Fotolivro do brasileiro Felipe Russo está entre melhores do ano pela revista TIME
Publicado em: 9 de dezembro de 2014A revista TIME divulgou recentemente sua lista dos melhores fotolivros de 2014. São 27 títulos escolhidos entre publicações do mundo todo, selecionados pelos editores de fotografia da revista e por especialistas no tema. Entre eles está o fotolivro Centro, do brasileiro Felipe Russo, indicado por Martin Parr, fotógrafo da agência Magnum. Parr descreve Centro como um “charmoso e pequeno livro sobre São Paulo, que combina pontos de vista mais amplos da anarquia da cidade com detalhes aparentemente simples e surreais das ruas, reunidos para fazer um livro fascinante”.
A ZUM conversou com Russo sobre o projeto, um fotolivro autopublicado (editado, impresso e distribuído pelo próprio fotógrafo), resultado de sua pesquisa de mestrado.
Em 2014 você publicou o fotolivro Centro. Qual é o tema desse trabalho e como você o desenvolve?
O trabalho Centro tem duas linhas principais de construção. A primeira é a busca pela criação de outra possibilidade de vivência de um grande centro urbano, marcada pelo silêncio, pelo vazio e pela possibilidade de criar significado a partir do detalhe, do mundano e de pequenos gestos transformativos de intervenção sobre a superfície da cidade. Aproximo duas escalas distintas de observação, desconstruindo hierarquias de importância desse espaço construído. Como monumentos que celebram o efêmero e apontam a existência de uma energia latente de transformação, os objetos e espaços fotografados aludem a questões históricas e sociais ora muito particulares a São Paulo, ora típicas de qualquer grande centro urbano. As imagens são revestidas também de sentidos muito pessoais e de um afeto que se constrói a partir da minha vivência da cidade e de longas caminhadas. A segunda linha construtiva do ensaio se dá a partir de uma pesquisa do espaço e de sua representação no plano bidimensional da superfície de uma fotografia. Utilizando as possibilidades transformativas do aparato fotográfico, especialmente das câmeras de grande formato, posso aproximar visualmente objetos e espaços distintos, acentuar repetições e padrões construtivos e alterar a maneira como o observador se depara com a superfície do centro de São Paulo.
O livro é resultado de seu projeto de mestrado. Como foi o processo de produção do livro, de autoedição e autopublicação? E qual a relevância do formato, como você pensou e procurou trabalhar o fotolivro como suporte?
Sim, o trabalho foi minha tese no MFA da Hartford Art School. O programa tem o livro como foco de pesquisa e, durante todo o desenvolvimento do projeto, o livro já se apresentava como suporte principal de finalização. A construção do trabalho se deu a partir de muitas visitas ao centro, longas caminhadas muito cedo e o exercício de fotografar livremente. O entendimento se cria a partir da análise do acervo formado e com o tempo a pesquisa se estrutura. Logo nas primeiras tentativas de organizar esse acervo, o livro era a ferramenta de organização. Criei muitos bonecos [maquetes para confecção de livros] e sequenciei as imagens na tentativa de dar conta do que estava fazendo. Foram quatro anos e diversos bonecos até a publicação do formato final. Sempre tive vontade de me envolver com todas as etapas da publicação, pensar mesmo no livro como o trabalho e não como um catálogo que apresenta as imagens do trabalho. Esse envolvimento traz um entendimento mais completo do processo, desde limitações técnicas, conhecimento de materiais, preparação de arquivos e busca por parceiros, tudo colabora para um diálogo mais direto com o livro que influência muito o resultado final e a materialização do trabalho.
A primeira etapa e talvez a mais importante seja a escolha e o sequenciamento das imagens. Acho que aí está o coração de um bom livro, é isso que me pega forte em outras publicações que admiro. A partir da definição dessa sequência o objeto se constrói no sentido de fortalecer a experiência física de encontro com o trabalho e de tentar imprimir alguns de seus sentidos mais profundos na fisicalidade do objeto livro. O trabalho se cria no silêncio, na sutileza, muitas das imagens são delicadas e o livro não poderia ser diferente. Fisicamente, o livro Centro valoriza a experiência direta com os materiais que o constituem. Além disso, existe uma preocupação em criar uma vivência do próprio livro como estrutura e espaço.
O que representa para você o reconhecimento de Martin Parr e da revista TIME ao destacar o fotolivro Centro entre os 27 favoritos de 2014?
Fiquei muito feliz quando recebi o e-mail do editor da TIME pedindo um exemplar, pois o livro havia sido indicado para a lista. Na verdade foi difícil acreditar, tive que pedir para a Lua (minha mulher) ler o email e confirmar que era verdade. Fiz o livro com muito carinho e dedicação, mas nunca tive a pretensão de vê-lo em umas dessas listas de melhores livros do ano. Martin Parr é um grande amante dos livros, tem uma das bibliotecas mais completas do mundo; saber que o Centro chegou tão forte para ele foi importante. Além disso, quando você se autopublica, um dos maiores desafios é a distribuição dos livros. A sala da minha casa se transformou em depósito, e não é fácil conseguir espaços para venda da publicação. Sou muito grato a espaços como a Livraria Madalena, a Tijuana, a Tenda de Livros e a Fauna Galeria, que foram os primeiros espaços a receber a publicação. A Madalena acreditou no projeto e levou o livro até o Paris Photo, onde Martin Parr comprou um exemplar e conheceu o trabalho. Depois da lista muitas portas se abriram, livrarias na Europa e EUA pediram a publicação e tive um volume inacreditável de venda pelo meu site. Passei uma semana só respondendo e-mails, empacotando livros e indo até o correio. Isso é para mim o mais importante, ver o livro saindo de casa e chegando à mão das pessoas. Espero que esse reconhecimento aumente o interesse internacional por publicações brasileiras, temos um mercado cada vez mais fortalecido e muitas publicações de qualidade. A publicação independente no Brasil tem uma longa história e nos últimos anos tem crescido muito. Temos que olhar pra isso com carinho e valorizar a qualidade dos nossos livros.
Centro, o livro. from Felipe Russo on Vimeo.
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