A caravana migrante que cruza o México em busca de asilo nos EUA pelas lentes da fotógrafa Adriana Zehbrauskas
Publicado em: 22 de março de 2019A violência na América Central, principalmente em Honduras e El Salvador, é um dos principais motivadores do exôdo de milhares de pessoas em busca de asilo nos Estados Unidos. E para chegar até o destino final, precisam cruzar todo o México, também um país que lida com seus próprios e graves problemas de violência: grupos armados, sequestros, desaparecimentos, tráfico de drogas. A fotógrafa brasileira Adriana Zehbrauskas documenta essa situação desde 2005, em inúmeras viagens entre as fronteiras sul e norte mexicanas. “É uma história eterna… e para entender o porquê dessa fuga massiva fiz várias matérias em Honduras e El Salvador. No entanto, as caravanas são um fenômeno novo, que começaram o ano passado”, comenta Zehbrauskas.
No final de 2018, a fotógrafa acompanhou por mais ou menos 350 km, a pé e de carro, um grupo de migrantes em caravana cruzando os estados mexicanos de Chiapas e Oaxaca. Zehbrauskas contou o que viu e registrou nessas viagens ao México e Honduras numa seleção de fotografias, boa parte delas inéditas, feita especialmente para a ZUM.
Membros de uma gangue local se reúnem em esconderijo localizado no bairro popular de San Pedro Sula, Honduras. Uma dissidência das duas principais gangues hondurenhas, Mara Salvatrucha (MS-13) e Barrio 18, eles têm como principal atividade proteger a comunidade, vender drogas e trabalhar como sicários.
A violência perpetrada por esses grupos, a pobreza e as péssimas condições políticas e socioeconômicas são os principais fatores por trás da massiva saída dos hondurenhos em busca de asilo político nos Estados Unidos e outros países da América Latina e da Europa.
Gabriela Liseth (13), na casa da sua família em El Progreso, Honduras. Com seu pai, Pedro, e os irmãos Angel Gabriel (12), Kaily Margot (7) e Valeria (4), foram sequestrados pelos Zetas (organização criminosa mexicana) e feitos reféns por 42 dias quando cruzavam o México para tentar chegar aos Estados Unidos para reencontrar a mãe. O resgate foi pago e todos sobreviveram, mas o sonho americano terminou no meio do caminho. Cruzar o México é a mais longa e perigosa parte do trajeto – os migrantes caem nas mãos de bandidos, narcotraficantes e policiais corruptos. Sequestros e abusos sexuais são, mais do que a exceção, a lei.
Andrea Belen (8), na casa de um cômodo que divide com seu pai, Josué Fuentes, em Choloma, cidade industrial ao norte de San Pedro Sula e terceira maior do país. Viúvo e desempregado, Josué planejava emigrar para os Estados Unidos com sua filha para viver com sua irmã, que emprestou sete mil dólares para contratar o coiote que os levaria via Guatemala e México até a divisa dos EUA. Na noite anterior à viagem, dissuadido pelas notícias das detenções na fronteira, Josué desistiu da empreitada com medo de que o separassem de sua filha.
Nicolle (13), Jennifer (13) e Concepción (14) – os nomes foram trocados para preservar as identidades – são amigas e vítimas da violência e do tráfico de menores para prostituição dentro da escola em que estudam em El Progreso, cidade de 310.000 habitantes no Departamento de Yoro, Honduras. A pessoa responsável pelo aliciamento das menores não era muito mais velha: uma aluna de 15 anos que trabalha para uma rede que coopta meninas para trabalhar como “pré-pagas” (gíria local para prostitutas).
As garotas são ameaçadas para não contar aos pais. Concepción (no meio da foto) foi a menos afortunada das três: levada numa tarde ensolarada, pouco depois do meio dia, foi espancada, estuprada, jogada numa van e abandonada em uma estrada de terra. “Tinha tanto medo, tanto medo. Eu tremia e gritava pedindo ajuda. Cheguei em casa e estava suja, muito suja, todo meu uniforme escolar sujo. Não tive coragem de contar para minha mãe.”
As meninas finalmente fizeram uma denúncia e o casal aliciador está sob investigação. Elas ainda sentem medo e podem perder o ano na escola por faltarem tantos dias. “Mas o pior”, dizem, “é que não adianta mudar de escola. Eles estão em todas as escolas aqui.”
Passageiros esperando na madrugada pelo ônibus no terminal de San Pedro Sula. Também conhecido como “ônibus dos molhados”, a linha cruza Honduras e Guatemala a caminho do México. Muitos migrantes sem documentos viajam dessa maneira, uma vez que poucos podem pagar um coiote para levá-los até a fronteira norte-americana.
Membros da caravana migrante, saídos de Honduras alguns dias antes, escutam instruções sobre o próximo destino da viagem: a pequena cidade de Santiago Niltepec que, com cerca de 5 mil habitantes, está se preparando para recebê-los com um misto de sentido de dever e medo, ocasionado por rumores de sequestros e o grande número de migrantes, que ultrapassa o de habitantes locais.
