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Pedras, saltos e uma criança que confundia: a história de Gal e Hiroshima

Gal Cipreste Marinelli & Rodrigo Pinheiro Publicado em: 15 de junho de 2021

O projeto GH, Gal e Hiroshima, da dupla de artistas brasileires Rodrigo Pinheiro e Gal Cipreste Marinelli, foi o vencedor do principal prêmio da bolsa PHmuseum 2021 Photography. Segundo o júri responsável pela escolha, o trabalho “representa uma ode à poética da diferença expressa através de constelações inter-relacionadas de significantes gestuais – pedras e saltos, predominantemente – em que o corpo aparece em modos ambíguos e fragmentados, implícitos, mas poderosamente presentes mesmo na sua ausência”. Rodrigo Pinheiro nos conta, por meio de uma seleção comentada de imagens, do processo de criação da série.

 

Em novembro de 2019, eu e Gal voltamos em Vila da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, onde fui apedrejade quando criança. Levamos uma mochila para enchê-la de escombros, pedaços de asfalto, as pedras da rua, e fazer alguma coisa no estúdio. Alguma escultura. Fui uma criança que confundia. À primeira vista, uma menina. Os confusos me seguiam diariamente na volta da escola.

 

 

Imagino que pudessem ser as mesmas pedras, 20 anos depois. Fátima disse não ser possível calcular a idade delas, o vestígio desiste.

 

 

Um dos meus apelidos na infância era Hiroshima. Nasci no dia da bomba. Sei que não era só confusão que meu corpo de criança provocava. Isso não é provocar.

 

 

Arcada em gesso dos 10 anos de Hiroshima.

 

 

 

A série começou com o título Hiroshima. Um dia, ainda em dezembro de 2019, descobrimos que Gal nasceu no dia do presidente americano que lançou a bomba. Foi uma coincidência louca. Ile havia mudado o nome para Gal recentemente. Na série GH falamos também da corpa em transição. Dos impactos espontâneos e ostensivos de existir. O trabalho é sobre quem sempre fomos.

 

 

Retrato de Vila da Penha, do terraço do prédio onde nasci e cresci na rua Flamínia. Para acompanhar a nossa história, eu e Gal fotografamos uma espécie de evangelho sobre Davi e Golias segundo GH. Davi, pastore, com os trechos bíblicos corrigidos para o não binário. Na época, procurávamos por um carneiro. Um amigo artista, Francisco Brandão, disse que tinha alguns. Em um deles havia feito furos para encaixar umas pérolas. Ele enviou por correio e fotografamos o carneiro com e sem elas.

 

 

Como seria se uma criança fosse se proteger.

 

 

A primeira vez que olhamos essas luvinhas achamos que eram saltinhos.

 

 

 

Gal.

 

 

Escrevemos para a psicóloga que me atendia na infância. Falamos com ela sobre essa casa de bonecas que eu brincava enquanto conversávamos no consultório. Eu tinha entre 8 e 10 anos. Ela disse que a casinha ainda estava lá, cheia de poeira e guardada por conta da pandemia. O escritório estava fechado há mais de um ano. Ela tirou um dia, buscou a casa, enfiou em uma sacola e enviou pra gente.

 

Carta de 2016.

 

 

A primeira escultura que fizemos de tecido e escombros.

 

 

O gesto de caber.

 

 

Davi, el pastore. ///

 

Rodrigo Pinheiro (1987) é nascide e criade em Vila da Penha, Rio de Janeiro. Seu trabalho abrange cinema, filmes-ensaio e fotografia. Em 2021, foi contemplade com a bolsa PHMUSEUM Photography Grant por seu trabalho GH, Gal e Hiroshima em parceria com a artista Gal Cipreste Marinelli. Publicou em abril de 2018, de forma independente, o livro de artista Tornaras (Chorona Editora).

Gal Cipreste Marinelli (1998), artista visual, musicista e fotógrafe trans não-binárie. Nascide em São Gonçalo, onde passou a maior parte da infância e adolescência, sua pesquisa aborda temas como a inauguração de gêneros, a ficcionalização do real e a monstruosidade. Contemplade com a bolsa PH MUSEUM Photography Grant (2021) ao lado de Rodrigo Pinheiro.

 

 

 

 

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