menção ao arquiteto romano Francesco Careri, um dos fundadores do coletivo Stalker – Osservatorio Nomade e autor de Walkscapes: o caminhar como prática estética, que também dialoga com o Delirium Ambulatorium de Hélio Oiticica, quando este se aventurava por caminhos nunca dantes trilhados no Rio de Janeiro.

Outro aspecto a ser relevado é um certo maneirismo do projeto: o uso da câmera analógica, de pequeno formato, carregada com filmes preto e branco de alta sensibilidade e as ampliações de grande formato em papel fotográfico de gelatina e prata, nas quais os grãos metálicos ganham evidência. Em plena era das imagens e impressões digitais, temos aí um dos vínculos deste trabalho com os que o antecederam.

Diz o curador da exposição: “Parte da frustração e fascínio que São Paulo exerce sobre seus habitantes vem de seu ciclo de evolução acelerado e da dificuldade em controlar inteiramente o espaço urbano.” Há, pois, que se caminhar na galeria, vivenciando as fotos de Restiffe onde, mesmo que não intencionalmente, surgem novas paisagens e alguns espaços tornam-se lugares.

Joaquim Marçal Ferreira de Andrade é pesquisador da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional, mestre em design pela PUC/Rio, doutor em História Social pelo IFCS/UFRJ e professor de fotografia na PUC/Rio. É autor de História da fotorreportagem no Brasil: A fotografia na imprensa do Rio de Janeiro de 1839 a 1900.

 

SÃO PAULO, FORA DE ALCANCE

Exposição de fotografias de Mauro Restiffe, curadoria de Thyago Nogueira.
Até 28 de setembro de 2014 no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro.
Rua Marquês de São Vicente, 476 – Gávea, Rio de Janeiro – RJ.

Veja aqui o ensaio Nova Luz, publicado na revista ZUM # 2.

O livro com 50 imagens lançado com a exposição pode ser comprado na loja do IMS.

 

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