O carnaval, a cidade e os corpos se misturam na fotografia de Claudia Jaguaribe
Publicado em: 21 de fevereiro de 2020Como carioca nasci com essa certeza. Entre morar no Rio e fora da cidade, anos se passaram. E o carnaval carioca sempre foi uma alegria na minha vida. Desfilei, fui a muitas rodas de samba e blocos. Mas nunca havia fotografado, porque ficava sem um foco. Muitos fotógrafos já haviam registrado o carnaval. E outros tantos continuavam clicando. Mas em determinado momento pensei que, por isso mesmo, precisava ver de perto, entender como e o porquê dessa folia que transforma o Rio de Janeiro.
Resolvi fotografar a integração da cidade com a festa. Ver como as pessoas se organizam e fazem acontecer esse espetáculo. Fui à Mangueira, ao Estácio, à Caxias, à Gamboa, à Vila Isabel entre outros tantos lugares onde acontecem os ensaios e a confecção dos adereços para pôr tudo aquilo na avenida. De dezembro até o carnaval frequentei todos os ensaios e galpões que consegui. Fotografei essas comunidades que silenciosamente vão construindo um universo próprio. Dentro das famílias são gerações que vão bordando, costurando e modelando tudo que vemos nos galpões, em suas casas, clubes e agremiações. É um exercito a serviço do samba. E o ganha-pão de milhares de artesões, carnavalescos e músicos.
Em cada local, me deparei com situações de integração entre a cidade e seus carnavalescos, subvertendo os limites de cada um. Bebês recém-nascidos em quadras de samba tarde da noite se acostumando ao som enlouquecedor, velhas baianas que mal andam sambando sem parar e desenhos se transformando em alegorias fantásticas, só para lembrar de alguns momentos. Por isso as fotos são de uma extrema saturação, sobrepondo fragmentos do carnaval com a arquitetura da cidade, das fantasias com o rosto dos costureiros, da arquitetura com os carros alegóricos. Tudo fica impregnado de uma camada de fantasia sobre a realidade cotidiana: um calor infernal, o enorme esforço físico e as condições precárias onde se fabrica o carnaval.
O dia a dia é tomado pela pressa de fazer acontecer o que parece impossível. De estar no prazo, de fazer com que os custos caibam no orçamento das escolas e que a bateria não atravesse. Foi um período inebriante ouvir o samba se fazendo nas casas dos músicos, fotografar colada nos corpos das passistas, sentir a comunidade unida nos ensaios e ver de perto tecido, isopor e purpurina virarem arte. ///
Claudia Jaguaribe é formada em História da Arte, Artes Plásticas e Fotografia pela Boston University, EUA. Seus trabalhos e livros estão em diversos museus e coleções brasileiras e internacionais tais como Museu de Arte Moderna (SP), Inhotim (MG), Itaú Cultural, Instituto Moreira Salles, Victoria & Albert Museum (Londres), Maison Européene de la Photographie (Paris) e Instituto Ítalo Latino Americano (Roma), entre outros.
Tags: Carnaval, Escola de Samba, Rio de Janeiro