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Rubens Fernandes Jr, curador da exposição São Paulo: Sinfonia de uma metrópole, comenta a obra do fotógrafo Theodor Preising

Rubens Fernandes Junior & Theodor Preising Publicado em: 27 de fevereiro de 2018

Uma São Paulo prestes a se transformar em uma grande metrópole; a construção de um parque industrial e a verticalização de seu centro histórico, acompanhados por um crescimento populacional inédito: esta foi a cidade registrada pelo fotógrafo alemão Theodor Preising entre 1925 e 1940. Ainda pouco reconhecido na história da fotografia brasileira, seu trabalho pode ser visto na exposição São Paulo: Sinfonia de uma metrópole, em cartaz no Centro Cultural Fiesp, juntamente com revistas e cartões postais da época.

Da chegada de imigrantes japoneses no Porto de Santos ao carnaval de rua da década de 1930, as imagens de Preising revelam um pouco do crescimento e formação da cidade de São Paulo no período entre as duas grandes guerras mundiais. ZUM conversou com Rubens Fernandes Junior, curador da exposição, sobre a vida e a obra do fotógrafo, capaz de construir “uma narrativa visual muito bem desenvolvida e ‘amarrada’ para contar uma história”.

Theodor Preising é um nome ainda pouco conhecido na história da fotografia brasileira. Pode nos contar um pouco da trajetória deste fotógrafo?

Rubens Fernandes Jr: Theodor Preising nasceu na Alemanha, em 1883, onde manteve seu estúdio de retratos até ser convocado para atuar como fotógrafo no front da Primeira Guerra Mundial. Pouco se sabe das imagens produzidas por ele para o exército alemão. Após o final da guerra, seu país encontrava-se economicamente inviável – alta inflação, desemprego e sem estabilidade política – e diante disso resolveu emigrar. Primeiro para Argentina e, em seguida, para o Brasil. Preising chegou a São Paulo em dezembro de 1923, após uma experiência na cidade litorânea do Guarujá, onde trabalhou no Grande Hotel comercializando cartões postais e equipamentos e produtos fotográficos. Ao chegar a São Paulo, ainda sem dominar a língua, percebeu que havia espaço no mercado para a produção, distribuição e comercialização de cartões postais.

Na escola alemã teve uma formação técnica, incluindo conhecimentos de física e química, o que lhe deu a possibilidade de rapidamente se instalar comercialmente. Nesse sentido, considero-o um empreendedor, já que apenas com seu conhecimento e um pequeno capital, decidiu que, mesmo em terra estrangeira, poderia continuar a desenvolver sua profissão.

O fato de Preising ser um imigrante teve alguma influência na maneira como ele registrou em imagens as cidades paulistanas?

RFJ: Preising trabalhou duro nos primeiros anos. A maioria de suas fotografias da cidade de São Paulo foram concebidas para circular como cartão postal ou em álbuns especialmente criados e identificados com 10 fotografias no formato 18×24 cm.

A produção e circulação de suas imagens foi bastante intensa e durou até a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, que impediu que os imigrantes do Eixo registrassem livremente a cidade. Para esta exposição, selecionamos um grupo de fotografias que denota um enquadramento muito cinematográfico do espaço urbano. Cada fotografia traz um conjunto de informações que parece estar prestes a desencadear uma ação. Sua fotografia tem base documental e se percebe, em cada um dos conjuntos que compõem a exposição (Cidade, Lazer, Imigração e Colheita de Café), a construção de uma narrativa visual muito bem desenvolvida e “amarrada” para contar uma história. Como suas imagens eram quase sempre destinadas à produção de cartões postais numerados e de álbuns bem editados visualmente, podemos concluir que o conjunto era articulado em função da narrativa criada. Preising tinha um poder de síntese visual diferenciado em relação a outros produtores de cartões postais.

Como o estilo de Preising se compara a de outros importantes fotógrafos da época que também estavam registrando a paisagem urbana brasileira, como Hildegard Rosenthal, Alice Brill, Marcel Gautherot e Hans Flieg, entre outros?

RFJ: O estilo de Theodor Preising está centrado num discurso visual de precisão técnica e estética, destinado ao suporte do cartão postal. Raramente, ao fotografar a cidade, seu trabalho era pautado para um jornal ou qualquer outra publicação impressa. Ele escapa um pouco de seu estilo quando participa da experiência modernista da Revista S. Paulo juntamente com outro fotógrafo, Benedito Junqueira Duarte (B.J. Duarte) e com os poetas e escritores Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo. Na Revista S. Paulo, patrocinada pelo governo de Armando Salles de Oliveira, a imagem era somada a outras imagens, propiciando uma visualidade estimulante e perceptualmente diferenciada.

Percebo que há, sim, diferenças em relação aos trabalhos de outros fotógrafos estrangeiros que chegaram depois de Theodor Preising já estar estabelecido na cidade de São Paulo. Peter Scheier, Hildegard Rosenthal, Alice Brill, Marcel Gautherot, Hans Gunter Flieg, por exemplo, participaram de um circuito cultural diferente de Preising.

Na verdade, parte expressiva da coleção de imagens da cidade de São Paulo realizadas por Hildegard Rosenthal e Alice Brill foi produzida no início da década de 1950, atendendo um pedido expresso de Pietro Maria Bardi, que desejava editar um grande livro de fotografias para o IV Centenário da Cidade (projeto inacabado e no qual estou atualmente trabalhando). Flieg, por sua vez, atuava junto a arquitetos e diversas construtoras e se especializou em ajustar “maquetes” no espaço destinado ao edifício, com um belíssimo estudo de luz, a fim de simular o empreendimento. Já Marcel Gautherot e Peter Scheier trabalharam com mais liberdade, mas de certo modo, sempre entendendo a potência da imagem e sua viabilização comercial.

Enfim, vejo no trabalho de Theodor Preising mais diversidade imagética e uma estética diferenciada, pois seu compromisso maior era produzir e distribuir uma fotografia que fosse encantadora e sintetizasse a cidade de São Paulo, mesmo que de forma fragmentada, para o cidadão, os visitantes e os turistas que por aqui passavam. Sua obra ainda permanece pouco conhecida, mas seus cartões postais e seus álbuns entraram para história da iconografia paulistana. Podemos ainda ampliar para todo o Brasil, já que Preising registrou diversas cidades brasileiras com a mesma intenção de sensibilizar o cidadão e o turista diante de tanta beleza natural e arquitetônica.

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Exposição São Paulo: Sinfonia de uma metrópole
No Centro Cultural Fiesp, em São Paulo, até 25 de março
Mais informações aqui.

 

Rubens Fernandes Junior, pesquisador, curador e crítico de fotografia, é doutor pela PUC-SP e diretor da Faculdade de Comunicação e Marketing da Faap. É autor de O século XIX na fotografia brasileira (2000), Labirinto e identidades (2003) e Papéis efêmeros da fotografia (2015), entre outros.

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