A fotografia clássica é tema de inédito, e gratuito, dicionário fotográfico brasileiro
Publicado em: 5 de fevereiro de 2019Num e-mail de 28 de maio de 2017, o fotógrafo e pesquisador Pedro Karp Vasquez surpreendia o Centro de Conservação e Preservação Fotográfica (CCPF) da Funarte com um presente: os direitos de seu então inédito Dicionário Técnico da Fotografia Clássica. Na mensagem endereçada a Sandra Baruki, coordenadora do CCPF, com a citação ao santo do dia ia um bom tanto do jeito de ser de Vasquez e de sua dedicação quase romântica — mas nada menos que fundamental — à fotografia brasileira:
“Querida Sandra,
Com as bençãos de São Germano, envio em anexo o Dicionário Técnico da Fotografia Clássica contendo 334 páginas e um total de 1.107 verbetes. É um presente para o trigésimo aniversário do CCPF, que vocês podem usar livremente, sem qualquer tipo de pagamento e, inclusive, sem necessidade de citar meu nome.”
Trabalho de mais de 30 anos, o primeiro do gênero produzido por um brasileiro, o Dicionário cataloga equipamentos, instrumentos, processos, métodos, conceitos e produtos relacionados à fotografia desde seus primórdios no século 19. A fotografia clássica, como diz o título. A fotografia pré-digital, como preferem alguns. Ou ainda a fotografia de verdade, como Vasquez gosta de classificar, “apenas para gerar quizumba”, já que até oficina de fotografia com celular ele ministrou.
“Eu fiz o dicionário pensando, prioritariamente, nos museólogos, arquivistas, pesquisadores e historiadores que são obrigados a lidar com matérias cuja natureza vai sendo perdida com a voracidade do tempo”, explica o autor, ele mesmo historiador, curador, crítico de fotografia e um dos responsáveis pela criação, em 1980, do Instituto Nacional de Fotografia, antecessor do CCPF. “Além de servir de recurso de pesquisa, o Dicionário gera uma informação que pode não estar mais disponível no futuro, que é o fazer fotográfico”, adiciona Sandra Baruki. “As técnicas vão existir sempre. O que a gente precisa é conhecê-las e ter acesso aos instrumentos, aos materiais, até para produzi-las com leituras contemporâneas. O trabalho do Pedro ajuda a manter vivo o interesse nesse fazer.”
O plano inicial, tanto de Vasquez como de Baruki, era publicar o dicionário em papel. Vasquez chegou a entrar em contato com o Instituto Antônio Houaiss, especializado em lexicografia, mas as conversas não evoluíram por falta de financiamento. O mesmo ocorreu no CCPF, que, como tantas instituições públicas dedicadas ao inventivo e à preservação da cultura brasileira, padece de cortes orçamentários. “A partir de determinado momento, então, achei que o ideal seria disponibilizar a trabalho gratuitamente pela internet para beneficiar o maior número possível de pessoas”, conta Vasquez.
E, desde de dezembro último, lá está a sua compilação romântica e abnegada no site da Funarte: http://sistemas10.dominiotemporario.com/funarte/dicionario_fotografia/. Uma bem-vinda bibliografia será adicionada em breve. E um índice alfabético a tornaria ainda melhor. Nada que tire seu encanto. Na entrevista a seguir, Vasquez fala do Dicionário, sua elaboração, de xenofobia idiomática e singeleza na escrita. Também explica por que chamar a fotografia em película de analógica é impreciso e até relaciona as verdades fotográficas com… Clarice Lispector.
A essa altura da corrida digital, por que a fotografia clássica ainda importa?
Pedro Vasquez: A importância do dicionário reside precisamente no fato de que enfoca um conhecimento que está em vias de ser perdido. Eu não fiz o dicionário pensando no “fotógrafo” normal, que usa smartphones e câmeras digitais simples e sim, prioritariamente, nos museólogos, arquivistas, pesquisadores e historiadores que são obrigados a lidar com matérias cuja natureza vai sendo perdida com a voracidade do tempo. O vocabulário da fotografia clássica vai sendo progressivamente preterido pelas novas gerações da mesma forma que o latim se tornou língua morta, mas é preciso que existam para todo o sempre pessoas capazes de entender ambos os vocabulários, de modo a preservar uma sabedoria ancestral de extrema importância.
Qual o ponto de partida do dicionário?