Migrantes da caravana fazem o trajeto de 100 km entre Pijijiapan e Arriaga, no Estado de Chiapas, México. Por conta do intenso calor, eles se locomovem nas primeiras horas da manhã (geralmente a partir das quatro da madrugada) e alternam entre caminhar e pegar caronas em carros e caminhões.
Centro-americanos da caravana migrante que partiu de Honduras deixam a cidade de Mapastepec, Chiapas, em direção a Pijijiapan, 46 km ao norte. Sem recursos, dinheiro ou comida, famílias se deslocam como podem, caminhando ou pegando carona em caminhões.
Após um percurso de quase 100 km, membros da caravana descansam do calor implacável à sombra de um trem de carga abandonado em Arriaga, Chiapas, transformado em um campo de refugiados a céu aberto. Posicionada entre os estados de Oaxaca e Chiapas, Arriaga é um entroncamento importante para os migrantes a caminho do norte: é lá que começa a rede ferroviária de trens de carga – conhecidos como “a besta”- que cruza o país.
A família de Mauricio, composta por nove pessoas, esperou quatro horas por uma carona na beira da estrada. A caravana estava se movendo para o norte a duas semanas, indo para Arriaga, cerca de 100 km de distância dentro do Estado estado mexicano de Chiapas. A família espalhou-se pela beira da estrada na esperança de convencer algum motorista a parar e lhes dar uma carona. “Dormir ao ar livre todas as noites está começando a pesar”, disse Mauricio. “É perigoso, principalmente para nossa filha.”
Carolina (27) está com Janel (3 meses) no colo, filha de Mauricio e Cindy Castro. Ao lado dela, dormindo no chão, está sua filha Marangeli (4). No grupo também viajava sua sogra, Maria Marta Alcantara (64), e sua sobrinha Brisney (13).
Sob um calor sufocante já nas primeiras horas da manhã, membros da caravana migrante que saiu de Honduras em meados de outubro se apinham na traseira de um caminhão em um percurso de mais de 100 km. A chegada à cidade de Arriaga marcou o final da primeira etapa da viagem do grupo no México. De lá, os migrantes se deparariam com várias decisões difíceis. Em que direção ir: leste por Veracruz, ou oeste por Oaxaca?; quando: imediatamente ou depois de um dia de descanso?; e como: a pé, de trem ou uma combinação dos dois?
Fila para receber comida em San Pedro Tepanatepec. Sem recursos ou dinheiro, os migrantes dependem da boa vontade dos habitantes locais, de alguns orgãos oficiais e de organizações não governamentais. A caravana, que nesse momento somava mais de 6 mil pessoas, ultrapassava muitas vezes o tamanho das cidades nas quais chegavam. As precárias condições de higiene e saúde, o desconforto por parte da população, dividida entre o temor e a solidariedade, criavam uma situação problemática na localidade.
No cruzamento de uma estrada, durante a madrugada, centro-americanos da caravana migrante tentam parar veículos para seguir viagem pelo Estado de Chiapas, rumo à fronteira entre o México e os Estados Unidos mais ao norte.
Ivis Oneida (26) e seu filho Justin (5) dormem exaustos em um abrigo na cidade de Mapastepec, Chiapas. Ela se juntou à caravana em sua nativa Honduras, mas decidiu não continuar e regressar ao país. Para muitas mulheres viajando sozinhas com seus filhos pequenos, as condições extremamente difíceis da viagem se tornam potencialmente fatais.
Uma família local distribui comida para os migrantes da caravana, que chegaram exaustos de Huixtla e montaram acampamento debaixo de chuva na praça central da cidade.
Gamaliel Guevara (5 meses) em um abrigo em Santiago Niltepec, Oaxaca, uma pequena cidade de 5 mil habitantes na rota da caravana migrante. Doente e com febre, Gamaliel foi trazido por seus pais na viagem e no momento estava sendo tratado por funcionários da saúde da localidade.
Após caminharem 65 km, a caravana chega em Mapastepec, onde, sob chuva torrencial, passaram a noite em barracas de plástico e papelão na praça central. No dia seguinte, às 3 horas da madrugada, a caminhada rumo ao norte recomeçaria.
Tijuana, cidade mexicana na fronteira com os Estados Unidos, foi o destino final da caravana. Lá, os migrantes seguem esperando o longo e complicado processo de asilo. Muitos decidiram ficar no México e outros tantos regressaram aos seus países de origem. Enquanto isso, a vida em Tijuana continua. Angel Raciel Zaragoza celebra seu aniversário na praia, ao lado do muro que separa a cidade de San Diego (EUA). Toda sua família vive do lado norte-americano, exceto seu pai, que mora do lado mexicano – a festa teve que ser feita no México para que o pai pudesse estar presente.///
Adriana Zehbrauskas é fotógrafa documental e educadora visual. Como freelancer, colabora com um grande número de jornais e revistas como The New York Times, The New Yorker e Stern, entre outros. É instrutora do ICP (NY) e do Foundry Photojounalism Workshops, jurada do World Press Photo, do Premio Gabo e do POYI Latam e recipiente do Getty Instagram Grant, Overseas Press Club Award, Pictures of the Year International e Prêmio Mulher Imprensa.
Tags: américa central, crise migratória, fotojornalismo, fronteira eua, México