Luigi Ghirri por Agnaldo Farias
Publicado em: 26 de fevereiro de 2014Arles vale como súmula da obra de Luigi Ghirri. Natureza-morta, retrato, paisagem ou ainda documento sobre uma época em que tudo o que existia começou a ser soterrado por imagens. Arles consiste numa vista a queima roupa do lado direito do tronco de um homem, vestido com uma camisa estampada com motivos tropicais, dessas que turistas entusiastas usam no afã de aclimatar-se ou contribuir para a alegria do lugar visitado. No centro da imagem, demarcando um quadrado dentro do formato retangular da fotografia, o bolso. Parcialmente enfiado dentro do bolso vê-se o cartão postal de uma paisagem: um casario antigo visto do alto com mar ao fundo. Acompanhando as dimensões laterais do bolso que, por si só, cria uma descontinuidade na estampa da camisa, o postal transforma o quadrado em retângulo, prova do rigor da composição. A estampa é composta por uma profusão verde esmaecido de palmeiras, acompanhadas de touceiras aquáticas, montes e matas que se despacham em profundidades distintas, efeito sugerido por hachuras marrons. Não se sabe se a palidez da imagem é efeito de lavagens sucessivas ou de impressão ordinária. Do corpo mesmo não se vê quase nada, apenas um fragmento mínimo do pescoço na extremidade superior direita da foto, e o dorso do punho, por simetria disposto na extremidade inferior esquerda, impondo ao olhar, somente após uma observação prolongada, um passeio em diagonal. Há, ainda, uma nesga azulada –água, parede?-limitada pelo punho, tronco da pessoa, a borda esquerda da foto.
Houve um tempo em que uma vertente da fotografia pensava que seu papel era documentar o mundo. Afirmando-se como coisa mental, adotou o p&b, o que servia para afastá-la da cor da pintura. Encerrada numa redoma, não atentou e não podia conter o processo avassalador de produção de imagens que as outras vertentes, descompromissadas, estavam realizando. O resultado é uma imagem como essa: uma pessoa sem corpo, portando uma imagem no bolso, como que recoberta e estofada de imagens.
Agnaldo Farias é crítico de arte, curador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Já esteve à frente do MAM-RJ, Instituto Tomie Ohtake e da 29ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2010. Considera a exposição Retrospectiva Nelson Leirner, em 1994 no Paço das Artes, uma das mais importantes de sua carreira.
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Para mais informações sobre a exposição Luigi Ghirri – pensar por imagens no IMS do Rio de Janeiro clique aqui.