PV: A ideia do dicionário está na minha cabeça desde 1980, quando sugeri à revista Photo Camera (a primeira, carioca, não a paulista, que surgiu depois) a publicação de um pequeno dicionário em formato de bolso, que seria oferecido como brinde aos assinantes. O projeto não teve sequência simplesmente porque a revista encerrou suas atividades naquele ano. Mas, em 1985, conforme comprovado pela existência da prova heliográfica que conservo até hoje, o Dicionário Técnico da Fotografia chegou a ser integralmente diagramado e composto, para edição autônoma. Todavia, essa segunda tentativa também não foi bem-sucedida, nem me recordo mais por quê. Apesar dessas duas tentativas malogradas, esse pequeno dicionário foi utilizado como texto base pelo Grupo de Estudos em Terminologia Fotográfica, organizado por Guilma Vidal Viruez (do Departamento de Documentação da Funarte), do qual eu era um dos integrantes, assim como representantes da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional, da Embrafilme e da Casa de Rui Barbosa. Ou seja, profissionais de fotografia, cinema, arquivologia, biblioteconomia e microfilmagem. Mas, em virtude dos impedimentos característicos da administração pública brasileira, esse empreendimento extremamente louvável acabou sendo descontinuado, como outras tantas boas iniciativas que se perderam na noite dos tempos. Pela distância no tempo, não me lembro quais foram os primeiros verbetes redigidos, mas posso afirmar que os glossários que fiz para A Fotografia no Brasil, 1840-1900, de Gilberto Ferrez, lançado em março de 1985, e o meu Dom constituíram o ponto de partida do dicionário tal como ele existe hoje.
A partir de então como foi seu método? Quanto tem, no trabalho, de pesquisa em outras fontes e de vivência sua no fazer fotográfico?
PV: Parafraseando o crítico literário Edmund Wilson, quando criticou os autores preguiçosos ou travados ao afirmar, “Um escritor, escreve”, eu poderia dizer: “Um pesquisador, pesquisa”. Assim, durante quase quatro décadas fui reunindo de forma aleatória, porém sistemática, tudo aquilo que pudesse subsidiar a redação do dicionário, desde publicações estrangeiras como enciclopédias e dicionários, até artigos de jornais e revistas. Além disso, existe, evidentemente, o sedimento que acumulei por via do ensinamento oral em cursos, workshops, palestras e conversas pessoais com especialistas. Mesmo sem ser especialista em conservação e preservação, fiz um curso de curta duração no Rochester Institute of Technology, para identificação dos processos históricos, da mesma forma que fiz o workshop de daguerreotipia do fotógrafo e conservador Francisco da Costa, para assimilar “na alma”, por assim dizer, o complicado processo fundador da fotografia. Por sinal, no momento em que respondo às suas perguntas estou usando a camiseta com a inscrição “Studio Século XIX Daguerreotipia”, que Chico reservava aos alunos que conseguiam produzir daguerreótipos sob sua orientação. O que, posso garantir, não é nada fácil. Existem, evidentemente, dicionários e enciclopédias de fotografia em outros idiomas, sobretudo em inglês e francês, conforme citado na bibliografia do Dicionário Técnico da Fotografia Clássica editado pelo Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte. Todos foram de fundamental importância para meu trabalho, mas nenhum deles serviu de ponto de partida ou de referência incontornável, pois os adquiri depois de ter tido a ideia do dicionário, justamente para viabilizar a redação, de modo que não há um exemplo inspirador ou uma preferência pessoal.
Qual o seu verbete preferido? Por quê?
PV: Essa é uma pergunta curiosa. Não tenho um verbete preferido. Mas, pensando no assunto, eu destacaria os verbetes relativos aos processos inaugurais, Daguerreotipia, Ambrotipia e Ferrotipia. Isso porque esses processos são frequentemente confundidos nas identificações de instituições detentoras de acervos fotográficos, de modo que esses verbetes podem ser de fato úteis.
A propósito, por que não há verbetes sobre marcas, fabricantes e inventores importantes na história da fotografia clássica? A não ser aqueles que se tornaram sinônimos de produtos ou processos, como Polaroid.
PV: O dicionário tem cunho eminentemente prático, portanto, assim como a absoluta maioria dos seus congêneres, não destaca fabricantes e sim processos, técnicas e equipamentos. Contudo, se você observar bem, verá que em diversos casos eu cito exemplos de fotógrafos ou de tendências que empregaram algum equipamento de um fabricante específico, como no caso da Leica ou da Polaroid, conforme você bem lembrou, ou dos Autochromes Lumière, por exemplo. Do mesmo modo, em alguns casos eu cito procedimentos ou sistemas contemporâneos de base digital (como Photoshop no verbete Retoque) para facilitar o entendimento do leitor jovem, nascido nesta nova era da fotografia.
O universo da fotografia está repleto de termos em inglês. No dicionário, porém, há uma preferência, até bonita, pelo português, mesmo no caso de palavras consagradas no meio. Por exemplo, há o verbete TTL (through-the-lens), mas também Fotômetro de Medição Através da Objetiva. Como foi encontrar esse equilíbrio?
PV: Não tenho nenhum sentimento xenofóbico ou nativista. Contudo, sendo brasileiro, me preocupei em dotar nosso país de um dicionário visando facilitar a compreensão do fenômeno fotográfico da forma mais abrangente possível. Muito embora tenha vivido durante cinco anos na França e, portanto, tendo boa compreensão do espírito francês, discordo da tendência gaulesa de remar contra a maré, adotando nomenclatura diferenciada do resto do mundo. Em todo o planeta impera o termo digital, mas os franceses empregam numérique. Isso me parece excesso de preciosismo, posto que um dígito equivale a um número, mas é bem mais fácil usar digital do que numérico, não é verdade? É preciso entender que toda nova tecnologia, como a fotografia foi em seu tempo, implica na criação de novos termos mais apropriados e exatos para a descrição das suas características intrínsecas. Assim, precisamos ter abertura de espírito suficiente para incorporar as novas denominações quando isso for necessário ou mais conveniente. Outro dia eu escutava um pagode no ônibus em que o cantor afirmava que havia “deletado” a namorada desafeta. Isso me pareceu bem mais afirmativo e funcional em termos de composição musical do que se ele afirmasse: “risquei seu nome do meu caderninho de endereços”.
Muitos verbetes são escritos no presente. Por exemplo: “O ato de rebobinar filmes em casa representa certa economia para o fotógrafo, pois o filme em rolo é mais barato do que o filme acondicionado na fábrica, porém pode acarretar arranhões ou infiltrações de luz em consequência do manuseio inadequado do rebobinador”. Vai aí uma dose de esperança de que a fotografia clássica viva para sempre?
PV: Uma das vantagens em envelhecer – possivelmente a única, segundo alguns – é o fato de perceber que tudo é relativo e de que não há nada de novo sob o sol, muito embora tudo esteja sempre em perpétua transformação. O que é um paradoxo apenas em aparência. Quando o cinema surgiu, milhares de pessoas vaticinaram a morte do teatro. Quando a fotografia foi inventada, outro tanto prognosticou a morte da pintura. E, como bem sabemos, nem uma coisa nem outra aconteceu. Quando a imagem digital surgiu não faltou quem anunciasse o funeral da fotografia de suporte de película. E o que aconteceu? Surgiu a Lomography e até mesmo a Polaroid ressuscitou graças ao Impossible Project [iniciativa holandesa que comprou maquinário da fábrica americana e trouxe os filmes instantâneos da marca de volta ao mercado]. Tenho certeza de que, enquanto os fabricantes de filmes fotográficos persistirem existirão “fotógrafos analógicos”, como se convencionou dizer. Eu mesmo me inscrevo entre eles, muito embora rejeite o selo “analógico”. Conforme já disse antes, fiz até mesmo um workshop de daguerreotipia e conheço numerosos adeptos da fotografia de película, assim como coletivos que compram filme em rolo e, sim, ainda hoje, o rebobinam, por razões de economia, como sempre o fizemos no passado. A fotografia clássica é imorredoura. Só que ela se transformará em uma opção “artística” trabalhosa, porém muito querida, assim como ocorre com a xilogravura ou a gravura em metal.
A que se deve o interesse dos jovens por processos fotográficos tradicionais?
PV: A imagem digital é maravilhosa, mas excessivamente niveladora, ao passo que as câmeras e os filmes do passado são dotados de personalidades próprias, distintivas e perceptivas. É por isso que quem era Nikon não virava Canon, da mesma forma que é impensável para um flamenguista se tornar tricolor ou um palmeirense acordar um dia corintiano. O ápice do fanatismo ficava, evidentemente, com os “leicaístas”. E não se tratava apenas de fanatismo. Se você observar bem perceberá que o desfoque proporcionado pelas antigas objetivas para as câmeras Leica da série M (tanto as Elmar quanto as Summicron) apresenta uma belíssima granulação suave, impossível de ser obtida pelas boas lentes das câmeras reflex da segunda metade do século 20, como as Nikkor (da Nikon), as Takumar (da Pentax), as Zuiko (da Olympus) ou as Rokkor (da Minolta). Isso, entre tantos outros fatores, explica o fenômeno da Lomography, que acabou reeditando uma série de câmeras (trabalhando com formatos de filmes diversos) que haviam sido descontinuadas por seus fabricantes originais. Chegaram até a reeditar a mitológica Petzval Portrait Lens, tão determinante para o desenvolvimento dos estúdios de retrato a partir de meados do século 19. A fotografia de película e os processos e equipamentos antigos atraem tanto quem deseja utilizar a fotografia como instrumento de criação artística ou de curtição tribal como os adeptos da Lomo. Nesse particular vale a pena ler A vingança dos analógicos: por que os objetos de verdade ainda são importantes, de David Sax (Anfiteatro, 2017), que trata, entre outros casos interessantes, do Impossible Project, desenvolvido pelos adoradores da Polaroid com excelente receptividade mundial.
E por que você rejeita a expressão “fotografia analógica”?
PV: É o tal negócio: “O povo é soberano. Sobretudo quando está errado”. Ironias à parte, o fato é que as palavras e as expressões são consagradas pelo uso e, inclusive, mudam de sentido ao longo do tempo ou adquirem significado diferenciado em comunidades diferentes. O verbete Digital Image, do livro Looking at Photographs: A Guide to Technical Terms, de Gordon Baldwin, editado em conjunto pelo The J. Paul Getty Museum e a British Museum Press em 1991, comprova que de início, em ambos os lados do Atlântico, se falava em “imagem digital” e não em “fotografia digital”. O que seria a designação correta, já que os processos são substancialmente diferentes entre si. Contudo, muito rapidamente se difundiu mundo afora o neologismo “fotografia digital”, de modo que para diferenciá-lo da fotografia preexistente, que eu chamei de clássica, mas que poderia ser chamada também de “verdadeira” ou “pura”, passou-se a se falar em “fotografia analógica”, ou até mesmo de “fotografia pré-digital”. Denominações até então inexistentes, conforme pode ser verificado examinando-se os primeiros 150 anos da literatura técnica fotográfica. É o mesmo que ocorre no mundo do livro: fala-se agora de “livro físico” ou “livro de papel” para diferenciá-lo do e-book, como se fala de “livraria de tijolo” (mesmo que ela seja dentro de um shopping e não tenha um tijolo sequer em sua estrutura) para distingui-la das livrarias virtuais. Como se trata de um dicionário, julguei mais correto evitar o termo “analógico” por ser vago e inexato. Analógico é indicador de analogia, ou seja, semelhança entre duas coisas ou ações, de modo que o termo analógico deveria ser aplicado ao que vem depois. Uma das denominações iniciais da fotografia, dada por seu inventor inglês, William Henry Fox Talbot, foi: “desenhos fotogênicos”, da mesma forma que Talbot intitulou seu livro fundador The Pencil of Nature (o lápis da natureza). Pelo mesmo raciocínio, a fotografia analógica deveria ser a digital, pois ela é que se parece com aquela que a precedeu e não o contrário. Mas o que importa saber é que o Dicionário Técnico da Fotografia Clássica não contempla o universo digital. Só isso.
Você ainda fotografa em película? Consegue explicar a razão?
PV: Sim, sobretudo com a câmera panorâmica da Lomo, Sprocket Rocket de 35 mm, mas com câmeras convencionais também. Isso por duas razões básicas: em primeiro lugar porque o ato fotográfico é bastante diverso, da mesma forma que escrever com caneta tinteiro é bem diferente de digitar em um computador; em segundo lugar, porque existe uma diferença evidente entre a imagem produzida por um filme e a digital. É como eu disse antes, cada filme tinha (ou ainda tem, se continua a ser produzido) uma personalidade própria distintiva. Tri-X (Kodak) e HP5 (Ilford) são ambos filmes de ISO 400, porém apresentam rendimento bastante diferenciado. Da mesma forma existiam diferenças até mesmo entre filmes do mesmo tipo de um mesmo fabricante. Não é por acaso que os produtos têm nomes diferentes. Assim, os filmes coloridos diapositivos da Kodak, Ektachrome e Kodachrome, apresentavam resultados visivelmente diferentes até mesmo para um leigo. Simplificando, poderíamos dizer que o Kodachrome parecia ter um filtro polarizador embutido em suas camadas fotossensíveis. Assim, fotografar com Kodachrome ou com Ektachrome era tão diferente quanto degustar a pizza de um bom pizzaiolo feita em forno de lenha e comer uma pizza de supermercado esquentada no forno micro-ondas. Mas graças a Deus não sou um velhinho saudosista inimigo do digital. Muito ao contrário, cheguei até a dar um workshop sobre fotografia com smartphones em uma das edições do Paraty em Foco. No momento estou tomando notas para um livrinho sobre o prazer de fotografar, sobretudo com smartphones. Como todo mundo, faço isso quase todos os dias. Adoro, aplaudo e sou produtor e consumidor da imagem digital, apenas não gosto da denominação “fotografia analógica”, da mesma forma que não gosto da expressão “América pré-colombiana”, já que o território das Américas existia muito tempo antes do surgimento de Colombo e Américo Vespúcio.
O dicionário é escrito de maneira extremamente clara, simples, sem afetação ou presunção. No tempo que passei navegando por ele, me vinha à cabeça o livro Rio, Papel e Lápis (Instituto Moreira Salles), do Cássio Loredano, uma obra-prima da singeleza, do antiesnobismo. Nesse sentido, seu dicionário representa um ato de resistência?
PV: Só se for de resistência física e mental, pois o esforço necessário para dar continuidade a um projeto dessa natureza é realmente considerável. Foi mais um ato de teimosia ou um gesto romântico, se preferir, já que um trabalho como esse deveria ser realizado por uma equipe e não por um indivíduo isolado. Contudo, ao longo das três décadas em que me dediquei à redação do dicionário, não surgiu nenhuma instituição interessada em desenvolver um projeto semelhante, de modo que segui em frente apesar das dificuldades. No mais, fico feliz em ser associado ao Cássio Loredano, que não conheço pessoalmente, mas cujo trabalho admiro enormemente e cujos objetivos comungo. Assim como Cássio, sempre procurei valorizar a cidade do Rio de Janeiro, na qual nasci, apesar de morar em Niterói, além de reverenciar nossos predecessores. Existe no Brasil, infelizmente em muitos casos, um esforço de apagamento do passado, buscando a valorização dos donos do presente, como se o país estivesse sendo perpetuamente refundado. Mas nosso objetivo é diametralmente oposto: reconhecemos e louvamos o talento e a contribuição de nossos predecessores e, com toda simplicidade, buscamos dar nossa pequena contribuição.
Você é o editor responsável pela obra da Clarice Lispector na editora Rocco. Uma pergunta talvez meio maluca, mas lá vai: é possível estabelecer alguma relação entre fotografia clássica, o dicionário e Clarice?
PV: Por incrível que pareça sua associação não é tão descabida. Clarice definia a si mesma como uma escritora amadora, em duplo sentido: por não viver dos seus romances e livros de contos (ela assegurava a subsistência com a atividade de cronista ou entrevistadora para jornais e revistas, assim como serviços de tradução), e, evidentemente, por escrever por amor. É o mesmo caso do Dicionário Técnico da Fotografia Clássica: também foi obra de um amador que, como se costumava dizer antigamente, o produziu simplesmente “por amor à arte”.///
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Dicionário Técnico da Fotografia Clássica
Pedro Karp Vasquez é formado em Cinema pela Université de La Sorbonne e Mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense. Fotógrafo, pesquisador, curador, crítico, professor e poeta, é autor de 26 livros entre os quais: Dom Pedro II e a Fotografia no Brasil; Fotografia: Reflexos & Reflexões; Mestres da Fotografia no Brasil e, mais recentemente O Uso Criativo de Acervos Fotográficos. Recebeu o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte, em 1996, e a Bolsa Vitae de Fotografia, em 1998. É membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Christian Carvalho Cruz é jornalista com passagens por Folha de S. Paulo, Placar, Quatro Rodas, Revista da Semana, IstoÉ Dinheiro, Época Negócios, entre outros, e autor de Entretanto Foi Assim que Aconteceu (Arquipélago Editorial, 2012), uma coletânea de reportagens publicadas no Aliás, suplemento de domingo do jornal O Estado de S. Paulo.
Tags: Dicionário, Fotografia analógica, Fotografia clássica, Referência